sexta-feira, 29 de abril de 2011

A maneira de falar dos Samurais





Ontem estava de bobeira à noite e assisti a um episódio do excelente anime Samurai Seven, que mistura os samurais do Japão feudal com ficção científica e robôs gigantes. Enquanto assistia, algumas palavras e expressões começaram a me chamar a atenção, eu conseguia entender pelo contexto, mas despertou a minha curiosidade. Assim como em novelas e filmes que tratam do nosso período colonial, onde ouvimos vários “vós mecê” e “sinhá”, as produções que tratam de samurais também fazem uso do japonês que era falado no período em questão. Atualmente essas palavras são arcaísmos ou somente utilizadas em situações extremamente formais ou caíram completamente em desuso. Mesmo assim, existem certas tribos no Japão que tentam emular o modo de falar dos antigos guerreiros japoneses e além dos trejeitos e vestimentas imitam seu modo peculiar de falar. Como é algo muito curioso eu vou colocar aqui o resultado da minha pesquisa motivada pelo anime, creio que só interessará as pessoas minimamente versadas em japonês, mesmo assim aí vai:

Katajikenai (忝い, かたじけない) foi a primeira palavra que me chamou a atenção no anime, é uma maneira de dizer obrigado, ao invés de Arigatô (ありがとうございます), era essa a maneira que os samurais diziam obrigado, literalmente é algo como “estou agradecido”

Utsuque -うつけ, é a maneira samurai de sizer baka (馬鹿), que significa idiota.

Sochi -其方(そち)é a maneira samurai, ou arcaica de dizer あなた, ou seja o pronome pessoal do caso reto você.

Sessha -拙者(せっしゃ)é a maneira usada pelos samurais para dizer 私/ぼく (Watashi/boku), ou seja “eu”, quando estiver interpretando um samurai em sua competição de cosplay use esse pronome para se referir a si mesmo.



Degozaru - でござる, é a maneira samurai de falar “desu”/ です, que é um verbo extremamente utilizado. Por exemplo watashi wa Heráclito desu – eu sou Heráclito


Mannnen - 〜まんねん, a maneira samurai de conjugar os formos na forma masu - 〜ます, ao invés de, por exemplo, Tabemasu (comer) Tabemammem.

Ohayoudegozaru/ おはようでござる – ao invés de Ohayou/ おはようございます, a maneira smaurai de dizer bom dia: Ohayoudegozaru! Significa algo como “você está de bom humor?”

Tasshya degozaruka? -達者でござるか, é a maneira arcaica de se dizer genki desu ka? -元気ですか, ou seja “como vai?”, o campo semântico é muito próxmo, pois Tasshya significa algo como “pessoa com boa saúde”.



Shinpai gomuyou? -心配御無用?(しんぱいごむよう?), é a maneira samurai de dizer daijyoubu? (大丈夫?) ou seja “tudo bem?”. Literalmente Shinpai gomuyou significa “preocupação é desnecessária”.




Bom, chega de japonês medieval, ainda há outras palavras que eu descobri, mas esse post já está hermético o bastante.




quarta-feira, 27 de abril de 2011

Termos em chinês usados em artes marciais

Não sou tão versado em chinês quanto em japonês, por isso só vou me referir a alguns poucos termos normalmente utilizados em Kung Fu. Nem todas as escolas adotam esse tipo de tratamento e alguns dos termos tornaram-se, com o passar do tempo, a ser utilizados apenas no contexto das artes marciais.

Sifu - 師傅 ou 師父, é o termo comumente empregado para “professor”, também pode ser traduzido como pai. Atualmente o termo é empregado comumente nas artes marciais e é raramente empregado em outros contextos.

Si mou - 師母, termo respeitoso para se referir à esposa do seu Sifu

Todai - 徒弟, estudante, discípulo.

Sihing - 師兄, significa irmão mais velho, é um termo empregado para se referir aos estudantes mais antigos e/ou mais graduados, similar ao japonês sempai.

Sije - 師姐, irmã mais velha, exatamente como Sihing, mas para mulheres.

Sidai - 師弟, significa irmão mais novo, trata-se de um termo empregado para se dirigir aos alunos com menos tempo de prática e/ou menos graduados.

Si Mui - 師妹, significa “irmã mais nova”, tem exatamente o mesmo sentido de Sidai para o sexo feminino.

Sibak - 師伯, é o Sihing do seu Sifu, literalmente significa “tio”.

Sisok – 師叔 É o sidai do seu Sifu, também pode ser traduzido como “tio”.
Si tai kun -  師太公, literalmente bisavô, seria o Sifu do Sifu do seu Sifu (meio confuso isso)

SiKun -師公, literalmente avô, ou grão-mestre, é o Sifu do seu Sifu.

Josi -祖師 fundador, o iniciador do estilo ou família marcial.

Siguje –  師姑姐 seria a Simui do seu Sifu, literalmente “tia”

Siguma -師姑媽 nesse caso a Sije do seu Sifu, igualmente “tia”

Sijatlui -師侄女, sobrinha kung fu

Sijat -師侄, sobrinho kung fu.

Wu Shu - 武術, literalmente “arte marcial”.


quinta-feira, 14 de abril de 2011

Diálogo sobre a vacuidade

Esse é um trecho de um livro de um lama tibetano, que está postado em um blog sobre budismo muito interessante chamado Dakini Lounge, me parece que há três anos a autora não faz postagens, o que é uma pena. Esse diálogo é bastante instrutivo sobre a vacuidade e também muito inspirador.

Atisha foi um grande erudito e mestre de meditação indiano, abade do monastério budista Vikramashila na época em que o budismo mahayana florescia na Índia. Quando foi para o Tibet, ajudou a restabelecer o budismo no país. O mestre viveu entre 982 e 1054, sua linhagem ficou conhecida Kadampa. Lâmpada sobre o caminho para alcançar a iluminação está entre os seus maiores ensinamentos e foi incluido no livro Iluminando o Caminho do Dalai Lama. De suas inúmeras pérolas reproduzo o famoso diálogo que teve com um de seus mais importantes discípulos, Dromtönpa.

 

Dromtönpa: Qual é o ensinamento absoluto?

Atisha: De todos os ensinamentos, o absoluto é a vacuidade, da qual a compaixão é a própria essência. É como um remédio muito poderoso, uma panacéia que pode curar cada doença do mundo. E assim como esse poderoso remédio, a realização da verdade da vacuidade — a natureza da realidade — é o remédio para todas as diferentes emoções negativas.

Dromtönpa: Então por que tantas pessoas que afirmam ter realizado a vacuidade não têm menos apego e ódio?

Atisha: Porque a realização delas está apenas nas palavras. Se elas realmente tivessem entendido o verdadeiro significado da vacuidade, os seus pensamentos, palavras a ações seriam tão suaves quanto caminhar sobre um pano de algodão ou como a sopa de tsampa com manteiga. O mestre Aryadeva disse que até mesmo querer saber se todas as coisas são vazias por natureza ou não faria o samsara cair em pedaços. A verdadeira realização da vacuidade, portanto, é a panacéia última que inclui todos os elementos do caminho.

Dromtönpa: Como cada elemento do caminho pode estar incluído dentro da realização da vacuidade?

Atisha: Todos os elementos do caminho estão contidos nas seis perfeições transcendentes. Agora, se você verdadeiramente realizar a vacuidade, você se tornará livre do apego. Se você não sentir desejo ou apego por qualquer coisa de dentro ou de fora, você sempre terá a generosidade transcendente. Estando livre do desejo e do apego, você nunca será maculado pelas ações negativas e sempre terá a disciplina transcendente. Sem quaisquer conceitos de "eu" e "meu, você não terá raiva, então sempre terá a paciência transcendente. Com sua mente verdadeiramente feliz pela realização da vacuidade, você sempre terá a diligência transcendente. Sendo livre da distração, que vem do apego às coisas como sendo sólidas, você sempre terá a concentração transcendente. Com você não conceitualiza qualquer coisa em termos de sujeito, objeto e ação, você sempre terá a sabedoria transcendente.

Dromtönpa: Aqueles que realizam a verdade tornam-se buddhas simplesmente através da visão da vacuidade e da meditação?

Atisha: De tudo que percebemos como formas e sons, nada há que não surja da mente. Realizar que a mente é a consciência indivisível da vacuidade é a visão. Manter esta realização na mente em todos os momentos e nunca se distrair dela é a meditação. Praticar as duas acumulações como sendo uma ilusão mágica dentro deste estado é a ação. Se você fizer uma experiência viva desta prática, ela continuará em seus sonhos. Se ela vier no estado dos sonhos, ela virá no momento da morte. E se ela vier no momento da morte, ela virá no estado intermediário entre a morte e o renascimento. Se ela estiver presente no estado intermediário, você pode estar certo de que atingirá a realização suprema.


por Patrul Rinpoche em The words of my perfect teacher)

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Meditação

A princípio (como de costume) pensei em escrever algo mais geral sobre meditação, mas resolvi escrever sobre a minha experiência. Pratico meditação a mais de duas décadas, e nem saberia dizer ao certo o impacto preciso dessas práticas na minha vida, pois me parece que sempre fizeram parte do meu cotidiano, mas talvez um causo que aconteceu comigo ajude a entender os efeitos práticos da meditação. Estava eu em um local de reputação extremamente duvidosa quando em conversa com uma garota que lá estava ela me deu uma resposta bastante “enviesada”, eu apenas sorri e deixei para lá no mesmo instante. Um senhor profundamente embriagado que observava a cena toda apontou para mim e afirmou “você é budista”. Espantado com a perspicácia dele, comecei a conversar, o tal ébrio era um professor universitário de Filosofia e passamos um bom tempo conversando sobre a filosofia da história em Kant e Hegel, ele iniciou essa conversa com a desconcertante, mas fundamental pergunta “o que é história?”.

Pois bem, a prática da meditação lhe ajuda a perceber que criamos o mundo a nossa volta e que boa parte de nossos dissabores (se não todos) são causados pela maneira como nossa mente encara aquilo que ocorre a nossa volta. Duas historietas zen exemplificam bem isso. Ananda estava meditando em uma floresta, mas não conseguia se concentrar devido ao barulho do chilrear dos pássaros, por isso foi meditar próximo a um rio. Às margens do rio o barulho dos peixes o desconcentrava e o impedia de meditar. Irritado ele capturou e comeu todos os peixes e todos os pássaros e mudou-se para uma caverna. Ali novamente ele não pôde meditar, pois ficou com dor de barriga.

Um certo monge zen sempre se queixava a seu mestre que assim que ele começava a meditar surgia uma aranha gigantesca que o impedia de se concentrar. Ao ouvir esse relato o mestre sugeriu que ele mantivesse ao seu lado durante o zazen um pincel de caligrafia, quando o monstro surgisse ele deveria pintar um círculo na barriga da criatura para poder descobrir que tipo de monstro era aquele. O monge assim o fez, pegou um pincel e sentou-se em lótus para meditar. Mal começou a se concentrar e a enorme aranha surgiu, rapidamente ele usou o pincel e fez como lhe fora ordenado e pintou um círculo na barriga do monstro, imediatamente a criatura sumiu e ele pôde meditar em paz. Horas depois, ao terminar seu zazen, qual não foi à surpresa do monge ao notar que havia um círculo preto pintado em seu próprio estômago.

Um dos fatores fundamentais na meditação, especialmente a meditação Shamata (prática de pacificação da mente, ou meditação passiva), é a atenção dada à respiração. Pratiquei por alguns anos a meditação zen da escola soto. Essa escola de budismo mahayana prega que a prática da meditação não visa nenhum fim específico, não se busca nada, pois a prática é a própria iluminação. A meditação não lhe dará absolutamente nada, pois nada lhe falta, a única coisa que se busca é o gyoji (prática incessante). Nesse tipo de prática senta-se sobre um pequeno tatame com uma almofada em posição de lótus ou meia lótus, ou de joelhos (seiza), com a mão esquerda repousando sobre a direita, de frente para uma parede com os olhos semicerrados e a coluna bem reta (isso é fundamental) e apenas se observa a respiração, contado a expiração até dez e depois recomeçando, isso por quarenta minutos. Depois faz-se uma meditação caminhando, com o punho direito fechado e a mão esquerda espalmada sobre ele, a cada expiração se dá um meio passo bem curtinho. Depois de alguns minutos, volta-se ao local do início faz-se mais quarenta minutos de meditação sentada.

Essa é uma prática muito poderosa e também muito difícil. Não fazer nada, ficar simplesmente imóvel, cultivar o silêncio é algo extremamente difícil de se fazer, pois estamos sempre agitados e fazendo muitas coisas ao mesmo tempo. Toda essa agitação é justamente o que deveria nos levar a cultivar o silêncio e a imobilidade para equilibrar os pólos de nossa energia, balancear o Yin e o Yang, mas como estamos sempre com excesso de Yang, fica difícil cultivar nosso aspecto Yin.

Todavia a prática da meditação Shamata, se tornou para mim mais fácil depois que aprendi algumas técnicas com a monja Anizamba. Uma dessas técnicas mudou profundamente a minha prática. Ao invés de se observar a respiração e contá-la, deve-se manter num estado de atenção e observar seus sentidos e a sua própria mente, sem interferir de maneira alguma, apenas observando. Sempre que se escuta algo deve-se registrar algo como “escutando” sem se prender a essa sensação, sem criar uma história “isso foi o freio de um carro, deve ter acontecido um acidente” e assim por diante, ao invés disso simplesmente toma-se consciência da percepção e no mesmo instante deve-se deixá-la desaparecer da mesma maneira espontânea como ela surgiu. Assim para todas as sensações e também, sempre que surgir um pensamento, registrá-lo da mesma maneira e deixar que ele se vá, de maneira espontânea, sem tentar forçar a mente a se abster de pensamentos e sem se fixar em nenhum pensamento em particular.

Como disse antes, essa prática, apesar de simples ou talvez por ser simples, mudou de maneira significativa minha meditação. Durante a meditação shamata é comum que nossa mente fique cheia de um burburinho, uma espécie de ruído que nos atrapalha, e é difícil resistir à tentação de tentar ativamente se concentrar e forçar a mente a ficar sem pensamentos, ou ceder a se fixar num desses pensamentos e se distrair. A meditação é como uma vasilha cheia de água com sujeira, para decantar a sujeira basta deixar a água imóvel. Além disso, a “sujeira” não é nossa inimiga, nossa confusão mental é o nosso caminho espiritual, pois na raiz de todo fenômeno ilusório está sempre a nossa natureza fundamental de pura sabedoria, mesmo nossas emoções negativas são a expressão da energia dessa natureza fundamental e se pudermos encará-las em sua forma pura, da maneira como aparecem a nós sem nos deixarmos engajar em toda a sorte de ilusão que nos provocam, podemos contemplar essa energia primordial.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Um Brasileiro em meio à tragédia no Japão

Meu antigo professor de Japonês e amigo dileto, Hendrik sensei, vive hoje no Japão onde faz mestrado em história. Todos os seus alunos, amigos e colegas de treino ficamos muito preocupados ao saber do Tsunami, ele logo nos tranqüilizou por email afirmando que estava tudo bem com ele. Recentemente o Hendrik nos enviou um relato de suas experiências com os efeitos de toda a destruição causada pelo terremoto e subseqüente Tsunami e eu transcrevo suas palavras aqui. O texto não possui acentuação, tenho amigos na China que sempre enviam mensagens assim, pois o teclados normalmente são diferentes dos teclados feitos para as peculiaridades da língua portuguesa, mas o que vale é o espírito de Budo que emana das palavras do meu amigo.

Ola pessoal,
Oss!!! O espirito do budo esta na prontidao de lutar pelo irmao!

 Vou tomar o tempo de vcs, mas nao poderia deixar de relatar as minhas experiencias.
Estou trabalhando como voluntario em um grupo que ajuda criancas vitimas do desastre em Iwate na cidades de ootsuchi. Como hoje e minha folga, resolvi escrever para vcs.

  O trabalho e muito pesado, eu nao tenho palavras para descrever o estado em que ficou
a cidade(?) praticamente desapareceu. Carro por cima de casa, casa de cabeca para baixo como se fosse de isopor. Mas nao quero falar sobre isso agora. Estava meio preocupado com que tipo de gente eu iria me deparar aqui, pessoas que perderam suas casas, familias.... tudo!!!! Todos tem que comecar do zero. Inclusive as criancas. Estava preparando meu coracao para ser recebido com palavras grosseiras e magoas de pessoas que nao tem mais nada a perder. Mas foi completamente o contrario!!!! Todos nos tratam com carinho e educacao ao ver como cuidamos das criancas deles e trabalhamos com com a comunidade!!! Falta voluntarios para trabalhar conosco. Fazemos muito chikara shigoto tambem. Comida, material didatico etc, tem bastante pq outras partes do Japao nao param de enviar. O que falta e mao de obra para distribuicao. Fico emocionado em ver um povo que mesmo nao tendo mais nada, respeitam o espaco do outro, dividem tudo, nao furam fila...Mesmo pra mim eles sempre me agradecem e alguem traz alguma comida dizendo " otsukaresamadesu, obrigado por todo esse trabalho que vcs fazem por nos", juro que nao da pra conter as lagrimas de emocao em ver gente que com tanto sofrimento consegue ser gentil e trabalhar em uniao.Ate as criancas, dividem okashi que distribuimos e os mais velhos nos ajudam a cuidar dos mais novos. Muitos dizem que o povo japones e individualista, mas nessas horas, na dor e na experiencia, vi pessoalmente que esse povo
sabe agir com UNIAO e ESPERANCA!!! Digo isso, nao por que ouvi falar, mas sim pq esto sendo testemunha todos os dias em que estou aqui.
  Pode-se notar estresse e nervosismo nas criancas, entao quando nao estamos com chikarashigoto estamo correndo para "cima e para baixo" com elas para liberarem bastante energia. Acordamos 6:30 e vamos dormir as 11:30. E bem puxado.
Outra coisa impressionante e ver como estradas arruinadas, em um dia ja estao reconstruidas.
Bom, vou ficando por aqui.
Amanha tem mais combate!!!

Keizoku ha chikara nari (danketsu mo ne!)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Tatuagens

Pensei a princípio em escrever sobre tatuagens em geral, mas como estou terminando de “fechar” o meu peito e braço direito com uma tatuagem oriental (uma Irezumi japonesa) resolvi falar das minhas próprias tatuagens, pois cada uma delas possui um significado e uma intenção.

Em ordem cronológica, a primeira foi no meu braço esquerdo, há uns três ou quatro anos no máximo. É uma versão estilizado do Kanji para céu ou vazio: o último traço dá a volta no meu bíceps e o traço que fica no topo sobe quase até o meu pescoço. Tirei essa tatuagem de uma personagem do Manga Bleach. Até hoje apenas uma pessoa entendeu de cara o sentido dela, um irmão meu de Kung Fu chamado Victor, quando eu disse que significava “vazio” ele riu e perguntou se eu queria ser monge.

No budismo o vazio é um conceito fundamental, pois um dos quatro selos do budismo é que “todas as coisas são desprovidas de existência intrínseca” e outro diz que “todas as coisas compostas são impermanentes”. O vazio, ou a vacuidade é exposto de maneira extremamente bela no sutra do coração da sabedoria o Prajnaparamita em que se diz que “vazio é forma e forma é vazio, vazio é vazio e forma é forma”. Pois sendo todos os fenômenos compostos impermanentes eles dependem de uma série de causas e condições para existirem, cessando essas causas e condições eles também deixam de existir, logo são vazios de existência intrínseca. O ensinamento da vacuidade nos permite viver no presente, pois “o passado não existe e o futuro é uma ilusão”. Todas as coisas são fenômenos compostos, logo elas paradoxalmente “existem” e “não existem”, o que na metafísica budista é chamado de Originação Dependente (pratītya-samutpāda), logo tudo o que vemos, e mesmo pensamos e sentimos é real mas possui uma raiz de ilusão e impermanência, logo também é algo ilusório como o tecido do sonho a noite.

Minha segunda tatuagem foi um outro Kanji no meu peito esquerdo, a palavra japonesa Tatakau, guerra ou batalha: isso se deve a dois fatores. Desde os meus seis anos tenho praticado artes marcais de maneira espartana, sendo esse um aspecto extremamente importante da minha vida. Outro fator para ter feito essa tatuagem é devido ao meu nome de batismo Heráclito. Poucas pessoas, mesmo aquelas com uma boa formação humanística, conseguem fazer essa conexão. Heráclito é o nome de um filósofo pré-socrático que viveu na Magna-Grécia, em Éfeso (hoje fica na Turquia) e que teorizava que o elemento que era a base da criação era o fogo. Também foi o pai da dialética pois argumentava que: πόλεμος πάντων μν πατήρ στι, a guerra é a mãe de todas as coisas (em grego guerra é do gênero masculino, logo ela é “pai” de todas as coisas), o que casa bem com a minha orientação Junguiana, onde se percebe que é preciso haver tensão, pólos opostos, arquétipo e instinto, para existir psiquismo.

Certo, a minha terceira tatuagem foi também no lado esquerdo, dessa vez nas minhas costelas. São nove Kanjis, o nove kanjis do Kuji Kiri, com um Kanji bem grande no centro, o Kanji para demônio, em japonês Oni pois essa é um tipo de magia simpática utilizada no budismo Shingon para afastar maus espíritos e doenças, além de ter uma estreita relação com certas práticas do ninjutsu.

Minha quarta tatuagem foi um Tengu em meu ombro direito, na verdade um Karasu-tengu (tengu corvo), um homem vestido de Yamabushi com aspecto de corvo, uma espécie de homem pássaro. Tengus são espíritos das montanhas, que podem mudar de forma, ficar invisíveis, ler a mente das pessoas entre outras coisas. Também são exímios espadachins e forjadores de espadas, assim como grandes artistas marciais e patronos das artes marciais. Muitos grandes heróis das lendas japonesas foram treinados por Tengus.

A quinta tatuagem é muito grande e possui muitos elementos, por hora vou falar de apenas um deles, pois tem uma história interessante. Na parte de dentro do meu bíceps tatuei o hexagrama do I-Ching “inocência” que também pode ser traduzido como “inconsciente”, formado por céu acima e trovão abaixo. Há um motivo para que eu tenha marcado a minha pele que esse símbolo. Cerca de três anos atrás, quando estava decidindo se entraria no mestrado em psicologia, eu joguei o I-Ching para saber se devia realmente fazê-lo. A resposta foi enfaticamente negativa, mas eu resolvi teimar e perguntei se poderia fazer mesmo assim, já que agora eu sabia que poderiam haver problemas e talvez pudesse evitá-los. Novamente o oráculo foi enfático em sua negativa, eu não deveria fazer o mestrado. Desapontado com a resposta eu indaguei novamente se devia fazer, com a mesma argumentação esfarrapada e então saiu esse Hexagrama, imediatamente percebi isso como uma espécie de resposta de Pilatos, como se o oráculo dissesse “bem, eu avisei se você fizer mesmo assim e se der mal não me culpe”. O fato é que eu fiz o diabo do mestrado e isso teve um custo pessoal altíssimo e me trouxe muitos, mas muitos problemas mesmo, quase não consegui concluí-lo. Por isso prometi a mim mesmo que quando tudo estivesse terminado e eu estivesse com o diacho do diploma nas minhas mãos iria tatuar esse hexagrama para me lembrar de ouvir o meu daimonion em suas manifestações e quando perguntar algo a um oráculo como o I-Ching, levar a resposta a sério.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Uma advertência aqueles que são bons

Ultimamente tenho percebido com crescente tristeza que muito da educação que recebi foi profundamente equivocada, pois tenho tido problemas por ser uma pessoa educada e ponderada, mas mesmo anos de meditação e treinamento para não ser vítima das próprias emoções podem claudicar diante da crescente falta de escrúpulos e sensatez das pessoas. Ainda mais, penso que aqueles que se pautam pela honradez deveriam aprender um pouco com aqueles que são torpes e pusilânimes, mesmo as escrituras trazem advertência aos filhos da luz quanto a isso:

Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede mansos como as pombas e astutos como as serpentes.

Durante os anos em que cursei a minha primeira faculdade, conheci um sujeito bastante sem caráter de quem aprendi algumas lições valiosas, diante do meu comportamento, sempre prestativo, manso e compreensivo ele advertia “a fronteira entre o bom o besta é tênue”. Mesmo vindo de alguém de caráter duvidoso, são sábias palavras. Em tempos em que ser espertalhão e egoísta é preferível a fibra moral e o altruísmo, é preciso que aqueles que se aventuram na vereda de um compromisso com algum tipo de valor ou bússola moral aprendam com os maus. Confúcio disse certa vez, ao ser indagado sobre quem foram seus mestres que “todos os homens são meus mestres, pois os bons me servem de exemplo e os maus de alerta”.

O convívio com o que há de torpe e pusilânime tem me ensinado valiosas lições, principalmente sobre responsabilidade individual. Nossas ações e palavras repercutem nas pessoas. Tenho visto, para a minha tristeza a calúnia e a falsidade prosperarem, e tenho sido testemunha de seus efeitos devastadores. Tenho presenciado a trapaça e a mentiram serem usadas como armas de maneira leviana e irresponsável, sem o menor pejo e sem o menor escrúpulo, e uma vez mais assistido a seus efeitos e sentindo na própria carne o látego impiedoso da mentira. Não é fácil ser como cordeiro em meio aos lobos, não sem a astúcia da serpente.

Existe uma fábula budista que transmite a mesma mensagem da passagem de Mateus 10.16. Conta-se que o Buda estava viajando pela Índia quando passou por um vilarejo onde as pessoas padeciam de sede. Nesse lugarejo existia um poço e água em abundância, mas nesse mesmo poço habitava uma naja de presas compridas como adagas que pingavam veneno. Compadecido com o sofrimento das pessoas e preocupado com o destino da serpente, que acumulava mau karma devido as suas ações ele interveio. Com sua infinita sabedoria e compaixão ele converteu a naja a não violência e partiu. Tempos depois, ao passar pelo mesmo vilarejo ele encontrou a outrora majestosa e temível serpente reduzida a um farrapo, mera sombra de sua antiga glória, maltratada e machucada. Curioso ele indagou sobre a origem de tamanho infortúnio. “fostes tu, respondeu a naja, o motivo de meu atual estado deplorável. Quando parei de atacar os aldeões eles começaram a se aproximar, a princípio ainda receosos, mas logo se sentiram a vontade e sem nenhum medo passaram a me maltratar e humilhar e aqui estou eu, fraca e derrotada!”. Buda sorriu com paciência e retrucou “eu te disse para não picar as pessoas, mas em momento algum te disse para não silvar”.

Assim como a naja da parábola budista, muitos daqueles que acreditam em agir tendo em mente mais do que o imediatismo egoísta da satisfação de seus próprios desejos, acabam vítimas de sua própria paciência e ponderação. Para aquele que pratica o mal e que age com desdém e egoísmo, e que apesar de ostentar destemor secretamente teme até mesmo a própria sombra, a calma é compreendida como fraqueza, a franqueza e a honestidade são vistas como estupidez.

Minha espada tem estado embainhada por tempo demais, talvez por ter abusado de minha força no passado, tenha me tornado vítima de fatal enantiodromia, e deixado sua lâmina enferrujar pela falto do uso, mesmo quando seria realmente necessário sujá-la de sangue. Talvez não baste apenas silvar, mas sim fazer uso efetivo das presas e do veneno. Campbell em um de seus livros disse não concordar com compaixão incondicional, pois existem muitas pessoas que mereceriam um belo cruzado no queixo. 

Infelizmente uma vez mais me encontro diante das fronteiras da “terra devastada”, uma vez mais me afasto de mim mesmo, e estou prestes a pagar um preço alto por isso. Não que a outra senda seja fácil, o Ecce Homo talvez seja ainda mais difícil e árduo, mas é a senda que leva a busca de nossa “bem aventurança”, da fidelidade para com aquilo que se é verdadeiramente.

Não é fácil viver uma vida genuína, todos sempre possuem planos para você, mas tudo o que vive, a verdadeira maravilha de tudo o que vive, é que toda vida vive individualmente. Cada um de nós possui um caminho, caminho esse que repousa em nosso peito e que nunca é fácil de perceber. Os cavaleiros do Graal, ao começar sua busca entraram na floresta escura justamente onde não havia um caminho, onde ninguém jamais havia trilhado, onde não existiam pegadas a seguir. Eis o desafio colocado diante de todos nós, o desafio de encontrarmos a vereda que leva a nós mesmos.

Aqueles que trilham esse caminho não devem detestar o mal, já ouvi de minha professora Anizamba “nossa confusão mental é o nosso caminho espiritual”, e na visão budista aquele que nos ofende é um tesouro inestimável, pois nos dá uma oportunidade de praticar a compaixão. Mas novamente, compaixão não deve ser confundida com estultice! Manter-se inerte diante do mal não é compaixão, ao permitir que o mal seja praticado permitimos que aqueles que assim o fazem incorram na aquisição de grandes deméritos e se aprofundem em seus obscurecimentos. A mentira, a trapaça e a vilania sempre existirão, o mundo não precisa ser corrigido, ele é o que é, e não se enganem, é perfeito do jeito que é com toda a confusão e sofrimento. Mas para trilharmos o caminho da “bem aventurança” temos de cruzar espadas com as trevas. Darth Vader é uma emoção negativa, como ouvi do Dr Yang, mas ao mesmo tempo também uma pessoa real com quem devo me bater. Doravante o Darth Vader que se cuide...