sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

TRINTA E TRÊS

Esse mês completo trinta e três anos, nasci no ano de nosso senhor de 1978 no mês de dezembro às oito horas da manhã, ou no ano de 5739 no dia 17 de Kisvet, pelo calendário judaico, ou ainda no ano do cavalo de madeira, no mês do rato e na hora do dragão, pelo calendário chinês. Em todos os casos, faz trinta e três anos que por algum motivo, ou motivo nenhum, eu nasci.

Resolvi, por já estar vivo há um tempinho, escrever um balanço da minha vida, o que fiz de bom e ruim, e o que mudou e permaneceu desde o fatídico dia em que uma série quase infinita de causas e condições me colocou nesse mundo. Nada ambicioso como uma autobiografia, não, longe disso, no máximo uma “autocrônica”, se é que isso existe, se não, considerem o neologismo criado.

Talvez seja interessante falar primeiro um pouco do presente, afinal, eu me recordo bem melhor dele... Pois bem, fui casado – a rigor não fui casado, mas “amancebado” ou “junto” como minha ex sempre me lembrava com desgosto – foram, ao todo 14 anos de relacionamento, dos 16 aos 30, até ela me dar um “pé na bunda”, justo por sinal. Tive um filho, a melhor coisa que já me aconteceu, ele nasceu no mês seguinte ao que eu nasci, janeiro e se parece comigo fisicamente, quase um clone, e também psicologicamente, é um moleque inteligente e que gosta de livros. Seu nome é Ícaro, um nome grego, como o meu. Fazia questão que seu nome fosse grego, e, das duas listas que fizemos de nomes esse era a única coincidência. Muitos acreditam que meu nome, Heráclito, se deve ao fato de meu pai ser um historiador, ledo engano. Se dependesse dele me chamaria Domingos sina terrível que coube ao meu meio irmão Iago Domingos.

A história do meu nome é deverás interessante, é o nome do meu bisavô. Um dia eu estava sentado à mesa lendo enquanto almoçava e minha avó se dirigiu a mim nos seguintes “seu Heráclito, deixe para ler depois de comer seu Heráclito”, o que eu achei estranho pelo tom de subserviência e respeito, antes mesmo que eu formulasse qualquer pergunta ela disse “igual ao pai do seu avô, ele também só comia lendo”. Pois o fato é que, eu nasci num dia 17 de dezembro, quis o destino que fosse o aniversário de morte de meu bisavô, o pai do meu avô materno. Um italiano chamado Heráclito Limonge, de cabelos pretos e olhos muito azuis, bem apessoado e de ombros largos, que ao chegar ao Brasil junto da família, mudou seu sobrenome para Aragão. Ele era um homem de livros, sério e grave, comerciante de posses que viajava muito e falava vários idiomas. Meu avô, graças a deus, não permitiu a tal história do Domingos e me deu o nome de Heráclito em honra à memória de seu pai, pelo que lhe sou muito grato, pois o nome me cai bem.

Lembro que meu tio Nilo, irmão do meu avô, e que era um homem viajado, tendo sido da marinha de guerra – como o meu avô – e depois da marinha mercante, sempre utilizava imprecações em italiano, e ambos, ele e meu avô eram ferrenhamente anti-clericais, meu avô nutria um desprezo profundo pela igreja católica o que me rendeu ótimos momentos. Minha avó, apesar de ser de família marrana e benenucin (Carvalho), ela é tão católica quanto alguém pode ser, e nos fazia ir à missa aos domingos, eu passava a maior parte do tempo do lado de fora com o meu avô, que se recusava a entrar tomando picolé ou comendo pipoca, depois havia uma quermesse e algumas senhoras vendiam uma salada que me intrigou por anos a fio! Ao invés de ser feita de pedaços cortados retangulares de frutas, eram pedaços esféricos, e aquilo aguçava a minha curiosidade, nem podia imaginar como conseguiam fazer aquilo! Creio que toda a minha curiosidade científica deriva desse meu espanto diante dessa salada de frutas tão inusitada, e saborosa.

Tenho ainda outras lembranças interessantes da minha infância, eu aprendi a ler aos 4 anos, antes de ir para a escola, e a primeira coisa que li sozinho foi uma revista dupla do Tarzan e , virando-a ao contrário, era do seu filho barzan eu acho. Eu a sabia de cor e, mesmo hoje, se fechar os olhos consigo folheá-la em meu espírito. A história do Tarzan dizia respeito a um castelo medieval na selva, feito de madeira e não de pedras, e a outra, era sobre trabalhadores escravizados numa mina que eram salvo pelo filho do Tarzan. Mesmo sabendo ler, eu gostava que minha mãe lesse para mim e pedia que ela o fizesse, me recordo dela deitada numa rede, lendo com má vontade e pulando certas partes, e, como eu sabia a revista de cor, pedia que ela lesse também essas passagens “acidentalmente” omitidas. Minha mãe era professora e um dia, nas minhas férias, eu devia ter sete ou oito anos, ela me trouxe uma caixa de papelão, quase do meu tamanho, cheia de livros. Essa caixa ficou em um quartinho na parte de trás da casa dela, e eu passei as minhas férias inteira sentado ao lado dela, assim que terminava um livro eu pegava outro, li todos os Xistos no espaço e similares, lembro de uma história com duendes parecidos com os smurfs, e de uma história sobre peixes, pedras e plantas de um rio lutando contra uma fábrica poluidora.

Quiseram os deuses que, em minha casa houvesse um exemplar, que tenho até hoje, parecido com uma bíblia, com todos os livros infantis de Monteiro Lobato. Dos 8 aos 9 anos eu li tudo o que ele escreveu. Esse livro permanecia aberto no sofá da sala, na página em que eu havia parado e, assim que chegava da escola, largava minhas coisas em qualquer canto e me deitava e ia ler, os doze trabalhos de Hércules, o Minotauro, meu primeiro contato com mitologia, história e filosofia se deu graças a esse livro, graças a Monteiro Lobato, um dos poucos ídolos que tenho. Quando terminei de ler pela segunda vez, achei na minha casa uma versão ilustrada da bíblia, chamada bíblia para os jovens, ela era ilustrada com pinturas renascentistas que imediatamente me fascinaram, li todo o antigo testamento e, quando fui ler o novo, não tinha nem dez anos, eu achei chato e incompreensível, e posterguei sua leitura pelos próximos vinte anos.

Mas nem só de leituras foi a minha infância, aos seis anos minha mãe me matriculou no Judô. Minha mãe era uma ardorosa fã de Bruce Lee, devido a isso, quis que eu praticasse artes marciais, coisa que faço ininterruptamente desde os seis anos. Minha faixa azul (fiz 3 anos de judô) dava mais de três voltas na minha cintura. Lembro de um campeonato que participei, lembro de uma vez meu sensei conversar conosco sobre defesa pessoal (há época, e ainda hoje lembrando dessas palavras, acho o que ele disse bem bobo) lembro de adorar os saltos e rolamentos e de como minha mãe me atrapalhava nos treinos me chamando e dando tchauzinho a toda hora, e me recordo vivamente de uma vez em que meu sensei fingiu que eu o atingia com um golpe e saltou sobre a minha cabeça caindo estatelado do outro lado, ele parecia um gigante passando por sobre mim. Na minha adolescência, eu achei minhas antigas faixas, e percebi que devia ter sido um garotinho bem miúdo, minha faixa que dava voltas e mais voltas na minha cintura, agora que já era um rapazinho nem mesmo fechava na minha cintura, aquilo que espantou bastante.

Ainda criança, me recordo vivamente da morte de Tancredo Neves. Quando eu nasci, o Brasil ainda viva uma ditadura militar, o pior já havia passado e esse regime estava nos estertores de morte, que culminaram com as diretas e a eleição (ironicamente indireta) de um presidente civil de transição, Tancredo. Me recordo que a televisão transmitiu os rituais fúnebres do presidente, e eu me lembro vivamente de um rápido diálogo entre meu avô e meu tio Nilo (tio avô na verdade) o meu avô disse “se fosse o Maluf, ao invés de estarem chorando estariam soltando fogos”, levei quase uma década para começar a compreender isso. Na minha infância, vivíamos sob a sombra de uma inflação galopante, herança das políticas econômicas do senhor Delfim Neto, e presos a uma dívida externa tida como impagável, que nos mantinha em genuflexão permanente diante do FMI. Meu avô tinha três empregos, ele era radiotelegrafista, uma profissão que não existe mais, e todos os meses fazia compras para o mês inteiro, às vezes para mais de um mês, eram fardos de muitos quilos de arroz, açúcar, sal, feijão, tudo comprado em enorme quantidade, pois o preço subia mais rápido que o salário, e mudava de um dia para o outro. Vi a moeda mudar muitas e muitas vezes, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, unidade real de valor, real. Tenho lembrança de uma conversa entabulada na segunda série com um colega chamado Daniel Teófilo, disse a ele que minha mãe ganhava um milhão de cruzeiros – um milhão, nos filmes americanos era muita grana! – mas ambos dissemos quase ao mesmo tempo que, apesar do número chamativo, aquele valor não significava nada, e não comprava muita coisa. Naquela época, ganhava-se muito dinheiro com a poupança, e bancário era uma profissão e tanto, era gente de muitas posses, pois os bancos lucravam rios, ou melhor, oceanos de dinheiro com a miséria alheia. Quando a inflação foi finalmente contida, essas pessoas que viviam na bonança tiveram suas vidas arruinadas, conheci vários deles.

Minhas memórias estão sempre se voltando para os meus avós maternos, não é ocioso explicar o motivo disso. Quando eu tinha seis anos de idade meus pais se divorciaram, e só voltei a ter algum contato com meu pai cerca de onze anos depois. Para não ser injusto, acho que nesse período eu o vi umas duas vezes, me lembro bem de uma delas, era dias dos pais e eu tinha feito uma lembrancinha no colégio para dar para o “papai”, calhou que ele estava lá, na casa da minha mãe e ficamos sozinhos por uns dez minutos e eu entreguei o presente, até hoje me espanta a frieza e insensibilidade que ele demonstrou, simplesmente agradeceu e me devolveu o presente. Quem me criou, na realidade, foram os meus avós maternos: Hermengarda e Aragão. Quando era bem pequeno, talvez até mais jovem do que o meu filho é hoje, eu tinha uma doença que me fazia ser hospitalizado sempre, minha mãe diz que se chamava “crise de garganta”, sabe-se lá deus o que é isso. Me lembro vivamente de uma dessas internações, estava muito fraco, vestindo um pijama vermelho xadrez e me colocaram num carro para ir ao hospital, me recordo também, e essa é talvez a memória mais marcante da minha infância, que estava no hospital, numa dessas internações e acordei no meio da noite, estava faltando energia e tudo estava escuro como breu. Chamei pelo meu pai, mas a voz que veio da cabeceira da cama foi a do meu avô, ele sempre esteve lá quando eu precisei, e meu pai não foi mais do que uma ausência.

Quando meu filho teve que se submeter a uma pequena cirurgia, em virtude de uma hérnia comum em crianças, eu fiz questão de que, quando ele abrisse os olhos, eu estivesse lá, que eu fosse a primeira pessoa que ele veria. Queria ser como o meu avô e não como o meu pai. Ironicamente, quem me fez ver que meu pai verdadeiro fora meu avô, foi meu pai biológico. Estávamos em meio à campanha para deputado estadual e chegamos cedo para um café com sabe-se lá deus quem, o local estava deserto e começamos a comer, estávamos só nós dois, os seguranças ficaram do lado de fora. Para puxar conversa ele me perguntou “como está o seu pai?”, anos de estudo de psicologia me fizeram pegar o ato falho na hora, ao invés de me chatear, o que seria normal, pontuei “quem? O senhor?”, “não”, insistiu ele “o teu pai, como ele está”. Eu já sabia que ele estava perguntando sobre o meu avô, mas insisti “você está bem na minha frente”, “não” prosseguiu ele em sua inconsciência, “o teu pai”, “está falando do meu avô Aragão?” ele fez um prolongado silêncio e encarou pateticamente o vazio e depois disse “sim, sim, o seu avô, como ele está”, “meu avô morreu pai” respondi a ele.

Meu pai de mentira, ou biológico se preferirem, é uma figura interessante, doutor em história, professor da UFC, vice-governador e por aí vai. Por muito tempo me senti oprimido por ele, no sentido que ele representava algo que eu deveria ultrapassar para não ser mais um medíocre. Na faculdade, cursei história na UFC, as pessoas associavam meu sucesso acadêmico ao fato de ser filho dele, o que me aborrecia, meus amigos faziam troça desse fato. Ao mesmo tempo, me deixava satisfeito quando algum professor comentava “nossa, você fala melhor do que o seu pai” ou “você escreve bem melhor do que ele”. Durante a época da campanha eleitoral nos reaproximamos, e trabalhei arduamente para ele, sem receber um vintém. Por essa época descobri que ele não passava de um homenzinho fraco, covarde e pusilânime, me senti um pouco desapontado e confuso, mas ao mesmo tempo aliviado. Nunca houve competição de nenhum tipo, ou meta externa a ultrapassar, como na parábola budista da pessoa que se assusta ao ver uma corda e pensa tratar-se de uma cobra. Também me fez ver, que a realização humana não se limita a realizações exteriores, a títulos e posses, Buda teve tudo isso e abriu mão justamente para se realizar. Foi estranho perceber que tudo o que a minha mãe tinha me dito durante todos esses anos era a mais pura verdade, e não simplesmente veneno e mágoa. Meu pai de mentirinha não passava de um egoísta, interesseiro, sem escrúpulos e um sepulcro caiado. Ele é um ótimo político para os padrões brasileiros, além de tudo é preguiçoso e incompetente.

Certa feita, tive uma conversa com meus alunos, quando ainda lecionava no segundo grau, quando eu era meninote não existia internet, e só existiam telefones fixos que custavam muito caro, e os telefones públicos eram realmente necessários. Eu vi surgir os videogames, tive um atari e um odissey (o único com teclado alfanumérico), vi surgir a fita VHS e a era de ouro das locadoras (hoje feridas de morte pela internet e TV a cabo), presenciei o surgimento do CD, estava no ensino médio nessa época, e parecia algo sensacional! Ainda meninote tive um CP400, um computador sem tela (ligava na TV), sem HD (grava-se em fitas cassete), sem sistema operacional (qualquer coisa tinha de ser programada em Basic), muito antes do DOS. Vi surgir os Pcs, o DVD (uma gravadora de DVD custava uma fortuna!), vi os primeiros celulares, os velhos “tijolões”, e o aparecimento da TV a cabo. Antes da internet, ser fã de animes era muuiiito difícil, me recordo dos amigos que tinham coleções de fitas VHS com animes, qualquer um servia, pois era uma dificuldade para encontrar. Logo que chegou a internet, ela era discada, e vivia caindo. Existiam até mesmo programas que eram “discadores” para vc não ter que se dar ao trabalho toda a vez. Vi os disquetes, hoje extintos, inclusive os Floopy disc, que mofavam. Era uma trabalheira instalar o Windows com 24 disquetes, e quando um falhava? Em minha curta vida presenciei muitas coisas, a queda do muro de Berlim e o fim da URSS, o fim de uma era. Revoluções no mundo digital e das comunicações, revoluções de costumes entre outras. Mas se descobri algo nessa minha curta vidinha, é que o que nos faz humanos nunca muda.

Meu fascínio por mitologia vem de longa data, e, mais ou menos aos 9 anos, eu adorava ler sobre os deuses e deusas egípcias, e me perguntava como as pessoas podiam acreditar naquele tipo de coisa (anacronismo aos nove anos tá valendo), por acaso, enquanto me perguntava eu via pela TV uma reportagem sobre romarias e devoção popular e algo me disse, “cara, tá vendo isso, é a mesmo coisa, ao invés de deuses egípcios, santos”, foi uma descoberta e tanto para mim naquela idade. Isso permaneceu fermentando no meu espírito até que abandonei a faculdade de veterinária (história para outro dia) e fui fazer história. Faltei a primeira semana de aula, pois estava acamado, e meu amigo Filipe Jesuíno me emprestou um livro, que ironicamente ele não lera ainda “as máscaras de deus: mitologia primitiva”, esse livro mudou a minha vida para sempre. Pouco tempo depois, meu irmão mais novo ingressou no curso de psicologia e meu amigo Filipe emprestou a ele “O Homem e seus símbolos” de C. G. Jung, isso deve ter sido em 2000 ou 2001. Ele nem leu, deixou por ali jogado, eu como leitor compulsivo que sou, li, novamente minha vida estava modificada para sempre... Isso me lembra a lenda sobre como conheci o Filipe (ele nega), tínhamos 14 ou 15 anos e estávamos na casa de um amigo comum Adriano, vulgo Maclarry, e sobre a cama do quarto dele estavam várias revistas de mulher pelada, eu olhei para uma das capas e perguntei “essa é a chicholina?” ao que ele respondeu “não, é não”, “tem certeza?” insisti “tenho sim, a chicholina eu reconheço de longe”, veja como surge uma bela amizade, sob os auspícios de uma atriz pornô do leste europeu.

Já escrevi muito, e ainda poderia falar sobre muitas outras coisas, meu tempo de colégio, meus treinos como artista marcial, meus estudos, a faculdade o mestrado, muita coisa, mas sinto que por hora chega, senão deixa de ser uma “autocrônica”. Minha professora de budismo, a venerável bikkuni Anizamba Chozom, sempre me admoesta a falar da minha própria experiência, das minhas emoções, do que eu penso, e não sobre Aristóteles, Jung, Freud ao algo do tipo. Bom, estou tentando, se estou conseguindo ou não, deixo a pergunta em aberto, como disse certa vez uma pessoa que gosto e respeito bastante, meu amigo Ken, “a resposta é a traição da pergunta”, talvez ele esteja certo...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Perspectiva Jungiana da interpretação de sonhos

Esse texto foi escrito por mim há pouco mais de seis meses como um exercício de interpretação e utilização do método Junguiano. A pessoa que forneceu o sonho não é identificada de nenhuma maneira no escrito que se segue. Compartilho o texto como uma forma de partilhar minha visão acerca da Psicologia Moderna.


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A perspectiva de Jung, no que concerne a interpretação dos sonhos, difere grandemente da de Freud, apesar de ambos considerarem o sonho a “via regia” de acesso ao inconsciente e uma ferramenta importante na prática clínica.

Jung jamais criou uma teoria da interpretação de sonhos, esquemática e intelectualizada, para ele cada sonho tinha sempre que ser visto como um evento novo e espantoso e visto com o menor número de preconceitos possível, mais de uma vez em seus escritos ele repete que se deve aprender o máximo possível de teoria e de amplificações mitológicas e que no momento de se defrontar com um paciente em análise ou ao lidar com seus sonhos, deve-se o máximo possível esquecer a teoria. Além disso, diferente de Freud para quem o sonho era sempre “o guardião do sonho” e sempre “uma realização de um desejo inconsciente”, o sonho não era, nem poderia ser tão limitado. Para Jung a estranheza das imagens oníricas não justificava a interpretação Freudiana de que haveria uma censura capaz de transformar os pensamentos oníricos latentes em uma fachada que era o conteúdo manifesto, Jung divergia completamente dessa tese. Freqüentemente ele citava um velho ditado árabe “o sonho é a sua própria interpretação”. Assim como ao nos depararmos com um texto em grego, não precisamos teorizar que sua estranheza em relação ao português se deve a algum mecanismo de censura, esse texto apenas está em uma outra língua. O idioma nativo do sonho é o idioma do inconsciente, com suas imagens espontâneas da imaginação de caráter simbólico.

Ainda assim, Jung possuía uma teoria basilar em sua arte de interpretar sonhos. Todos os sonhos são fenômenos naturais, espontâneos e que provêm do inconsciente e possuem uma função compensatória ou complementar a consciência. Os sonhos estabelecem um diálogo entre nossa consciência e o fundamento profundo de nosso ser, a estrutura inconsciente que é a origem, a matriz a partir do qual o eu e a consciência do eu se originaram. Para Jung o inconsciente é anterior, simultâneo e posterior a consciência.  O complexo do eu, possui uma posição especial na nossa constituição anímica, na hierarquia dos complexos ele possui o afeto do corpo (para escrever esse texto eu penso e meus dedos respondem a minha volição), além disso, ele possui uma energia psíquica, ou um quantum dessa energia a sua disposição: à vontade, resultado de um longo processo histórico de desenvolvimento da consciência e incutido em nós e exercitado através da educação. Esse eu, apesar de sua posição especial na hierarquia dos complexos, compartilha da qualidade mais geral de nossa psique que é a sua qualidade de dissociação, o complexo do eu é altamente compósito e variado, num momento lembramos com clareza de um nome, mas no instante seguinte nos é impossível recordar esse mesmo nome de que lembrávamos há pouco.

A consciência se caracteriza por ser unilateral, ela funciona pelo circuito energético de direção/seleção/exclusão. Sua unilateralidade possui como fim a especialização com finalidade adaptativa. Todavia, a estreiteza da consciência é compensada pela vastidão e não especialização do inconsciente. Os sonhos muitas vezes corrigem atitude da consciência ou as espelha de maneira impessoal para permitir uma possibilidade de reflexão e auto-conhecimento. Nesse sentido, mesmo fora de um processo de análise, os sonhos nos permitem um diálogo objetivo com esse espírito que tece nossos sonhos e fantasias e que nos mostra a nós mesmos como somos, sem rodeios ou ilusões, e algumas vezes com rara ironia e humor.

Na perspectiva de Jung, podemos interpretar os sonhos como se eles fossem um drama pessoal em que somos todos os elementos do sonho, como se numa peça fôssemos todos os atores, o contra regras e o diretor. É isso que é chamado de interpretação a nível do sujeito. Dessa forma interessam as amplificações fornecidas pelo sonhador, que vão esclarecendo aos poucos os simbolismos pessoais das imagens oníricas e que o analista devolve a ele no diálogo que caracteriza a terapia. Todavia, muito freqüentemente os sonhos se referem a pessoas outras que não nós mesmos, de maneira concreta e não como uma alegoria para algo em nossa alma, outras vezes apresentam caráter prospectiva ou, mais raro, caráter premonitório. Também não raro, os sonhos apresentam uma mensagem cujo valor não se restringe a esfera pessoal, mas que possuem validade geral e falam a condição humana, não a um indivíduo em particular.

Isso se explica pela existência do que Jung chamou de psique objetiva, o “inconsciente profundo” ou inconsciente coletivo, a base estrutural sobre o qual surge nossa alma como fenômeno observável. Daí ser possível um segundo tipo de interpretação dos motivos oníricos, chamado de interpretação a nível do objeto. Essas duas modalidades de interpretação não são mutuamente excludentes, ao contrário, complementam-se.

O sonho a ser interpretado


Os sonhos apresentados aqui são de uma mulher jovem, bonita e invulgarmente inteligente. Além disso, singularmente energética e ativa. Os sonhos apresentados por ela possuem a característica de serem recorrentes. Em geral, sonhos se repetem quando sua mensagem compensatória ou complementar não foi compreendida pela personalidade consciente. O estudo ou a interpretação dos sonhos não é apenas um passatempo intelectual ou uma curiosidade, mas possui uma orientação extremamente prática. O trabalho com o simbolismo onírico serve para que a consciência possa assimilar moralmente os conteúdos inconscientes ou possa tornar conscientes certos processos que de outra forma seriam inconscientes. É importante salientar que mesmo o termo inconsciente possui uma utilidade prática, ele significa aquilo que eu não sei. Por exemplo, não faço a menor idéia do que existe dentro do meu teclado de computador ou como ele funciona, logo isso me é inconsciente. Boa parte de nossas ações, impulsos, ou desejos, se afiguram a nós da mesma maneira que os sonhos, a consciência não os produz ou controla, apenas sofre seus efeitos. A finalidade última é a transformação da personalidade, metanóia que só pode acontecer através do auto-conhecimento, e que como se dá em âmbito moral, não pode ser levada a cabo em termos meramente ou exclusivamente intelectuais, mas também em termos da função sentimento. Não há mudança ou transformação genuína sem se passar pelo fogo da emoção e do sofrimento.

O primeiro sonho:

A sonhadora está na casa em que viveu na infância, ela está no quintal, na parte de trás da casa, numa pequena construção que se situava nos fundos, uma casinha com uma porta sala, janela e banheiro e ali ela se vê acossada por duas enormes najas com seus capelos abertos que a perseguem. Tomada de grande pavor ela se refugia na casinha e fecha a porta. Enquanto tentam forçar passagem pela porta as duas serpentes latem de maneira ameaçadora e tão alto que toda a construção treme.

A esse sonho a sonhadora acrescentou a seguinte amplificação. A tal casinha que ficava nos fundos da casa de seus pais ficava próxima ao muro da casa vizinha que pertencia a sua tia, e que lhe inspirava grande temor, e da qual ela não se aproximava sozinha por temer que algo de ruim viesse a lhe acontecer. Seu primo que ali vivia morreu devido a um afogamento, o que aumentou seu temor de se aproximar do local, em especial uma espécie de sótão que havia ali.

O par de najas surge no sonho com papel de destaque, a elas está associado um grande temor, a que a sonhadora acrescentou que em sua vida vígil também possui um medo desses animais peçonhentos, ao mesmo tempo, costuma se definir como “uma cobra” (devido ao seu mau temperamento). Nos mitos as serpentes desempenham um papel de grande destaque e seu simbolismo é vasto, segundo Von Fraz o material de amplificação relativo às cobras pode ser dividido em sete aspectos:

1- um espírito telúrico (por exemplo, a serpente de Midgard, inimiga dos valares, os deuses superiores da mitologia germânica e que era filha de Loki – deus das trapaças e do fogo – e que circundava toda a terra e devorava sem parar as raízes de Ygdrazil a árvore do mundo).

2 – como a alma de um herói morto, um demônio sepulcral (a cobra saindo dos corpos dos motos como vermes, imagens de cobras nos túmulos com um ovo, como símbolo de renascimento).

3 – como genius loci (o genius loci de Atenas, Cecrops, vivendo na acrópole; também o rei Erechtheus, que quando bebe foi encontrado numa caixa, enrolado em cobras, o rei meio serpente da ilha se Salamia, Kychreus, que de acordo com as lendas apareceu para encorajar os gregos na batalha de Salamia).

4 – como um daimom positivo e curador (a cobra de Esculápio, o cajado de Aron).

5 – um animal mântico, inspirando profetas (em contos de fadas comer serpentes permite as pessoas saber o futuro ou entender a fala dos animais e pássaros; Siegifried ao provar do sangue do Dragão Fafnir adquire o dom de entender os pássaros. O vidente Melampus possuía uma cobra em seu escudo. No oráculo de Delfos a sacerdotisa era a “pitonisa” – píton – pois acreditava-se que o local era habitado por uma serpente).

6 – como a mãe em seu aspecto negativo (a cobra de Hecate, o demônio feminino da terra; também o Phyton, inimigo de Apolo, ou Echidna, meio mulher e meio serpente, ou Gaea, inimiga de Hércules).

7 – como um símbolo do espírito (Philo de Alexandria diz que a cobra é “o animal mais espiritual imaginável, pois é rápido como a pneuma, não possui pés nem mãos, vive muito e muda de pele i. e. se renova. No simbolismo alquímico assim como nos mistérios de Osíris e Sabazios era um símbolo de auto-renovação. Na Yoga Kundalini ela é a “enrolada” a serpente que repousa na base da coluna e quando ativada se ergue pelo canal da espinha ativando todos os chakras).

A serpente é um símbolo extremamente paradoxal, pois como espírito telúrico que é inimiga dos deuses e um demônio da terra, ela representa o instinto. Como o “animal mais espiritual imaginável” representa o espírito. Jung coloca a vida anímica como uma tensão entre dois pólos extremos, o par funcional instinto e arquétipo, que são os elementos do espírito. Ambos, arquétipo e instinto estão unidos no fluxo vital, inseparáveis. Este é o paradoxo representado pela serpente o instinto e o sentido espiritual do instinto.

No sonho em questão temos duas serpentes que perseguem a sonhadora num ambiente que remete a sua infância, a casa dos pais, lugar onde se está sob a influência psíquica das figuras parentais. Na infância todos nós vivemos em larga medida em um estado de identidade arcaica com nossos pais. O fenômeno da identidade arcaica, significa uma igualdade psicológica e é sempre um fenômeno inconsciente, e que é o fundamento da participation mystique, resíduo da primitiva indiferenciação psíquica entre sujeito e objeto. Logo do estado inconsciente primordial. Esse estado também caracteriza a primeira infância e o inconsciente do adulto civilizado. Este, na medida em que se não tiver tornado um conteúdo da consciência permanece preso a um estado de identidade com o objeto.

Isso significa que temos uma quase ilimitada mistura de nossa subjetividade na imagem que formamos do mundo. O termo arcaico é utilizado por Jung, pois essa é a condição original do homem, ou seja, um estado em que vemos e sentimos todos os processos psíquicos como algo exterior a nós mesmos. Bons e maus pensamentos são espíritos, afetos são deuses, estar apaixonado significa estar enfeitiçado e por aí vai. Projeções são socialmente perigosas, e terrivelmente perturbadoras, mas possuem um sentido e uma função. Existem certos processos inconscientes dos quais só podemos nos tornar conscientes através das projeções. Boa parte do trabalho analítico consiste em auto-conhecimento, pois não há transformação da personalidade sem auto-conhecimento, e isso significa, em termos psicológicos, a assimilação moral de certos conteúdos do inconsciente.

O fenômeno da projeção está associado à qualidade da nossa psique de se dissociar, pois aparentemente nossa psique é formada por vários complexos separados que se unem para formar uma individualidade. Além disso, ao se referir ao inconsciente, Jung reiteradas vezes afirma que “todo inconsciente é projetado”. Além das informações sensoriais que nos são transmitidas pelos sentidos, existem sempre influencias psicossomáticas internas que influenciam a maneira como experimentamos o mundo. Todavia, o fenômeno da projeção possui um escopo bem mais restrito, ele está relacionado ao fenômeno mais geral daquilo que Jung denominou de identidade arcaica. Só é considerada uma projeção, em termos junguianos, quando existe um sério distúrbio de adaptação. A interpretação dos sonhos é a assimilação de seus conteúdos pela consciência, com sua conseqüente ampliação, é uma das maneiras de “retirada de projeções”, da atuação compensatória ou complementar do inconsciente agir sobre o eu.

No sonho temos duas serpentes, mais especificamente duas najas de aspecto terrível. Há um paralelo interessante na mitologia grega no mito de Héracles (Hércules). Filho de Zeus e da mortal Alcmena, a mais bela mulher de seu tempo, Hércules foi fruto de uma artimanha de Zeus que assumiu a forma de Anfitrião (esposo de Alcmena) que havia saído para uma batalha. Depois que o deus deixou o leito, Anfitrião retornou e tomou uma segunda vez sua esposa naquela noite. Dessa noite nasceram duas crianças gêmeas, Hércules filho do deus e Íficlis, filho do mortal Anfitrião. Furiosa com a indiscrição de seu marido divino, Hera enviou duas serpentes para matar o menino recém nascido, mas o jovem Hércules as estrangulou com facilidade, enquanto Íficlis fugiu chorando. Hércules seria doravante perseguido por Hera que lançou sobre ele todo o tipo de armadilha, obstáculo ou desafio para matá-lo.

Hera, como símbolo do complexo materno negativo, na história de Hércules, sempre o perseguiu e atormentou, até sua morte. O complexo materno em si não é nada de anormal – Dante foi guiado até o paraíso por Beatrice, como uma figura materna. Ele significa uma estrutura interna de nossa alma que pode ser vivida de maneira positiva ou negativa. Os nossos instintos, não apenas a sexualidade, são os fundamentos vitais, as leis da vida de modo geral. A criança vive em um estado de semi-inconsciência, um estado de profunda identidade arcaica com seus pais, nesse sentido a criança parece ser incapaz de diferenciar seus próprios instintos da vontade de seus pais, pois sua consciência ainda é insipiente. A distinção, a capacidade de selecionar e excluir, de diferenciar é qualidade funcional da consciência por oposição ao inconsciente. A conseqüente incapacidade de discernimento faz com que os animais, que como discutimos anteriormente representam os instintos, sejam de maneira simultânea atributo dos pais e que os pais apareçam em formas de animais.

O inconsciente responde de maneiras compensatórias as disposições e atitudes da consciência. Por esse motivo, a maneira como essas figuras se apresentam dependem da atitude consciente. Uma atitude negativa para com o inconsciente gestará animais assustadores, uma atitude positiva engendrará o contrário, animais prestativos. Além desse fator, temos a atitude com relação aos pais. Uma atitude excessivamente carinhosa com os pais, dos quais estes participam de forma decisiva, é geralmente compensada com o surgimento de animais assustadores que correspondem aos pais.

Essas duas cobras possuem uma característica especial, elas latem como cães. Aqui nos deparamos com o igualmente rico simbolismo do cão e que reforça a ambigüidade e o aspecto paradoxal da imagem da serpente no sonho. Segundo Von Franz.

Na antiguidade o cão estava associado ao lado escuro da lua, ligado a deusa Selene (a lua). Assim como a Artemis, a deusa do nascimento, que levou Acteon a uma morte sangrenta e trágica, despedaçado por seus cães de caça devido ao mortal tê-la visto se banhar. Durante a noite, segunda as lendas, a deusa Hécate podia ser ouvida uivando como uma matilha de cães. Cerberus, o cão de três cabeças que guardava a entrada para o tártaro, era o filho de Echidna, a filha de Gaia (a terra) e Typhon, metade mulher metade serpente. Seus outros filhos eram a quimera, Scylla, a górgona (Medusa e suas irmãs Esteno e Euríali), o cão monstruoso do gigante Gerião, Ortro, que foi morto por Hércules. Foi com esse Cão Ortro que Echdina, em incestuoso coito, deu origem a Esfinge.

O cão aparece nos mistérios de Mitras, como um dos animais que salta sobre o touro moribundo, a morte de Mitras em sua forma de touro é um momento de grande fertilidade. Na época de maior calor do verão, quando as pragas ameaçavam se espalhar, cães eram sacrificados a Hécate. Isis, a deusa egípcia, cavalga sobre um cão. Kyon, o cão estava associado à gestação. O cão, no simbolismo mítico, pertence à deusa mãe.

O cão estava igualmente associado à Asclépius (deus da medicina, em seus templos praticava-se um ritual de levar o enfermo a sonhar para se recobrar de seus males) na antiguidade. No Egito, Anúbis o deus com cabeça de chacal auxiliou Ísis a recolher as partes do corpo esquartejado de Osíris, que foram encontradas, menos o seu falo que foi devorado por um peixe. No ritual funerário egípcio os cães participavam como sacerdotes de Anúbis (o guia dos mortos – psicopompo). Na Pérsia os cadáveres eram jogados aos cães como alimento. Igualmente, um cão era levado à cabeceira da cama de um moribundo para que ele o alimentasse, assim os cães poupariam seu corpo, assim como Hércules deu biscoitos de mel a Cérberus para atravessar para o mundo dos mortos. É freqüente existirem pequenas estátuas de cães em túmulos ou em lápides. Na mitologia Azteca um pequeno cão amarelo guiava os mortos em sua última jornada.

Para a análise desse sonho em particular é interessante notar que em algumas descrições de Cérberus em lugar de sua cauda ele possui uma serpente peçonhenta. O motivo do cão também está presente na filosofia gnóstica. O logos no Cristianismo também é representado por um cão, gentil para os que o aceitam e feroz contra seus inimigos. No simbolismo alquímico os cães indicam o início da transformação: são um símbolo da prima-materia. Mas, psicologicamente, o cão representa o contato humano ideal com seus instintos.

Temos aqui indicações importantes para analisar a imagem do sonho. A imagem de um sonho normalmente é uma representação simbólica do estado psicológico do sonhador naquele momento. As serpentes latem como cães, há um indicativo de que poderia haver a possibilidade de transformação através do confronto com o aspecto inconsciente e não desenvolvido do instinto na forma da serpente, indicando uma tendência a maior espiritualização, mas a consciência se recusa a participar desse processo, pois foge apavorada e se tranca na casinha.

A casa normalmente surge com símbolo do próprio corpo, e também como símbolo da personalidade e de suas possibilidades. Jung freqüentemente sonhava que descobria novos compartimentos em sua casa, todos mais antigos e remontando a eras passadas, muitas vezes áreas subterrâneas, indicando suas possibilidades de ampliação de sua personalidade através da exploração do inconsciente. A sonhadora está presa na casa de seus pais, ou seja, presa a um estado infantil. A libido não consegue progredir e se direcionar a outros objetivos, presa a identidade arcaica com os pais e a infância. Ela está trancada numa casa extremamente pequena, não tem acesso a casa maior ou ao quintal, lugar de lembranças prazerosas de usa infância. Sua personalidade torna-se restrita aquele espaço confinado, sua única possibilidade seria sair e enfrentar as cobras, mas isso não ocorre, o medo a paralisa.

O quadro desalentador de diminuição do escopo da personalidade empírica simboliza o que Jung chamou de perda de alma, quando boa parte da libido consciente se perde para a esfera dos complexos inconscientes, limitando a liberdade do eu em relação a esses complexos e tolhendo seu campo de ação. O sonho prefigura o estado de depressão pelo qual a sonhadora realmente passou, mas do qual felizmente se recuperou. A casa diminuta também está associada à morte e ao medo da morte. A possibilidade de transformação da personalidade muitas vezes é sentida pela personalidade consciente como algo terrível e simbolizada como morte (para posterior renascimento como aparece no simbolismo da serpente), ambos os animais são guia espirituais, mas encontram-se separados da sonhadora, que incapaz de assimilar moralmente sua mensagem, se tranca num espaço confinado e claustrofóbico.

A sonhadora relata também ter freqüentes sonhos em que está em meio à água suja, ou turva e que são imagens que trazem grande angústia. Tendo em mente sua associação com o afogamento, temos um forte indício da relação conflituosa com o inconsciente, o que leva a separação, ou cisão que acarreta a depressão, pois a atitude da consciência vai se tornando cada vez mais unilateral sem a possibilidade de renovação de vida trazida pelo diálogo com as forças obscuras da alma. Campbell usa a metáfora de que o místico “nada nas mesmas águas em que o neurótico se afoga”, aqui a atitude consciente para com o inconsciente é de fundamental importância. Lembrando que o simbolismo da água, como fonte e matriz de toda a vida, tanto na mitologia persa, quanto grega e Hindu, reforçam sua ligação com a esfera inconsciente. Lembrando as palavras de Heráclito: ψυχηισιν θάνατος ΰδωρ γενέσθαι, ΰδατι δε θάνατος γην γενέσθαι, εκ γης υδωρ γίνεται εξ ΰδατος δε ψυχή. “É mortal para a alma se tornar água, e é mortal para a água se tornar terra, água vem à existência saindo da terra e almas saídas da água”. Dito em termos psicológicos: o eu se origina das matrizes inconscientes por um processo de diferenciação, mas se identificar com elas, com a matriz inconsciente significa tornar-se indiferenciado, idêntico ao inconsciente, ao caos primevo, usando a dramática, porém precisa expressão do sábio de Éfeso: significa morte!

A assimilação moral dos conteúdos do inconsciente não significa identificar-se com eles, ou simplesmente compreendê-los. O temor dessa identificação, dessa morte anímica, paralisa e aprisiona a sonhadora. A sonhadora é dotada de grande capacidade intelectual e sólida formação acadêmica e humanística, sendo bem provável que ao se deparar com as amplificações objetivas do simbolismo de seu sonho fosse capaz de realizar o trabalho filológico e ao menos em parte, ter podido assimilar um pouco da mensagem do sonho evitando ou amenizando ao menos o sofrimento neurótico por que passou. Mesmo assim, para a compreensão ampla dessas imagens, a função sentimento é indispensável e nesse aspecto o início da transformação psicologia indicado pelo sonho seria uma irrupção da função inferior, o sentimento, o que seria sentido como um chamamento, possessão ou profunda desorientação, mas que levaria ao estabelecimento de uma personalidade mais ampla e bem ajustada, com o preço do sacrifício da função superior (pensamento) no caso do engajamento consciente no processo de individuação em seu estado mais avançado. O que em seus estados iniciais pode ser sentido como grande angústia.

O problema da relação da sonhadora com seus guias espirituais, seus dois animais xamânicos, pode ser compreendido também em termo míticos: a recusa ao chamado a aventura, o que leva a se viver na “terra devastada”. Aqui faz-se necessário uma profunda coragem para se abrir a influência do inconsciente e uma mudança de atitude em relação a ele para que a personalidade se abra a mudança. Toda vida humana se depara com obstáculos e sofrimento de muitos tipos, toda vida humana sem exceção. Campbell reforça que uma das funções do mito é a chamada função mística, a de nos ajudar a apresentar o sentido do assombro e mistério diante do universo. O mundo é um lugar terrível, uma grande bagunça onde vida se alimenta de vida, mas mesmo assim, esse aspecto do mito nos ensina que ele é a “lótus dourada da perfeição”. O mundo é o que é e sempre foi: uma grande bagunça, aceitar isso, em vários sistemas míticos, é o começo da verdadeira sabedoria. Conseguir enxergar Bhrama, a energia da consciência viva, cósmica e universal do qual somos meras manifestações em todos os fenômenos, mesmo naqueles que nos parecem desagradáveis ou brutais. O que significa que o mundo permanece o mesmo, mas nossa atitude em relação a ele muda. Importa menos os objetos, mas a forma de apetecer. O terror paralisante e o medo dão lugar ao sentimento de que tudo a nossa volta aponta para o transcendente, para Bhrama. Em nossa alma estão as sementes de nosso desenvolvimento e nosso destino, o plano que nosso espírito tem para nós e que se manifesta em nossas vidas, sem isso, sem o contato com esse espírito que nos envia os sonhos à noite nossa vida murcha.

Nenhuma mudança é fácil, no simbolismo da alquimia, uma das fases da transformação da prima-matéria é o nigredo, a putrefação, onde o velho deve ser dissolvido para que o novo possa surgir. Assim como está nas escrituras. “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará. Com efeito, de que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro, se se perde e se destrói a si mesmo?”.

Assim igualmente nas sagradas escrituras “Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer produz muito fruto. Quem ama a sua vida, perde-a; mas aquele que odeia a sua vida neste mundo, preservá-la-á para a vida eterna”. O sentido psicológico dessas passagens diz respeito à possibilidade de transformação que aludi aqui. Possível, mas não fácil, mas a via está aberta a todos que desejam com sinceridade trilhá-la.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

kung fu panda legends of awesomeness!!!!!




Ótima notícia para os fãs de desenhos animados, o sensacional Kung Fu Panda transformou-se em uma série televisiva. A animação é feita de maneira similar aos filmes, com computação gráfica, e os roteiros são mais leves e simples que os filmes, sem as nuanças psicológicas dos dois filmes, ou suas sutis referências ao budismo e aos milenares conhecimentos do Kung Fu. Mesmo assim essa nova série, além de extremamente divertida e engraçada, consegue de maneira suave transmitir boas mensagens, como o incentivo a leitura e a paciência no hilariante episódio em que Po estuda os pergaminhos do Kung Fu, para citar apenas um exemplo.

As historias se passam no período de tempo transcorrido entre o primeiro e o segundo filmes, e mostram a rotina de treinos e aventuras de Po como o "Dragon Warrrior". Vários novos personagens e vilões aparecem, alguns são recorrentes, como a desajeitada gangue de crocodilos ladrões, ou o Javali Dau Dai. A relação de Po com Shifu e os Cinco Furiosos é explorada e fonte de inúmeras piadas e situações interessantes. 

O primeiro vilão a aparecer na série é uma escorpião com poderes de controle da mente, as cenas de luta são boas, mas bastante inferiores aquelas mostradas nos filmes, e os personagens são representados de maneira bem mais caricata, mas mesmo assim vale a pena conferir e esse novo desenho é garantia de boas risadas.







quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Sobre a Morte

Recentemente, o pai de um amigo faleceu, e, como se trata de uma boa alma esse amigo, sua dor despertou a compaixão e preocupação daqueles que são próximos a ele. Certamente me incluo entre aqueles que foram tocados pela dor desse amigo, mas não sou muito bom em expressar meus sentimentos, a natureza, todavia, possui meios de compensar certas deficiências e, ao deitar a pena ao papel, consigo expressar de maneira menos tacanha aquilo que torna meu coração pesado.

O intuito desse escrito, no entanto, se traduz não apenas como uma maneira de confortar alguém que sofre, mas como uma reflexão sobre a morte e seus efeitos sobre nós, homens modernos. Cada um de nós, indivíduos singulares, vive uma vida individual, mas, não importa quem sejamos ou onde vivamos, todos sem exceção, temos de encarar a morte. Seja a morte de alguém que amamos e admiramos, ou a nossa própria finitude. Fatalmente estamos unidos como gênero humano na capacidade de sentirmos algo em relação a esse destino e de podermos refletir sobre nossa funesta sorte, até onde nos permite saber a nossa ciência, somos os únicos no universo a poder encarar a morte com consciência. Tragicamente, raramente o fazemos.

Quando soube do falecimento do pai desse amigo, entabulei uma rápida conversa que me chamou profundamente a atenção, justamente por expressar de maneira singela a atitude habitual que a maioria esmagadora de nós temos diante da morte. Assim ouvi “estranho isso, essa semana outros pais de outras pessoas próximas também morreram”, ao que eu retruquei “mas o estranho seria justamente se eles vivessem para sempre”, pouco depois, seguiu-se a seguinte afirmação, carregada de genuína compaixão, apesar de ingênua “não desejo isso para ninguém”, ao que retruquei “mas todos fatalmente passaremos por isso”. A morte é uma certeza inelutável, e triste não é aquele que perde um pai, mas quem nunca perdeu um pai, pois se assim é, é porque nunca teve um. Todos nós, que temos entes queridos, em algum momento os perderemos. Um filho que enterra um pai cumpre um desígnio natural e inevitável, o que não desejo a ninguém é a dor de enterrar um filho.

Certa feita, o mestre zen Sengai recebeu um pedido para escrever uma caligrafia auspiciosa, em resposta ele escreveu “pai morre, filho morre, neto morre”, isso gerou choque e espanto, e diante da estupefação do homem que lhe pediu para escrever a caligrafia auspiciosa Sengai respondeu “Isso é auspicioso. Se seus filhos morressem antes de você, ou seus netos morressem antes de seus filhos, você seria extremamente infeliz. Se as pessoas de sua família vivem geração após geração e morrem nessa ordem, o que pode ser mais auspicioso?”. Mesmo a morte sendo o destino de cada um de nós, procuramos viver esquecidos dela, fingindo para nós mesmos que a morte só acontece com os outros, ou que está sempre distante, vivemos na ilusão ingênua de que sempre temos tempo e nos esquecemos tragicamente que o único requisito para morrer é estar vivo. Mesmo assim, insistimos em afastar de nossa mente essa realidade, como algo funesto e de mau agouro, o que não nos ajuda a viver mais ou melhor, apenas nos torna míopes e despreparados para lidar com a vida.

Não existe nada sob o céu que realmente dure, tudo aquilo que acreditamos ser sólido, na realidade, é tão insubstancial quanto o tecido do sonho. Tudo é passageiro e impermanente, inclusive e principalmente nós mesmos. Ao tomarmos consciência desse fato elementar, somos levados a humildade, pois não importa quão bons ou belos sejamos, um dia morreremos. Ao tentarmos ingenuamente afastarmos de nossa vida toda a sombra, nos tornamos bi-dimensionais, a treva é a contraparte natural e inevitável da luz, ao afastarmos as trevas, ao ignorá-la, afastamos inadvertidamente a luz. A consciência da morte é, paradoxalmente, a consciência da vida e da maravilha de estar vivo. Essa consciência nos torna melhores, mais aptos a aceitar a vida, com aquilo de belo e horrendo que possui, e aproveitá-la. A morte de alguém amado é certamente uma tragédia, mas é algo para o qual estaríamos mais preparados se não insistíssemos em viver em auto-engano.

Conta-se que uma mulher chamada Kisa Gotami levou seu filho morto ao Buda e, em profundo desespero, pediu que ele o ressuscitasse. O Thatagata disse que realizaria esse milagre desde que ela lhe trouxesse uma semente de mostarda de uma casa onde a sombra da morte jamais tivesse passado. Por mais que procurasse, a mulher não encontrou um só lugar, uma só casa onde a morte não tivesse ceifado alguém, horas depois, ela retornou ao Buda e agradeceu, tomou novamente seu filho nos braços e o levou para ser enterrado. Essa dor não é uma dor individual, mas é uma dor que pertence a todos nós, ninguém está sozinho ao passar por essa situação, a perda de um ente querido. Isso não significa que não soframos, mas que podemos encarar essa dor sem desespero, com consciência e dignidade.

Meus pêsames Wilson, todos nós ficamos tristes e preocupado com você, e todos sem exceção desejamos o melhor para você e a sua família. Que seu pai descanse em paz, ele pode se unir aos justos com a certeza de que deixou para o mundo um bom filho e uma pessoa boa, ele pode, certamente, descansar em paz.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Best Anine Ever!

Resolvi fazer um posto com uma lista é um rápido comentário de alguns animes que considero simplesmente imperdíveis, que qualquer fã, ou qualquer um que queira se divertir deveria assistir.

Começo pelo melhor anime da década de 90, Cowboy Bebop, com a melhor de todas as trilhas sonoras, composta de vários Jazz e Blues, com visual baseado nas séries de TV da década de 70, ótimos personagens, ótima história e excelente animação:







Outro anime clássico é o filme de Katsuriho Otomo, Akira. Provavelmente uma dos melhores longas de animação já produzidos no Japão, para os fãs, é um filme obrigatório.





Macross é um anime que marcou a minha infância, antes mesmo de saber o que era um anime, ou da onda avassaladora de animações japonesas chegar realmente ao Brasil, ele passou nas manhãs de sábado na globo, ainda na década de 80 com o título de "robotec" assistia sempre, permanece como um clássico:





Dificilmente algum anime será tão divertido e inesquecível como o despretensioso Zillion, criado para ser apenas uma espécie de propaganda para uma pistola de brinquedo (que eu nunca tive) foi talvez um dos mais bacanas e viciantes animes de todos os tempos. Quem não se lembra do ousado e divertido JJ? Simplesmente sensacional!



Ainda na década de oitenta, os mais saudosistas se lembrarão do inesquecível Patrulha Estelar, outro dos animes que marcou a minha infância, principalmente por ser tão diferente dos desenhos animados idiotas da época, Patrulha Estelar era trágico, com personagens complexos e uma trama envolvente:




Um anime não tão antigo, mas certamente imperdível, é o filme Mononoke Hime, do genial Hayao Miyazaki, mais conhecido aqui no Brasil pelo filme laureado pelo oscar "A viagem de Chihiro", todavia, o meu preferido de sua lavra é "princesa mononoke":



domingo, 23 de outubro de 2011

A Realidade Psiquica

Esse texto foi escrito há cerca de dois anos, creio eu, durante o meu mestrado, especificamente para uma disciplina que, a época, era ministrada pelo meu orientador. Foi escrito por mim e por meu dileto amigo e parceiro de estudos Filipe Jesuíno. Meu estilo, desde então, mudou bastante, ou talvez, tenha se tornado mais "meu" e menos influenciado por outrem. O texto, todavia, já deixa antever, um pouco da maneira como prefiro escrever hoje, e contém uma pesquisa interessante de cunho epistêmico, por isso, o publico aqui. Do texto completo só omito as referências, não fiz qualquer alteração, logo, certas informações são "datadas", mas importa mais o próprio texto:

A Realidade Psíquica[1]


Heráclito Aragão Pinheiro
Licenciado em História pela UFC, mestre em Psicologia pela UFC.
Filipe de Menezes Jesuíno
Psicólogo e Mestre em Psicologia em UFC, Professor Assistente de Psicologia da UFC.


Uma vez, ao pôr do sol, Zhuangzi cochilava debaixo de uma árvore quando sonhou que havia se transformado numa borboleta. [...] E ficou confuso: era essa a magnífica borboleta que Zhuangzi havia sonhado, ou era essa borboleta que havia sonhado ser Zhuangzi? Talvez Zhuangzi fosse a borboleta! Ou talvez a borboleta fosse Zhuangzi? É esse o resultado da transformação das coisas.
(CAPPARELLI, 2007, p83)


O sonho do sábio chinês Zhuangzi, narrado acima, nos remete a uma pergunta, que apesar de freqüentemente sonegada, revela-se crucial para o estudo da alma[2]: o que é real? Jung respondeu a esta pergunta de maneira sucinta e elegante “aquilo que age, que atua, é real”. (JUNG, 1971, §742). Tal simplicidade, todavia, esconde sutilmente uma elaborada discussão epistemológica, um dos esteios fundamentais da teoria junguiana e de sua prática clínica, que entre si são inextrincáveis, e que justifica a escolha do mestre suíço por esta resposta tão singular para a questão que já atormentava Zhuangzi.
A resposta a esse questionamento é essencial para justificar epistemologicamente uma psicologia científica genuína e não algo que – para utilizar a expressão de Canguilhem – não passaria de “uma mistura de uma filosofia sem rigor, de uma ética sem exigências e de uma medicina sem controle”. (PENA, 1991, p.33). Entretanto, das numerosas e sérias objeções à cientificidade da psicologia, interessar-nos-á, de perto, o que asseverou Kant. Uma de suas principais objeções foi a de que não existiria uma psicologia matemática possível no sentido em que existe uma física matemática (p.37). Além disso, não seria possível uma psicologia experimental, como a química, pois não poderíamos efetuar experimentos sobre nós mesmos ou sobre os outros, isso só levaria à alienação. “Na perspectiva Kantiana, o eu, sujeito de todo julgamento, é uma função de organização da experiência mas do qual não pode haver uma ciência, de vez que ele é a condição de toda ciência”. (PENA, 1991, p.36).
Podemos resumir a objeção Kantiana a uma ciência do espírito em poucas palavras: tal ciência carece de objetividade! É curioso notar que as duas principais influências, ou, melhor dizendo, os principais pressupostos filosóficos de Jung, para a formulação de sua ciência, são justamente o romantismo alemão, e, a filosofia Kantiana. Jung não nega a objeção Kantiana, nem mesmo tenta desqualificá-la através de algum artifício lógico, mas, paradoxalmente, assume-a como uma das principais dificuldades epistemológicas e metodológicas enfrentadas pela psicologia moderna.
Parece-me, às vezes, que a psicologia ainda não compreendeu nem a proporção gigantesca de sua missão, nem a complexidade e desanimadora complicação da natureza de seu tema central: a própria psique. É como se mal estivéssemos acordando para essa realidade, com a madrugada ainda muito obscura para compreendermos perfeitamente o porquê da psique, constituindo-se no objeto da observação e do julgamento científicos, ser ao mesmo tempo o seu sujeito. A ameaça de um círculo tão espetacularmente vicioso tem-me levado a um extremo de relativismo e cuidado, quase sempre incompreendido. (JUNG, 1985, §6).
Em sua obra, Jung realiza um imenso esforço epistemológico para encontrar a tal objetividade negada por Kant, e que se liga à pergunta que serve de mote a esta discussão: o que é real?
A influência de Kant em Jung se faz sentir em uma de suas mais sábias escolhas metodológicas, a negação da metafísica, entendida por Jung como hipóstase dos conceitos. Tal negação não é, de modo algum, uma desqualificação, mas um crivo metodológico. Jung se entendeu cientista, e sua ciência da alma se interessa pelo símbolo[3] enquanto objeto de estudo privilegiado. As produções metafísicas, entendidas como simbólicas, são passíveis de estudo e discussão e não podem ser negligenciadas. O psicólogo, entretanto, não pode se valer, no desenvolvimento de sua teoria, de postulados metafísicos. Observamos esse crivo precisamente aplicado diante da resposta junguiana para a pergunta pela existência ou não de um Ser Supremo.
O conceito de Deus é simplesmente uma função psicoló­gica necessária, de natureza irracional, que absolutamente nada tem de ver com a questão da existência de Deus. O intelecto humano jamais encontrará uma resposta para esta questão. Muito menos pode haver qualquer prova da existência de Deus, o que, aliás, é supérfluo. A idéia de um ser todo-poderoso, divino, existe em toda parte. Quando não é consciente, é in­consciente, porque seu fundamento é arquetípico. (JUNG, 1987, §110).
Ou ainda, em outra passagem:
A figura de Deus é essencialmente uma imagem psíquica, um complexo de representações de natureza arquetípica, que a fé considera idêntico a um ens metafísico. A ciência não tem competência para julgar essa colocação. Ao contrário, ela precisa procurar sua explicação sem esta hipóstase. (JUNG, 1995, §95).
Tal crivo metodológico serve de indicação para entendermos a fundamentação epistemológica da realidade psíquica em Jung e para entendermos sua definição daquilo que é real. Outro problema herdado da tradição Kantiana também figura entre os pressupostos fundamentais de Jung, e se revela crucial para nosso entendimento. Trata-se da separação Kantiana entre númeno e fenômeno. Kant, em sua radical rejeição da noção tradicional de metafísica, nega a assim chamada intuição intelectual que nos daria acesso imediato a essência das coisas. Por definição, essas essências (ούσία) são o incondicionado, conhecê-lo diretamente seria justamente entrar em contato com essas essências, o que dessa forma, deixaria de ser incondicionado. Para Kant a intuição é sempre sensível, é o modo como os objetos se apresentam a nós no espaço e no tempo (precisamente as condições de possibilidade do sensível) o que podemos conhecer não é o “real” (das Ding an sich), mas sempre o real em relação com o sujeito do conhecimento. Distingue-se, assim, o mundo dos fenômenos – a realidade que experimentamos – do númeno, entendido como realidade em si mesma, a qual, apesar de podermos pensar, não podemos jamais conhecer. Daí sua famosa epistemologização da filosofia, e sua mudança do termo transcendente para transcendental, entendemos também sua famosa metáfora, presente no prefácio da segunda edição (1787) da Critica da Razão Pura, sobre sua revolução copernicana. Pois, diferente do que advogava a tradição filosófica até então (que o sujeito se orienta pelo objeto), Kant irá opor a concepção de que o objeto é determinado pelo sujeito[4].
Kant formula suas concepções em resposta as críticas céticas dos empiristas, especialmente a Hume, pois Kant afirma que os questionamentos de Hume o levaram a “despertar de seu sono dogmático”
Desde as tentativas de Locke e Leibniz, ou, mais ainda, desde a criação da metafísica, por mais longe que remonte a sua história, não houve acontecimento algum que fosse mais decisivo em relação ao destino dessa ciência do que ofensiva levada a efeito por David Hume contra ela. Ele não trouxe luz a esta espécie de conhecimento, mas despertou uma centelha, na qual se poderia ter acendido uma luz, se ele tivesse encontrado uma mecha inflamável, cujo ardor fosse cuidadosamente mantido e aumentado. (KANT, 1980, p.8)
Jung assume essa divisão fundamental, porém sua circunscrição desse fenômeno basilar se dá não em termos filosóficos, mas nos termos próprios de uma psicologia científica.
Percebemos apenas as imagens que são transmitidas indiretamente, através de um aparato nervoso complicado. Entre os terminais nervosos dos órgãos dos sentidos e a imagem que aparece na consciência se intercala um processo inconsciente que transforma o fato físico da luz, por ex., em uma “luz”-imagem. Sem este complicado processo inconsciente de transformação, a consciência é incapaz de perceber qualquer coisa material. (JUNG, 1986, §746).
Começa a se abrir a senda de compreensão para a singela frase de Jung que citamos logo de início, resposta simples e elegante “É real aquilo que atua”. (JUNG, 2000a, §353). Tal simplicidade, que se pode repetir simplesmente como jargão fácil, esconde os meandros dessa complexa teia de articulações epistêmicas, dédalo em que procuramos divisar o fio de Ariadne que nos leva de volta, após essa descida necessária as bases epistemológicas de Jung, verdadeira χατάβαση, contemplar uma vez mais a simplicidade e elegância de Jung com novos olhos. Em termos metodológicos, o inconsciente é tratado de maneira idêntica à “realidade externa”.
A consciência é como uma superfície ou película cobrindo a vasta área inconsciente, cuja extensão é desconhecida. Ignoramos a extensão do domínio do inconsciente pela simples razão de desconhecermos tudo a seu respeito. Não se pode dizer coisa alguma a respeito daquilo que nada se sabe... Quando dizemos “inconsciente” o que queremos sugerir é uma idéia a respeito de alguma coisa, mas o que conseguimos é apenas exprimir nossa ignorância a respeito de sua natureza... (JUNG, 1986, §746).
Perceba-se que há uma recusa persistente em se tratar da natureza do inconsciente. Mais adiante, nesse mesmo texto Jung alerta que tudo o que se fala a cerca do inconsciente trata-se, na realidade, de um “como se” (JUNG, 1986), condição metodológica crucial para se entender toda a sua obra. O que isso significa? Pensemos nessa delimitação metodológica no que concerne ao inconsciente, para facilitar, ao menos em parte, nossa compreensão. Tudo o que sabemos do Inconsciente é aquilo que nos chega à consciência. Em primeiro plano está a consciência, somente depois é que tratamos dos produtos da chamada alma inconsciente (de cuja natureza última nada sabemos, nem jamais saberemos) que se manifestam na consciência, mas que percebemos que não foram produzidos por ela, e que, em grande parte dos casos, se comportam com notável autonomia frente ao eu e parecem ser imunes a volição consciente. Não são, portanto, produtos arbitrários, mas formações autônomas alhures à consciência do eu. E que, como não sabemos de onde vem, e como chegamos à constatação de que não são produtos do arbítrio do eu, postulamos um inconsciente, que é, por definição, incognoscível.
Logo, estamos diante, de algo que poderíamos chamar, em um primeiro momento, de “duas” realidades, ambas, fundamentalmente, incognoscíveis. Ou seja, que não nos são imediatamente acessíveis, das quais não temos experiência direta, nem podemos almejar ter[5].
Teoricamente, é impossível dizer até onde vão os limites do campo da consciência , porque este pode estender-se de modo indeterminado. Empiricamente, porém, ele alcança sempre o seu limite, todas as vezes que toca no âmbito do desconhecido. Este desconhecido é constituído por tudo quanto ignoramos, por tudo aquilo que não possui qualquer relação com o eu enquanto centro da consciência. O desconhecido se divide em dois grupos: o concernente aos fatos exteriores que podemos atingir por meio dos sentidos, e o que concerne ao mundo interior que pode ser objeto de nossa experiência imediata. O primeiro grupo representa o desconhecido do mundo ambiente, e o segundo, o desconhecido do mundo interior. Chamamos de inconsciente a esse último campo. (JUNG, 1988, §2).
O eu vive entre dois grandes desconhecidos, o mundo exterior, e o mundo interior, que não lhe são imediatamente acessíveis e, em sua natureza última, são incognoscíveis. Mas em que mundo então vive o eu? Para Jung a resposta a essa pergunta é fundamental para o estudo da alma e para o estabelecimento do que ele chama de método empírico/fenomenológico. (JUNG, 1978). Lembremos, com referência à nossa discussão acerca das distinções Kantianas, que Kant elabora a sua crítica em resposta aos empiristas, discordando fundamentalmente das concepções de Hume (mas levando muito a sério suas críticas). Kant, que é um pressuposto epistemológico fundamental para Jung, se opõe à empiria. Como então Jung se declara empirista?
Devemos evitar sermos confundidos pelos termos, assim não compramos gato por lebre. A tradição empirista, que se desenvolveu prioritariamente no mundo anglo-saxão, e que tem seus inícios modernos com Bacon, mas que pode alegar antiguidade o bastante para possuir entre seus ancestrais alguém do quilate de um Aristóteles, possui como mote fundamental a célebre frase Nihil est in intellectu quod non antea fuerit in sensu. Sobre essa tradição Jung tece o seguinte comentário: “sob este aspecto, é 'real' tudo o que provém ou pelo menos parece provir direta ou indiretamente do mundo revelado pelos sentidos”. (1986, §742). Bem entendido, essa tradição empirista, possui certas características que divergem fundamentalmente da visão que Jung possui de realidade. Os empiristas, de um modo geral, rejeitam qualquer noção de idéias inatas ou de um conhecimento anterior à experiência ou independente desta. Rejeitam também quaisquer especulações metafísicas. Somente a experiência seria critério de validade, experiência esta entendida como experiência sensorial. Locke chega mesmo a propor a tese da mente como “tabula rasa”, que é marcada pela experiência.
Isso eleva a um conceito de realidade por demais estreito para podermos acreditar que Jung é um empirista desse tipo. Não obstante, vejamos o que Jung entende por experiência: “Creio, de fato, que não há experiência possível sem uma consideração reflexiva, porque a 'experiência' constitui um processo de assimilação, sem o qual não há compreensão alguma”. (1978, §2). Isso se deve a conceituação de Jung de realidade psíquica.
(...) aquilo que nos parece como uma realidade imediata consiste em imagens cuidadosamente elaboradas e que, por conseguinte, nós só vivemos diretamente em mundo de imagens. (JUNG, 1986, §746).
Vivemos, portanto, num mundo de elaboradas representações psíquicas, e não temos nenhum acesso direto ao mundo dito “material”, ou àquilo que chamamos de inconsciente. Sendo, ambos, incognoscíveis. A única realidade imediata é a realidade da alma, sendo esta a única a que temos acesso direto.
Longe, portanto, de ser um mundo material, esta realidade é um mundo psíquico, que só nos permite tirar conclusões indiretas e hipotéticas a cerca da verdadeira natureza da matéria. Só o psíquico possui uma realidade imediata, que abrange todas as formas do psíquico, inclusive as idéias e os pensamentos “irreais”, que não se referem a nada “exterior”. Podemos chamá-las de imaginação ou ilusão; isto não lhes tira nada de sua realidade. (...) Nossa tão decantada razão e nossa vontade desmedidamente superestimada às vezes são impotentes diante do pensamento “irreal”. (JUNG, 1986, §747).
A tentativa de derivar a alma do mundo físico, entendendo-a como mero epifenômeno da matéria ou de alguma secreção cerebral, ou de algum fenômeno bio-elétrico, esses sim vistos como “reais”, revelam a existência daquilo que Jung, acertadamente, chama de metafísica da matéria. Ora, tais fenômenos, aos quais nosso atual Zeitgeist dá mais crédito – o que demonstra uma preferência sentimental pelas explicações que se baseiam na “matéria”, seja ela entendida como um quimismo, um impulso eletro-químico, ou alguma região de uma topologia anatômica do cérebro – resvala no erro metodológico, ex exposistis, de apelar para um julgamento metafísico. A “matéria” é algo incognoscível, crer que dela se pode saber mais do que da alma, ou querer, de modo apressado, derivar uma da outra, não passa de especulação metafísica, com escasso valor científico, mas que alcança aplauso geral, devido à inclinação sentimental que desvaloriza a alma e coloca tal “matéria” como princípio primeiro, de cuja essência, esquece-se, nada se sabe. Desta forma, nesses argumentos, a noção de matéria encontra-se hipostasiada.
(...) se em nossos dias alguém sustentar que os fenômenos intelectuais e psíquicos se devem à atividade glandular, pode estar certo de que terá o aplauso e a veneração de seu auditório, ao passo que, se um outro pretendesse explicar o processo de decomposição atômica da matéria estelar como sendo uma emanação do espírito criador do mundo, este mesmo público simplesmente deploraria a anomalia intelectual do conferencista. E, no entanto, ambas as explicações são igualmente lógicas, igualmente metafísicas, igualmente arbitrárias e igualmente simbólicas. (JUNG, 1986, §652).
Sabemos como Jung entende a experiência, pelo já exposto. Logo, para ele, os dados da alma, sendo esta a nossa realidade imediata, são passíveis de um conhecimento empírico. Na realidade, todos os dados empíricos a que temos acesso, são mediados pela alma, logo, toda empiria passa pela realidade da alma. É nesse sentido, com um fundamento Kantiano, que Jung se diz empirista.
Aquilo de que trata a psicologia, é a única realidade imediata a que temos acesso. Um sonho, um devaneio, uma idéia obsessiva, são fatos reais. Que podem inclusive solapar a hierarquia dos complexos e colocar o complexo do eu de joelhos diante de sua autonomia e poder frente a consciência. “A idéia é psicologicamente verdadeira, na medida em que existe”.
Trata-se de um ponto de vista exclusivamente científico, isto é, tem como objetos certos fatos e dados da experiência. Em resumo: trata-se de acontecimentos concretos. Sua verdade é um fato e não uma apreciação. (JUNG, 1978, §4).
Mesmo a mais absurda e estapafúrdia das idéias, ou a ilusão mais empedernida, pode ser causa de profundo sofrimento, e se apresentarem invencíveis diante da consciência. Por mais que se diga a uma histérica, com toda a boa vontade e da maneira mais razoável, que seu corpo não apresenta nada de errado, que nada físico a aflige e por mais que ela seja capaz de compreender e, até mesmo, aceitar esse fato racionalmente, dificilmente esse sermão racionalista bastaria por si só para curá-la de seu sofrimento, pois “é real aquilo que atua”.
O inconsciente é tudo aquilo que sabemos ser psiquicamente real, mas que não é consciente. Trata-se de um conceito limítrofe, e negativo. Usamos esse conceito negativo para evitar um preconceito. Alguns o chamam de supraconsciente, outros de subconsciente, outros ainda falam de esfera divina ou base existencial. Nomes há aos milhares. Preferimos o termo inconsciente justamente porque não diz nada. Diz apenas que não é consciente, o que permanece um mistério. Não sabemos o que é. Sabemos apenas que há fenômenos psíquicos que se manifestam através de sonhos, gestos involuntários, lapsos da fala, alucinações ou fantasias que não são conscientes. (FRANZ & BOA, 1997, p.37).
Começamos essa breve explanação com uma história chinesa, pois bem, terminemos com outra, que expressa magnificamente aquilo que é o coração do problema que tentamos abordar, com mais precisão e beleza do que esse texto jamais poderia sonhar em expressar.
Um lenhador de Zheng viu um veado no campo e o matou com um tiro. Com medo de ser pego, ele escondeu o veado sob folhas de bananeira. E foi embora contente.
Pouco depois, ele se esqueceu do lugar onde tinha escondido o veado e pensou que o episódio tivesse sido um sonho. A caminho de casa, começou a conversar sozinho, falando alto sobre esse sonho. Quando falou mais uma vez, um carroceiro que vinha passando escutou suas palavras e imaginou onde o veado podia estar escondido. Logo encontrou o veado e o levou para casa.
Esse carroceiro falou para a sua mulher:
- O lenhador sonhou que tinha matado um veado e havia esquecido o lugar onde o tinha escondido. Eu então achei o veado. Nesse caso, o sonho deve ser verdadeiro.
Sua mulher disse:
-Existia de fato um lenhador? Ou você sonhou com um lenhador? Embora você tenha agora o veado, isso não significa que o sonho seja verdadeiro.
O carroceiro respondeu:
- Eu tenho o veado. Não me interessa qual dos sonhos é verdadeiro, o dele ou o meu, o veado é verdadeiro.
Acontece que o lenhador tinha ido para casa muito triste por ter perdido o veado.
Naquela noite ele teve um sonho. No seu sonho apareceu o carroceiro que o tinha escutado enquanto ele falava sozinho e que, no fim, havia encontrado o veado.
Na manhã seguinte, seguindo o seu sonho, ele achou esse homem e o veado. Levou então os dois ao juiz, esperando por uma sentença favorável, que possibilitasse a ele recuperar o veado.
O juiz disse:
-Primeiro o lenhador matou o veado, mas pensou que fosse um sonho. Depois ele sonhou que tinha matado o veado e acreditou que isso fosse real. Ele encontrou o carroceiro que vinha passando e pegou o veado real e, agora, acusa esse mesmo carroceiro, para recuperar seu veado. Como dizer que o carroceiro não pegou o veado do sonho de outro homem e sim do sonho do lenhador? Logo, o veado não é de ninguém. O veado está aqui e é real. Melhor dividí-lo entre os dois.
O juiz achou o caso muito difícil e apelou ao rei Zheng. Este, sorrindo, fez a seguinte observação:
-Bom, pelo jeito vão dizer que o juiz sonhou com a divisão do veado. Acho melhor esse caso ser levado ao conselheiro mor.
O rei Zhang mandou o caso para o conselheiro-mor. Não demorou muito e veio a resposta:
-Não sei dizer se esse caso é sobre sonho ou realidade. E apenas sábios como Huangdi e Confúcio podem diferenciar sonhos de realidade. Como os dois já morreram, recomendo que se siga a recomendação do juiz. (CAPPARELLI, 2007, p85).


[1] Artigo apresentado como requisito para aprovação na disciplina sintoma do corpo aos professores Ricardo L. L. Barrocas e Ana Lage.
[2] O termo psique, usualmente empregado para designar em português os fenômenos psíquicos, possui etimologia grega, Ψυχή, significando alma, vida, ou borboleta. Tanto Jung quanto Freud, em seus escritos, utilizaram em vernáculo alemão o termo Seele, ou Geist significando espírito (FREUD, 2004, p.91), utilizaremos o termo em vernáculo português mais próximo presente texto, e nossa escolha recai sobre o termo Alma.
[3] Para Jung, o termo símbolo possui um investimento teórico preciso: “Em minha concepção, o conceito de símbolo é bem distinto do simples conceito de sinal. O significado simbólico e semiótico são coisas bem diversas. (...) Todo produto psíquico que tiver sido por algum tempo a melhor expressão possível de um fato até então desconhecido ou apenas relativamente conhecido pode ser considerado um símbolo se aceitarmos que a expressão pretende designar o que é apenas pressentido e não está ainda claramente consciente. (...) Além disso, todo fenômeno psicológico é um símbolo, na suposição que enuncie ou signifique  algo mais e algo diferente que escape ao conhecimento atual”. (1991, §903).
[4] Marcondes, 2000 p.209
[5] A exceção de casos limites de experiência da estrutura, encontrados na experiência mística genuína, mas que por questões metodológicas e por fugirem do escopo desse trabalho não trataremos aqui.