terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Barbarie

A Alemanha, antes de guerra que matou criminosamente 6 milhões de judeus, havia produzido um Heidger, e dezenas de outros filósofos, havia produzido um Wagner na música e, mesmo assim a barbárie que o povo mais culto e educado da terra produziu naquele período foi um dos episódios mais nefastos da história humana. Toda a Europa era antissemita, o nazismo poderia ter surgido em qualquer parte, estamos sempre a um passo da barbarie. 

Mas o que significa a barbárie? Paradoxalmente é algo simples, um grupo numeroso de pessoas alimenta o preconceito afetivo de que determinadas coisas jamais acontecem a eles e seu círculo mais próximo e nutrem quimeras acerca de supostas qualidades que possuem e projetam todos os defeitos que realmente possuem, em abundância, em algum grupo: judeus, negros, bandidos, homossexuais; quando isso acontece, e é um fenômeno irracional e compulsivo, esse grupo passa a ser menos humano, na mesma medida em que essas pessoas passam a se julgar superiores. Assim, o destino desses que são inferiores, não importa, que morram, ou sumam são escória e não deveriam pertubar o mundo perfeito dos demais. Esse longo prolegômeno psicológico, serve para que eu possa falar da chacina horrenda e monstruosa que aconteceu em um presídio de nossa combalida nação. Uma vez mais, como de costume, me interessa mais a reação a tragédia. 

Circula já a notícia de que um membro do PMDB afirmou que deveriam acontecer ao menos uma chacina por semana, também tive o desprazer de ler na minha timeline um amigo argumentar que os que pereceram era bandidos incorrigíveis e mereceram seu destino funesto. Como sempre, o homem médio retorna aos preconceito do final do século XIX, ao bandido nato de Lombroso e a eugenia, que até mesmo o grande Galton chegou a defender. Qualquer um de nós, podemos comenter crimes, os maiores horrores, como auschwitz, assim como as mais fabulosas aquisições do espírito, como a filosofia de Heidger, surgem todas da alma. Heidger era nazista, e perseguiu seu mentor por ser judeu. Quando defendemos que essas pessoas mereceram um destino tão horrendo, que deveriam mesmo ser mortas, estamos, sem o saber, apertando o nó da corda que está em nosso pescoço. Estamos diante da barbárie, pois a bárbarie não vive no coração de outrem, mas no nosso. Eu lamento que as lições da história (nesse momento vemos como Cícero estava equivocado) de nada serviram. Estamos, meus amigos, parados diante do abismo, mas somos cegos a ele, o problema é que só podemos nos defender de um perigo do qual tenhamos consciência... Acordem! antes que seja tarde demais.

O Messianismo à brasileira

Fazia algum tempo que eu não esbarrava com um dos defensores de Jair Messias Bolsonaro, mas recentemente deparei com um nas redes sociais e o pomo da discórdia foi à tolice que vem sendo repetida de que Hitler e o nazismo eram um movimento de esquerda, mas não é disso que eu desejo tratar. Nosso regime presidencialista possui um traço personalista e messiânico muito forte, do qual nós de esquerda não podemos nos esquivar, visto Lula ter habilmente explorado isso e ter, até hoje, um papel simbólico muito significativo na vida de milhões. Todavia, por humano demasiado humano que seja essa característica, ela aponta para o quanto nossa política está ainda engatinhando. O quanto ainda somos infantis.

Bolsonaro é um político oportunista, na década de noventa ele possuía duas bandeiras apenas: porte de armas e pena de morte. Somente depois do advento de Marcos Feliciano ele embarcou no elemento que faltava ao seu perfil facistóide: a cruzada moralista. Sua figura é, no mínimo caricata, como era a de Hitler, seus ideias beiram o absurdo, assim como Hitler e, assim como o ditador nazista, ele é visto por seus seguidores como um salvador, um messias. Jung, ao analisar essa característica messiânica no povo alemão, ironicamente a comparou a algo característico do meu povo, os judeus, de quem, historicamente, o ocidente deve a ideia e mesmo o termo “messias”. De acordo com ele, judeus e alemães tinham em comum, como nação, um terrível complexo de inferioridade, inclusive por razões similares. Os judeus adquiriram seu complexo de inferioridade por fatores políticos e geográficos: viviam em uma região cercada de invasores pelos dois lados, depois de voltarem do primeiro exílio na Babilônia, Roma quase os extinguiu. A Alemanha padecia desse mesmo complexo de irmão mais novo, que chegou atrasado para festa, e desde a derrota na primeira guerra mundial ansiava por um messias que a salvasse. Hitler foi esse messias por ter vivido e expressado intensamente o inconsciente Alemão, o bárbaro germânico esmagado, mas não modificado pelo cristianismo.

Nós, enquanto nação, padecemos do mesmíssimo complexo de inferioridade, nosso complexo tem até mesmo um nome: “complexo de vira-latas”. O proverbial vira-latismo brasileiro se manifesta na rede mundial de computadores quando alguém critica os “brs”, quando nos julgamos piores em tudo e, uma das características mais marcantes da neurose, nós nos julgamos os únicos idiotas o bastante para sermos assim, uma espécie de soberba as avessas que nos aliena das demais nações, mas que é uma quimera. Não admira que abundem candidatos a salvador e pais da pátria, não admira que essa psicologia do fracassado, que almeja secretamente poder e prestígio tenha gestado algo tão feio quanto um Bolsonaro. Hoje se fala em pós-verdade, mas desde a virada do século, Jung com seu experimento de associação de palavras chegou à conclusão de que “importam menos os objetos e mais a maneira de apetecer”, o caráter irracional da idolatria aos messias: Juiz Moro, Collor de Melo, Bolsonaro etc., resiste a qualquer tentativa de objetivamente se analisar os fatos ou as características dessas pessoas, pois reside menos nos fatos objetivos concernentes a eles e muito mais na psicologia de seus seguidores. Trata-se de um fator irracional e terrivelmente preocupante. Estamos à beira do abismo, mas o abismo está em nós e suas trevas profundas lançam tentáculos negros no mundo e vemos essa sombra como salvação e não como perdição, pois estamos cegos. O poder e o desejo pelo poder nos cega e nos separa de nossos irmãos, somos uma nação cindida. A máxima psicológica de que “onde há poder não existe Eros” pode ser testemunhada diariamente em nosso meio. Olhar para Bolsonaro significa encarar o que de pior existe em nós: racismo, machismo, homofobia, intolerância, ignorância. A saída cristã de olhar para isso e negar tudo para num estalar de dedos sermos livres do pecado é psicologicamente impossível, pois quanto mais negarmos que somos homofóbicos, machistas, racistas e intolerantes mais esses demônios silenciosamente vão devorar a nossa alma. Precisamos ter clareza de que também temos um lado obscuro e feio, negá-lo só o fortalece, esquecê-lo ou resolver as coisas num passe de mágica gesta monstros como Bolsonaro. Só podemos nos defender de um perigo que conhecemos e reconhecer que esse horror grassa em nossa alma é a única maneira de combatê-lo. Não sejam ovelhas, não esperem por um pastor, junto do pastor vem um pesado cajado de ferro para punir os desobedientes.