segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Termos em Japonês usados em artes marciais

Meikyokaiden

em japonês é 免許皆伝(めんきょかいでん)significa proficiência completa, ou "ensino de todas as técnicas secretas". o kanji significa permitir, escapar, desculpar, evitar, o kanji significa permitir, autorizar, licenciar, também desculpar, perdoar e absolver. O Kanji (presente no kuji kiri, pronuncia-se kai) significa todas, tudo, a totalidade. por fim o kanji significa dizer, reportar, comunicar, transmitir, passar adiante. juntos possuem o significa exposto acima, de proficiência completa.

os dois kanjis
免許, também podem ser encontrados na seguinte palavra: 運転免許証(うんてんめんきょしょう), "carteira de motorista".

Normalmente é um certificado recebido por algum praticante que tenha aprendido e conseguido maestria em todas as técnicas de um determinado estilo, incluindo as técnicas que são mantidas como segredo da escola e ensinadas a poucos (atualmente poucas escolas mantém ensinamentos secretos), assim como os títulos de shihan e shidoshi, o menkiyokaiden é uma tradição anterior a adoção do uso de faixas como forma de graduação, que começou a ser utilizado no período do pós-guerra.


Shihan

Na Bujinkan se fala o tempo inteiro em Shihan, título conferido a pessoas com faixa preta e pelo menos 8 dans (creio eu), pois bem em japonês se escreve assim: 師範(しはん), significa "título de mestre", é uma palavra formada por dois kanjis: se pronuncia , e significa mestre, professor, modelo, exemplo, encontra-se na palavra 教師(きょうし), um sinônimo para sensei, e também em 師匠 (ししょう) que significa mestre. o segundo kanji (ハン) significa modelo, exemplo. seria algo como um "mestre exemplar".

Sensei: 先生(せんせい) literalmente professor, a não ser quando vc se apresenta como professor, nesse caso é mais educado dizer 教師(きょうし), o primeiro Kanji é lê-se セン ou さき e significa antes, anterior, prévio. o segundo Kanji é lê-se (são muitas leituras vou postar 3 apenas): セイ, ショウ, e significa vida. seria, literalmente algo como alguém que "nasceu antes" ou que "começou antes na vida", no sentido tanto de alguém mais velho e experiente, quanto o de alguém que começou algo antes de vc, logo sabe o bastante para lhe ensinar, que está apenas começando.


Senpai::

先輩(せんぱい) o primeiro Kanji é o mesmo de sensei, então não vou ficar me repetindo. o segundo, significa um colega, um companheiro, tendo o sentido semelhante ao de sensei, mas nesse caso é um aluno senior, um aluno mais antigo e/ou mais velho.



Kohai:

後輩 (こうはい), estudante mais novo; (ハイ, やから), significa colega, camarada,  後 (, コウ, のち, うし・ろ, あと, おく・れる) significa posterior, depois, ou atrás.



 


Daisho

 designa as duas espadas carregadas pelo samurais a katana e a wakizashi. em japonês se escreve 大小, literalmente significa "grande e pequeno", nada de mais, para algo com uma mítica tão grande quanto as espadas japonesas.

 


katana:

  (かたな), é a famosa espada japonesa, como é fácil, uma frase bacana: 刀は武士の魂です traduzindo "a katana é a alma do guerreiro".

 


Wakizashi

 a espada curta carregada pelos samurais, em japonês: 脇差し (わきざし). o primeiro kanji "" se lê: わき ou キョウ e significa "lado", o segundo , lê-se , , e significa "disparidade" "diferença". juntos dão nome a espada curta do daisho. pra mim não faz muito sentindo apenas pelo significado, talvez designem a espada curta devido a sua pronuncia ou algo que o valha.

 


Shuriken e Kunai.

 primeiro a shuriken, em japonês: 手裏剣 (しゅりけん), o primeiro Kanji é bem fácil te, mão, (uma curiosidade, normalmente quando se está decorando o hiragana costuma-se decorar o pelo significado de mão, pois na mão as linhas as vezes formam essa figura), o seguinte é , ou うら, significa reverso, ou por dentro, pelas costas, a o último é ken つるぎ ou ケン com o significado de espada ou faca, no pronúncia tsurugi, ele significa as espadas chinesas de ponta triangular que cortam dos dois lados, ainda hj usadas em rituais Shintô.

O outro, Kunai,
苦無 (くない) é composto por (esse tem um monte de leituras, mas basta essa ;) ) que significa trabalho duro, sofrimento, dor etce, o segundo , な・い, significa ausência, falta. bom, a kunai era uma ferramenta, não uma arma, talvez por facilitar certos trabalhos e ser muito prática fosse escrita dessa maneira, mas isso é especulação minha.


Kanji

漢字, é composto por dois caracteres, o primeiro significa um homem, ou um Han, identificava essa etnia chinesa, literalmente é "chinês", visto que a princípio os chineses consideravam os bárbaros como "não-pessoas". o segundo é que significa letra, escrita, caractere, como em 文字(もじ) - letra - logo Kanji significa "letra chinesa", "escrita chinesa" ou "caractere chinês"

kama - (foice)

Kusari - (corrente)

Kusarigama - 鎖鎌 (foice e corrente)

Bo - (bastão)

Hanbo - 半棒 (bastão curto, literalmente "meio bastão")

 

Ninja

忍者(にんじゃ), ele é uma palavra formada por dois Kanjis, o primeiro: se pronuncia ニン, しの・ぶ, しの・び, しの・ばせる. significa: suportar, resistir, aguentar, ter paciência, ser silencioso, se esconder. é formado pela junção de dois kanjis, o de baixo é , こころ, coração, o que fica acima é , やいば, que significa lâmina. uma imagem muito sugestiva.

O segundo,
, シャ ou もの, significa pessoa e normalmente se usa em profissões como médico, dentista ou cientista (医者 ,歯医者,科学者). abaixo mais algumas palavras relacionadas a ninja.

忍び(しのび)
- Shinobi
忍術(に
んじゅつ) - Ninjutsu
忍法(にんぽう)
- Ninpo

Lança:  em japonês é "" se pronuncia: ソウou やり, a arte de manejar a lança é: 槍術(そうじゅつ).

Armadura
, em japonês: "", pronuncia-se: ガイ, カイ ou よろい.

elmo,
"", トウ, , かぶと.

arco,
""; キュウ, ゆみ. "caminho do arco": "弓道(きゅうどう)"; "arco e flecha": "弓矢(ゆみや)"

samurai
: ,

bushido: 武士道, o caminho do guerreiro.

 


kunoichi

 na verdade não se escreve com kanji, mas sim com kanas de katakana, mesmo assim vejam o kanji para mulher: , agora como se escreve kunoichi em katakana (na verdade o primeiro é hiragana): くノ一, se você juntar os três, como em um quebra cabeça, formam o kanji . assim me ensinou meu amigo Hendrik e repasso a informação a vcs.

 

taijutsu: 体術(たいじゅつ), o primeiro kanji significa corpo, o segundo arte, técnica, logo, artes corporais, técnicas corporais.

jujutsu: 柔術(じゅうじゅつ), o primeiro significa suave, gentil, flexível, etc, o segundo é o mesmo de taijutsu com o mesmíssimo significado. só por curiosidade, judo: 柔道; karate: 空手(からて)

 

Kenpo: 剣法(けんぽう)- técnica de manusear a espada
Shinken - 真剣(しんけん) - literalmente "espada verdadeira", uma espada com corte.
Kendo - 剣道 ((けんどう) - litaralmente "o caminho da espada"
Kenjutsu - 剣術 (けんじゅつ) - literalmente "a arte da espada"
Iado - 居合道 (いあいどう) - literalmente "caminho do... caraca, esse é complicado de traduzir... aprendam japonês, fica sendo só o caminho de desembainhar"
Iaijutsu - 居合術 - já devem ter pego o espírito da coisa...

 


Dojo

道場(どうじょう), o primeiro kanji é (ドウ, トウ, みち), significa caminho, estrada, rua, curso, rota. o segundo é (ジョウ, ) significa lugar, campo, espaço, sala, ponto. numa tradução aproximada, poderíamos traduzir como "lugar do caminho". 



A influência de Charcot sobre a obra de Freud

Freud inicia sua carreira no laboratório de fisiologia de Ernest Brücke, a princípio comungando das crenças fisicalistas de seu professor. Palmer diz:
[...] ele ter tido seu primeiro treinamento científico em companhia dos materialistas médicos da chamada ‘escola de HelmHoltz’ (...). Seus objetivos foram notoriamente resumidos numa carta escrita por Bois-Reymond em 1842: ‘Brücke e eu fizemos o juramento solene de pôr em prática essa verdade: nenhuma força além das forças físico-químicas comuns age no organismo’. Freud, naturalmente se afastaria muito dessa tentativa de reduzir todos os fenômenos a categorias explicativas da física e da química. (2001, p.18).
É por influência de Brücke que Freud realiza a viagem que mudaria radicalmente sua vida e o curso de seus estudos, a viagem a Salpêtrière. Por essa época Charcot estava envolvido no debate acerca de uma série de querelas sobre os estudos psiquiátricos e, apesar de seu ponto de vista ser similar ao de Brücke, já diferia em pontos importantes. Por essa época, o último quartel do século dezenove, vários ramos da Psiquiatria defendiam que a histeria (entendida como “ataques histéricos” agudos com paroxismos de gestos involuntários, contorções do corpo, exclamações; ou sintomas crônicos como cegueira histérica mutismo e paralisia), decorria uma alteração anatômica no sistema nervoso, especialmente o cérebro, que seria a causa de toda essa sintomatologia aparentemente tão diversa. Charcot possuía uma tese que divergia da hipótese anatomopatológica, ele concordava que a histeria deveria estar associada a algum tipo de anomalia do sistema nervoso, não obstante, insistia que não havia qualquer tipo de alteração anatômica envolvida, portanto, estudos autópticos não levariam a qualquer descoberta nova nem elucidariam a natureza de tais distúrbios. (LEVIN, 1980).
Por todo o século XIX, debateu-se acaloradamente na medicina acadêmica acerca da utilidade relativa da Anatomia Patológica, que consistia em acompanhar os pacientes até a necropsia a fim de correlacionar os sintomas aos dados e alterações anatômicas. Em contrapartida a essa perspectiva, havia a Fisiologia que colocava um maior acento na experimentação laboratorial com cobaias animais com o fim de investigar os modos de funcionamento em vez da estrutura. Chegando-se mesmo a debates escolásticos como, por exemplo, o que seria mais próximo de um ser humano vivo: um ser humano morto ou um animal vivo? Em Paris, desde a revolução francesa, colocava-se maior acento à Anatomia Patológica. Foi em Paris que pela primeira vez a Psiquiatria se estabeleceu como especialidade separada, ipso facto, de Paris saíram os mais importantes compêndios acadêmicos de Psiquiatria, e sua ênfase na Anatomia Patológica dominou o cenário da Psiquiatria acadêmica européia durante a primeira metade dos anos oitocentos. (LEVIN, 1980).
A partir de 1840, a universidade de Viena, em claro contraste com as demais instituições de peso de língua germânica, adotou a tendência anatômica e também ficou estabelecida a Psiquiatria como disciplina universitária. Viena logo suplantou a importância de Paris e tornou-se o principal centro europeu de uma Psiquiatria de orientação ainda predominantemente anatômica. (LEVIN, 1980).
Durante essas décadas, o método patológico-anatômico logrou, de fato, esclarecer a natureza de numerosas doenças neurológicas e psiquiátricas, e sua eficácia justificou, em grande parte, a sua contínua hegemonia. Mas o seu próprio êxito acarretou, inevitavelmente, desafios e contestações a tal abordagem, pois na medida em que os estudos anatômicos removeram efetivamente síndromes da lista de doenças de patologia desconhecida, eles deixavam ficar nessa lista aquelas doenças que eram menos acessíveis à abordagem anatômica e que recebiam uma atenção crescente como enigmas ainda por resolver (LEVIN, 1980, p.13).
Em princípios da década de 1880, numerosos pesquisadores passaram a contestar a ênfase na pesquisa das estruturas anatômicas e a buscar outros tipos de enfoques. A histeria e as neuroses afins haviam resolutamente desafiado a pesquisa anatômica, o que resultou em inúmeras controvérsias e tentativas de ambos os lados de obter respostas satisfatórias. A teoria de Charcot caminhava nesse sentido, para ele a histeria tinha como etiologia anormalidades fisiológicas difusas no sistema nervoso central, e esses fatos não acarretavam mudanças estruturais. Charcot também propôs explicações psicológicas para diversos fenômenos histéricos.
 Existiram ainda, nos anos oitocentos, diversas concepções sobre a histeria. Para o fundador da Psiquiatria alemã, Wilhelm Griesinger (1817-1868) a histeria era uma “doença detestável”, que mesmo em seus casos mais suaves levaria a um grave comprometimento psíquico e que as pessoas acometidas desse mal seriam “seres insuportáveis para o meio em que vivem”. Benedict-Augustin Morel (1809-1873), médico francês, retoma em 1853 a descrição do caráter histérico na linha da desqualificação aberta por Griesinger, dizia ele sobre as histéricas: “se afogam nas mais bizarras suposições, as mais falsas, as mais ridículas e as mais injustas. Como o amor pela verdade não é uma virtude predominante de seu caráter, (...) enganam seus maridos, seus pais, seus amigos assim como seus padres confessores e seus médicos”. Para Charles Lasègue (1816-1883), alienista francês, os sintomas histéricos seriam completamente anômicos, sendo a histeria um fenômeno impalpável e caótico por natureza, seria impossível referir-se a uma tipificação do fenômeno, mesmo que meramente descritiva. Para Jules Falret (1824-1902), haveria cinco traços principais do caráter histérico: grande mobilidade dos estados psíquicos; o espírito de contradição e controvérsia; a duplicidade e a mentira; rapidez na produção de idéias, impulsos e atos; e o espírito sonhador e romanesco que levaria a fantasia a predominar sobre a vida real. Para Lasègue as histéricas seriam mais vaidosas e coquetes do que verdadeiramente ardentes e passionais, podendo chegar à “loucura raciocinante dos histéricos”: ninfomania, ciúme malsão e tirânico, sendo perversas na vingança. Paul Briquet (1796-1881), médico francês, confere dignidade à histeria e a considera uma doença a ser encarada com seriedade, seria uma doença das paixões devida “à existência, na mulher, dos sentimentos mais nobres e mais dignos de admiração. Sentimentos que somente ela é capaz de experimentar”. James Braid (1795-1860) criou o termo hipnose, e percebeu que através dela se podia reproduzir sintomas histéricos. Deve-se a ele a descoberta dos efeitos de sugestão no tratamento da histeria. Hyppolite Bernheim (1837-1919), da Escola de Nancy, era um ferrenho opositor de Charcot e afirmava que todas as manifestações de histeria não passavam de produto de sugestão. Joseph Babinsk (1857-1933), aluno de Charcot, sugere a mudança do nome histeria por pitiatismo, a histeria seria um mero “piti” curável pela persuasão. Em sua concepção a histeria não passaria de simulação, assim todo sujeito histérico não passaria de um simulador. (QUINET, 2005). Freud endossava o modelo fisiológico de Charcot, mas com ressalvas.
Acreditava que a anormalidade fisiológica era a fonte da vulnerabilidade da pessoa à neurose, e que essa anormalidade era também causa direta de certos sintomas histéricos específicos. Mas acreditava também que, em virtude do estado rudimentar da Neurofisiologia da época, a tentativa de realização de modelos orgânicos só poderia resultar em hipóteses altamente especulativas e inúteis. Portanto, preferiu concentrar-se na explicação daqueles sintomas que pareciam ser o produto de fatores psicológicos. Também se concentrou na resolução terapêutica dos sintomas histéricos. (LEVIN, 1980, p.14).
Por essa época Freud em concordância com Charcot e Brücke também não era partidário da perspectiva da Anatomia Patológica e planejou junto de Charcot suas pesquisas futuras baseada nessa crença, e já no limiar de uma pesquisa psicológica propriamente dita.
Antes de partir de Paris, examinei com o grande homem um plano para um estudo comparativo das paralisias histéricas e orgânicas. Desejava estabelecer a tese de que na histeria as paralisias e anestesias das várias partes do corpo se acham demarcadas de acordo com a idéia popular dos seus limites e não em conformidade com fatos anatômicos. Ele concordou com esse ponto de vista, mas foi fácil ver que na realidade não teve qualquer interesse especial em penetrar mais profundamente na psicologia das neuroses. Quando tudo já havia sido dito e feito, foi a partir da anatomia patológica que seu trabalho havia começado. (FREUD, 1976b, v.XX p.25)
Tratarei da relação entre Freud e Charcot, a quem o pai da Psicanálise freqüentemente se refere como “o grande homem”, de maneira mais detalhada adiante, por hora basta salientar que Freud impressionou-se sobremaneira com as teatrais apresentações de hipnose de Charcot, sua indução de fenômenos histéricos através do hipnotismo em pessoas sadias e a desconcertante afirmação de que havia homens histéricos.
O que mais me impressionou enquanto privei com Charcot foram suas últimas investigações acerca da histeria, algumas delas levadas a efeito sob meus próprios olhos. Ele provara, por exemplo, a autenticidade das manifestações histéricas e de sua obediência a leis (‘introite et hic dii sunt’) a ocorrência freqüente de histeria em homens, a produção de paralisias e contraturas histéricas por sugestão hipnótica e o fato de que tais produtos artificiais revelam, até em seus menores detalhes, as mesmas características que os acessos espontâneos, que eram muitas vezes provocados traumaticamente. (FREUD, 1976b, v.XX, p.24).
Esta última descoberta de Charcot, transmitida a Viena através de Freud, chocou sobremaneira o público médico, que por nenhum meio se deixou convencer da veracidade dessa descoberta francesa. De fato Freud queixou-se de “má recepção”.
Pessoas de autoridade, como o presidente (Bamberger, o médico), declararam que o que eu disse era inacreditável. Meynert desafiou-me a encontrar alguns casos em Viena semelhantes àqueles que eu descrevera e a apresentá-los perante a sociedade. Tentei fazê-lo; mas os médicos mais antigos, em cujos departamentos encontrei casos dessa natureza, recusaram-se a permitir-me observá-los ou a trabalhar neles. Um deles, velho cirurgião, na realidade irrompeu com a exclamação: ‘Mas, meu caro senhor, como pode dizer tal tolice? Hysteron (sic) significa o útero. Assim como pode um homem ser histérico?’ (FREUD, 1976b, v.XX, p.26).
Poucas das pessoas que travaram contato com Freud exerceram sobre ele uma influência tão profunda e duradoura quanto Jean Martin Charcot. Freud havia conseguido graças à intervenção de Brüke uma modesta bolsa de estudos para passar seis meses em Paris, sob a tutela de Charcot. Nesse período, Freud estava interessado em conseguir um meio de prover a sua subsistência para, finalmente, casar-se com sua noiva Martha Bernays. Apenas seis semanas após noivar Freud entrou para o hospital Geral de Viena, onde permaneceu por três anos. Foi em 1885 que ele requereu à faculdade a bolsa de viagem, por essa época, ainda esperava por sua indicação de Privatdozent no hospital. (GAY, 2004).
Charcot nascido em Paris e falecido em Morvan, França, alcançou fama no terreno da psiquiatria na França, na segunda metade do século XIX. Foi um dos maiores clínicos e professores de medicina da França e juntamente, com Guillaume Duchenne, o fundador da moderna neurologia. Era professor de Neuropatologia da Universidade de Paris, e diretor clínico do Salpêtrière. O nome desse hospital vem do fato de ter sido construído no local de uma antiga fábrica de pólvora, cujo componente principal é o salitre, em francês, salpêtre. O hospital foi primitivamente um albergue e orfanato, criado por édito real de 1656, para os mendigos da cidade, no qual as loucas mais agitadas ficavam acorrentadas até morrer. Somente no início do século XIX, a situação da seção de alienados mudou por obra do psiquiatra Philippe Pinel. Na segunda metade do século XIX, quando o Jean-Martin Charcot assumiu a responsabilidade por essa seção, Salpêtrière tornou-se um centro de estudos psiquiátricos mundialmente famoso.
Freud legou para a posteridade várias de suas impressões sobre Paris e o caráter dos franceses em sua abundante correspondência para sua noiva Martha. Era uma época de penúria para o jovem Freud, que dispunha de parcos recursos. Mesmo assim ele logo tratou de explorar a cidade e conhecer seus parques, jardins, praças e teatros. Encantou-se particularmente pelo Louvre e sua coleção de artefatos da antiguidade: estátuas gregas e egípcias, bustos de imperadores, baixos relevos egípcios (GAY, 2004).
Mas o mais importante é que, desde o começo, Freud ficou deslumbrado com Jean Martin Charcot. Por cerca de seis semanas, ele trabalhou no estudo microscópico de cérebros infantis no Laboratório Patológico de Charcot, na Salpêtrière (...) Mas a presença poderosa de Charcot afastou-o do microscópio e impeli-o a uma direção para a qual, conforme alguns sinais visíveis, já vinha se encaminhando: a psicologia. (GAY, 2004, p.60).
Charcot era um conferencista brilhante, sempre claro, teatral, tratando com grande seriedade os problemas que se propunha a discutir, mas, algumas vezes, apelando para o humor em seus argumentos. Charcot era muito franco em suas conferências, apresentando seu raciocínio com riqueza de detalhes e sem tentar escamotear suas dúvidas e incertezas. Pelo contrário, suas hesitações eram habilmente utilizadas em suas argumentações “como conferencista e defensor, Freud, que explorava habilmente suas próprias incertezas, procederia da mesma forma” (GAY, 2004). Freud também se impressionara vivamente com as demonstrações clínicas de Charcot ao diagnosticar doenças mentais. Esse aspecto do trabalho de Charcot lembrava a Freud o mito de Adão, que havia nomeado todos os animais. “Freud, o insuperável nomenclador que se comportaria como o Adão da psicanálise, neste e em muitos outros aspectos foi discípulo de Charcot.” (GAY, 2004). Não obstante, a maior das ousadias de Charcot e que causara viva impressão no espírito do jovem Freud, sem dúvida era o uso de que fazia da hipnose. Charcot a tinha resgatado das mãos dos curandeiros e charlatões, e com seus modos teatrais, demonstrava a cura ou indução de paralisias histéricas através de seu uso.
Segundo a escola de Charcot, a hipnose era definida como “uma condição mórbida artificialmente produzida – uma neurose”, com inegáveis componentes somáticos. Charcot também era defensor da idéia de que o estado hipnótico só poderia ser induzido em histéricos. Não obstante, havia na própria França, posicionamentos contrários ao de Charcot e seus seguidores, por exemplo, Hippolyte Bernheim advogava que a hipnose era uma mera questão de sugestão; ergo, qualquer um poderia ser eventualmente susceptível a ela (GAY, 2004). Freud, durante um certo tempo, inclinou-se a acreditar que a posição de Charcot acerca da hipnose era a mais acertada, mas em 1889, quando visitou Bernheim em Nancy para aprender mais sobre hipnose, considerou essa uma das experiências mais proveitosas de sua vida. Poder-se-ia dizer que o antigo ditado se aplicava a Freud: amicus Plato, sed magis amica veritas; bastaria trocar o nome Platão por Charcot.
Outros aspectos da postura de Charcot no que diz respeito à histeria assomam como influeências de fundamental importância para os desenvolvimentos posteriores a que as pesquisas e elucubrações de Freud o levariam.
Charcot era muito mais que um ator. Ao mesmo tempo luminar da medicina e celebridade social, gozando de um prestígio sem par, ele havia diagnosticado a histeria como uma verdadeira enfermidade, ao invés do refúgio de doentes imaginários. E mais, havia reconhecido que a histeria – ao contrário de todas as idéias tradicionais – aflige tanto os homens quanto as mulheres. (GAY, 2004, p.61).
A hipnose não era uma novidade para Freud, no ano de 1885, ainda estudante de medicina, já havia se convencido de que o estado hipnótico era um fenômeno autêntico, apesar da crença generalizada em contrário. Todavia, deveria ser alentador ver sua convicção respaldada pelo “grande homem”, epíteto que com freqüência utilizava para designar Charcot. Ex positis, fica claro o papel de relevo desempenhado pela hipnose nas pesquisas de Freud. Os aspectos dinâmicos do inconsciente encontraram comprovação através dos fenômenos induzidos através da sugestão hipnótica, os fatores etiológicos das neuroses também haviam sido prospectados por Freud através da recordação de lembranças esquecidas provocada artificialmente com o uso da hipnose; mesmo a práxis clínica de Freud, como propriamente psicanalítica, surge quando ele se emancipa da hipnose e, como vimos acima no caso de Frau Moser, ele chega à técnica de associação livre. Não apenas isso, mas o rapport hipnótico, a capacidade do magnetismo do hipnotizador de estabelecer uma relação com seu paciente a fim de colocá-lo em transe, foi posteriormente identificado por Freud como o fenômeno da transferência (Übertragung), que viria a se tornar uma poderosa ferramenta terapêutica no arsenal psicanalítico. Freud pôde presenciar isso em primeira mão através das reações dos pacientes de Charcot, ocorridas durante e depois da hipnose.
Nas palavras de Pierre Janet, o aluno mais famoso de Charcot, eles desenvolviam uma “paixão magnética” pelo hipnotizador – um sentimento de amor, seja de caráter filial, maternal ou puramente erótico. Freud descobriu não muito tempo depois que essa paixão tinha seu lado inconveniente; num dia surpreendente em Viena, uma de suas primeiras pacientes, tendo se libertado das dores histéricas depois de uma sessão de hipnótica, lançou seus braços ao pescoço de quem a curara. Essa experiência embaraçosa, rememorou Freud, deu-lhe a pista para o “elemento místico” oculto na hipnose. Mais tarde, ele identificaria esse elemento como um exemplo de transferência e viria a empregá-lo como poderoso instrumento de técnica psicanalítica. (GAY, 2004, p.61).
Charcot fora para Freud, assim como Bürke antes dele, um modelo, uma importante figura paterna que reunia em si qualidades que seriam absorvidas por ele de diversas maneiras. Com o tempo, Charcot passou a devotar a ele uma atenção particular, e Freud passou a freqüentar seu círculo mais próximo no Salpêtrière, e a freqüentar eventos sociais em sua mansão. Tamanha foi a impressão deixada por Charcot em Freud, que um de seus filhos foi batizado com o nome de Jean Martin, assim como anos antes, havia batizado um de seus filhos de Ernst em homenagem a Brüke.
O que mais interessava a Freud era que seu modelo se dispunha claramente a levar a sério o comportamento bizarro de seus pacientes, aprestando-se também a alimentar estranhas hipóteses. Ao dar a mais cuidadosa e percuciente atenção a seu material humano, Charcot era um artista e, segundo ele mesmo, um visuel – “um homem que vê”. Confiando no que via, ele defendia a prática acima da teoria; uma observação que fez em dada ocasião imprimiu-se com ferro ardente na mente de Freud: La théorie, c’est bom, mais ça n’empêche pás d’exister. (GAY, 2004, p.62).
Em sua viagem a França, Freud aprendeu algo extremamente valioso, e que poucos de seus pares sabiam: devia-se levar a sério os sintomas das histéricas! Eis a fabulosa lição de Charcot, aprendida por Freud, não tanto pela força dos argumentos de Charcot, mas pela força de sua personalidade, pela influência de sua grandeza como pesquisador, seu carisma, seu rapport para com o jovem Freud. Charcot também lhe mostrou mais algumas coisas bem úteis, reforçou em seu espírito o valor da hipnose, algo que Breuer já lhe mostrara. Seus pares médicos de língua alemã, a exemplo de Maynert, desconfiavam da hipnose e a relegavam ao rol das atrações circenses e à prática dos embusteiros. Outra barreira foi rompida com o encontro com Charcot: também homens podiam apresentar os sintomas de histeria. O primeiro passo para aquilo que Freud formularia anos depois.
Se acreditamos que as neuroses não diferem, em qualquer aspecto essencial, do normal, o seu estudo promete render valiosas contribuições para o conhecimento do normal. (Freud, 1975, v.XXIII, p.212).
O rigor com que Charcot tratava os dados empíricos advindos de seus pacientes levou Freud a logo se afastar ligeiramente das concepções do grande homem, para se manter fiel ao seu exemplo. Para Charcot, apenas os histéricos poderiam sob a influência da hipnose desenvolver os sintomas característicos dessa doença, para ele a sugestão possuía um papel pequeno. Freud logo veio a seguir uma senda um pouco diferente, cum grano salis qualquer um podia, sob o efeito da hipnose, desenvolver as anestesias e paralisias típicas da histeria. Em seu retorno a Viena, e ao convívio com Breuer, ele não tardou em experimentar por si mesmo a “talking cure”, como havia Anna O., batizado o método catártico. Palavras proféticas da jovem histérica. Com o tempo Freud “transformaria” o método de Breuer numa genuína “cura pela fala”. Ainda tendo como principal ferramenta de seu arsenal terapêutico, a hipnose, Freud a utilizou de maneira inusitada. Ao invés de apenas utilizar de sugestão para suprimir os sintomas, ele prospectava as reminiscências de suas pacientes para saciar sua curiosidade de pesquisador. Em meio às águas barrentas e turvas que eram as almas atormentadas de suas pacientes ele achou ouro.



domingo, 27 de fevereiro de 2011

Reflexões

Normalmente escrevo sobre temas como mitologia, ou filosofia e psicologia, de vez em quando sobre algum filme bacana que eu tenha visto, mas até o momento não escrevi nada sobre a minha vida ou meus próprios problemas. Creio que já comentei sobre minha professora de budismo tibetano e sua atitude diante das minhas respostas repletas de citações e clichês, sempre insistindo em que eu falasse do que se passa comigo, ou do que eu penso, e não do que Jung ou Campbell pensam sobre aquilo que ela estava perguntando. Isso me levou a perceber como é difícil para eu expor os meus sentimentos, ou mesmo externar meus dilemas e as minhas reflexões. Desde que levei esses pitos, tenho tentado alterar essa situação, mas não é nada fácil, não é simples como parece parar por um momento e olhar sem preconceitos para a própria vida. Para um tipo intelectual como eu isso normalmente acaba levando a todo tipo de sentimentalismo desprovido de qualquer valor. Todavia, é um exercício necessário.

Além disso, para as pessoas ligadas às letras, a escrita acaba por adquirir em certos momentos uma função catártica, escrever ajuda a aliviar certas tensões que talvez não se dissipassem de outras maneiras. Bem, ao menos comigo as coisas funcionam assim, mas não é só isso. A palavra escrita possui certas qualidades que a tornam muito especial, não à toa em tantas sociedades à escrita é sagrada ou mágica. Há certas coisas que adquirem seu real sentido quando escritas e não quando ditas. Tenho certa dificuldade para me expressar através da fala, para aqueles que me conhecem isso pode parecer uma lorota, pois normalmente sou bem eloqüente, mas como reparou a minha professora de budismo, quando é para dizer às coisas que realmente importam a minha extroversão claudica.

Vejam esse texto, por exemplo, dois parágrafos e ainda nem comecei a falar do que me aflige, apenas justificando a minha necessidade de escrever. É interessante notar que sempre fiz troça das pessoas que falavam de si mesmas em público, costumava até mesmo usar o termo pejorativo “strip-tease psíquico”, numa clara projeção sombria. Aquelas pessoas que me pareciam tão tolas estavam me mostrando justamente um dos meus calcanhares de Aquiles. Pois bem, o fato é que venho passando por dificuldades em minha vida, grande impasses e tremendo paradoxos, o que é perfeitamente normal, já dizia o Buda “viver é sofrer”. Mesmo assim, mesmo tentando encarar a vida de maneira afirmativa, tentando ver mesmo nesses aspectos terríveis a face daquilo que nos transcende, a consciência viva, cósmica e universal da qual somos todos manifestações, é difícil não sofrer terrívelmente com todos esses impasses e problemas.

Confesso que o sofrimento em si não é um incômodo tão grande, por algum motivo desde cedo desenvolvi uma personalidade bastante estóica. Creio que o que me incomoda é a tentativa de sempre tentar extrair algum sentido dessa bagunça tremenda que é a vida. Talvez porque a vida em si mesma seja desprovida de qualquer sentido, a não ser daquele que conseguimos imbuí-la. Meus dissabores atuais vêm principalmente de ter de lidar cada vez mais com muitas pessoas. Engraçado, antes o meu sofrimento advinha de me sentir isolado, veja você. Todavia, creio que o fato de se estar lidando cotidianamente com muitas pessoas não significa que não se esteja isolado. Estabelecer uma conexão humana genuína com outra pessoa é algo dificílimo. É possível estar cercado o tempo inteiro por um monte de pessoas e estar completamente só.

Também é difícil “seguir a própria bem aventurança”, para usar a expressão de Campbell, lá vem as minhas citações novamente, mas fazer o quê. No prefácio do seu símbolos da transformação, Jung relata sofrimento similar, ele estava seguindo sua voz interior, mas seus pares viam apenas “um maluco as carreiras”. Seguir essa voz interior é algo difícil, quando se tenta estabelecer sua própria bússola moral você se torna um sujeitinho inconveniente ou no mínimo estranho. Essa voz interior, esse daimonion, o leva a fazer o que é “certo” não o que é conveniente. O que leva as pessoas a verem você apenas como um sujeito bem inadequado socialmente. Afinal, todos possuem expectativas e planos para você, o tempo todo, mas a sua aventura é única e somente sua e precisa ser descoberta, do contrário se vive na “terra devastada”.

Vivi nesse lugar por um bom tempo, sei bem reconhecer suas fronteiras e sua paisagem tão peculiar. O local onde começa sua aventura, aquilo que o define como ser humano singular, é sempre a parte mais escura, assustadora e inóspita da floresta, é ali que aguarda o chamado a aventura. Ouvimos esse chamado muitas vezes, mas o mais fácil é recusar a partida, pois esse chamado a aventura leva a uma partida para somente depois de grandes perigos e sofrimentos se chegar a uma reconciliação com a sociedade e as pessoas que se “deixou para trás”, pois você retorna com o “tesouro” dessa jornada. O certo é que, seguir o meu daimonion tem me custado uma boa dose de grandes problemas, toda aventura possui uma caverna escura e um dragão a ser abatido. É difícil escapar “da tirania das vozes razoáveis”, expressão que vi numa revista do Thor. Essa frase foi dita por um senhor, um sujeito normal sem poderes. “os erros que você comete sempre pode tentar corrigi-los, os erros que você não comete, por que você não faz nada, não tenta ou não se arrisca, são esses que vão te assombrar quando ficar velho. O que realmente mata é o arrependimento”.

Para seguir o próprio coração é preciso enfrentar a “tirania das vozes razoáveis” ou corre-se o risco de viver uma vida que não é genuína, mas isso não é nada fácil, não mesmo. Nesse momento a minha vida lembra muito as simplegades, as duas imensas rochas em colisão que Ulysses teve que atravessar com o seu frágil barco, uma situação de uma adversidade aparentemente intransponível. Porém, o destino de simplesmente permanecer imóvel, de fazer ouvidos mocos ao meu próprio coração é pior do que o de ser esmagado.
Já “tagarelei” um monte, e quase nenhuma vírgula desse texto fala de maneira direta sobre os meus problemas, creio que esse fato seja um deles. Falar, “abrir o flanco” é difícil, mas sem isso, sem a confiança para num ato de fé se atirar ao abismo sem saber se é possível chegar ao outro lado, não se pode ter uma relação humana genuína. Nossos erros e fraquezas nos definem como seres humanos, a perfeição é algo monstruoso, inumano, nossa compaixão é despertada pelos defeitos e imperfeições. Se estamos o tempo inteiro ocultando isso, nos mantendo a distância, nos privamos do contato genuíno com outros seres humanos. O grande problema, a questão crucial, é saber dosar isso com o cuidado que devemos ter ao viver em sociedade. Infelizmente, ou felizmente, estamos cercados por pessoas que mereceriam um belo cruzado no queixo, mas novamente o dilema, mesmo aí está à presença do altíssimo.

Cá estou eu, de madrugada tentando sem sucesso falar do que me aflige, preso entre as rochas em choque do medo e desejo, os pares de opostos que engendram o mundo. Talvez eu devesse estar exultante ao invés de triste, a vida se apresenta a mim em toda a sua maravilha e horror, diante dessas rochas que ameaçam me esmagar, me resta encarar o mundo e a vida com paciência e compaixão, e esperar que minhas ações não façam grandes estragos por aí e que, no fim das contas, quando o véu da noite da minha vida se fechar sobre mim, tenha poucos arrependimentos a me assombrar.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Aborto

Não pretendo falar sobre o aborto, ou mesmo advogar em favor ou contra essa prática, tão pouco expressar as minhas opiniões pessoais sobre esse tema. O que me motiva a escrever sobre o aborto é tentar esclarecer os motivos dessa discussão ser tão espinhosa e difícil quando a religião dá a sua colherada. Normalmente aqueles que são radicalmente contrários ao aborto pertencem a alguma designação religiosa, sejam cristãos católicos ou protestantes ou mesmo alguma outra. Há um motivo para isso ser dessa maneira, mas creio que poucas pessoas atentam para esse motivo.

Para utilizar a definição de Campbell, religião é mitologia mal compreendida, tendo isso em mente, é preciso lembrar que a mitologia possui quatro funções: a mística, a cosmológica, a sociológica e a psicológica. Para compreendermos toda a confusão causada pela discussão do aborto em nossa sociedade laica quando os religiosos resolvem expor seus pontos de vista é preciso compreender com clareza a função sociológica do mito.

Em nossa sociedade moderna, o mito perdeu (para a maioria) as funções cosmológica e sociológica. Hoje a moralidade é encarada como algo pertencente à esfera humana, algo que nós meros mortais podemos julgar, e não mais como uma verdade imutável revelada por alguma divindade. Nossa sociedade passa por tremendas mudanças em curtos períodos de tempo, e quando mudam as circunstâncias a ordem moral se modifica. Não é preciso recuar muito no tempo, basta que qualquer um de nós tente se recordar de como eram as coisas dez anos atrás e de como são hoje. A moral sexual, por exemplo, sofreu mudanças radicais em um tempo muito curto. Muita coisa que tínhamos como certas há alguns anos hoje são vistas como erradas. Me recordo com clareza de, ainda menino, ter ouvido um senhor que era ascensorista em um elevador que estava tomando se queixar de como quando ele era jovem pratos como mão de vaca e outras coisas bem gordurosas eram tidas como saudáveis e agora eram vistos como verdadeiros venenos para o coração.

Todavia, as coisas nem sempre foram assim, na verdade, por quase toda a história da humanidade as coisas foram bem diferentes. A função cosmológica e a função sociológica estão vinculadas, a primeira permite que, através do mito, formulemos uma imagem do próprio universo, que é a ordem da matemática do cosmos com seus ciclos inalteráveis. A função sociológica do mito visa vincular a sociedade a esses ciclos eternos e vincular o indivíduo a sociedade. Essa idéia, de uma grande ordem cósmica impessoal, da qual mesmo os deuses não passam de meras manifestações, não está presente nos mitos das sociedades primitivas. Essa idéia surge na cidade hierática mesopotâmica, quando algumas pessoas passaram a olhar para os céus e perceber um padrão, sejam os ciclos lunares, a distribuição das estações, a sucessão dos dias e das noites, as estrelas fixas e tudo isso que podemos perceber ao olhar para o céu com tempo e paciência o bastante.

Uma imagem cosmológica permite ao indivíduo reconciliar sua vida com a própria consciência e com a expectativa de que haja um significado para o cosmos que nos rodeia, que haja algum sentido para toda a luta, sofrimento e problemas que é a vida em meio esse nosso mundo tão complicado. Quando o mito proporciona uma imagem como essa do cosmos, ele também passa a vincular a sociedade a essa imagem significativa do universo. A função sociológica visa preservar e validar um certo sistema social, ou seja, um conjunto de valores, de moral, que nos diz com clareza que para determinada sociedade algo é certo ou errado. Numa sociedade tradicional essas noções de ordenação social, lei, ética e moral, pertencem ao âmbito da ordem cosmológica. Assim como as leis do cosmos são primordiais, universais e inquestionáveis, assim também é a ordem social primordial, universal e inquestionável. As leis sociais, amparadas pelo mito, têm a mesma validade que as leis do universo.

Um dos exemplos mais bem acabados disso pode ser encontrado na tradição judaica, com Moisés descendo do Monte Sinai com as tábuas das leias, um presente vindo diretamente de Deus. É muito significativo que essas leis tenham sido escritas em pedras, quando queremos nos referir a algo que pode mudar dizemos “não está escrito em pedra”, pois bem, as leis de Deus estão. As leis do universo e as leis sociais provêm ambas da mesma fonte. Assim como Deus ordenou o universo e fez os dias seguirem as noites e colocou a lua e seus ciclos no céu, também ordenou a sociedade humana. Essas leis não podem ser refutadas, elas são isentas de críticas, da mesma maneira que as leis do cosmo. Ninguém pode um dia pensar “nossa, é chato que as coisas arremessadas para o alto sempre voltem para a terra aqui em baixo, devíamos mudar isso!”, numa ordem social tradicional baseada num mito é igualmente impossível pensar “sabe, as coisas mudaram, devíamos tratar as mulheres de maneira diferente”, bem, não pode ser, pois a moral é algo dado, revelado, e a não ser que Deus se manifestasse novamente sobre o cume de alguma montanha as coisas permanecem como estão.

Eis o nosso dilema, em nossa sociedade o mito perdeu essas duas funções, a cosmológica e a sociológica, temos leis que podem ser mudadas quando a sociedade muda. Basta ver, por exemplo, o caso do divórcio. Todavia, a igreja está presa as noções de moralidade e ética de três mil anos atrás, e isso leva a todo tipo de confusão. É claro que não se pode simplesmente descartar a bíblia, não é esse o caso, pois existem aspectos da existência humana que realmente são bastante estáveis, é o que concerne a função psicológica do mito, mas nossa sociedade e suas leis são muito diferentes daquelas dos levantinos de milhares de anos atrás, bem como nossa imagem do cosmos, fornecida hoje não mais pelo mito, mas pela ciência. Mas aqueles que são realmente vinculados a essas velhas e grandiosas imagens, não podem simplesmente acreditar apenas naquilo que lhes é conveniente, principalmente quando se cai no erro de insistir na historicidade desses símbolos.

Isso leva a um impasse terrível, não apenas quanto ao aborto, mesmo algo razoavelmente banal, como o uso de contraceptivos, acaba caindo nessa situação em que tudo fica empacado. Creio que o aborto seja o exemplo atual mais dramático dessa situação paradoxal. Mesmo grandes nomes da tradição filosófica ocidental, como Kant, se aperceberam de que uma ordem moral precisa de uma justificativa metafísica para se manter, sem isso é preciso um estado que exerça forte coerção sobre o indivíduo ou uma capacidade incomum de reflexão e autoconsciência por parte das pessoas. Logo, para os representantes das igrejas, nenhum argumento atual é válido para justificar o aborto, não importa o quão atuais e coerentes sejam esses argumentos, pois eles provêm dos homens, enquanto que seus argumentos, por mais que nos soem anacrônicos, são tão inquestionáveis e universais quanto os ciclos lunares.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Seth Rogen e O Besouro Verde

Ontem finalmente assisti ao remake cinematográfico O Besouro Verde (The Green Hornet), e é preciso que se diga que Seth Rogen e Evan Goldberg, os roteiristas, são uma dupla de gênios. O roteiro é excelente, com diálogos rápidos, afiados e inteligentes. O humor varia da extrema sutileza ao pastelão e a mistura de comédia e ação é perfeita. Seth Rogens está impagável como Britt Reid aka Besouro Verde e Jay Chou convence como Kato.

O filme também é repleto de referências divertidas, ao dar uma espiada no caderno de desenhos de Kato, Reid se depara com um desenho de Bruce Lee (o Kato da série de TV), e em uma das cenas de luta Kato aplica o “soco de uma polegada”, golpe de Wing Chun que se tornou famoso graças a Bruce Lee, e é claro que Kato não poderia deixar de usar a marca registrada de Bruce Lee: nunchakus.

A sacada mais genial do roteiro é fazer piada com o absurdo de um super herói que realmente não passa de um playboy bêbado e que depende de seu parceiro que faz tudo. Essa situação é explorada para criar uma “tensão cômica” entre os dois protagonistas e rende algumas da melhores piadas do roteiro. Seth Rogens aproveita para virar de cabeça para baixo os melhores clichês do gênero de heróis, diferente de Batman que finge ser um playboy irresponsável e mulherengo, Britt Reid realmente é um farrista e mulherengo incurável. Ele não se torna um herói para vingar a morte do pai, na verdade ele detestava o pai que realmente era um sacana viciado em trabalho, nem mesmo a mocinha do filme dá bola para ele (Cameron Diaz numa atuação fraca) e prefere Kato.

Apesar de todos os defeitos é impossível não gostar de imediato do fanfarrão e ego maníaco Reid, ele é a alma do filme, o que leva a outra sacada genial, pois o protagonista e herói é também o alívio cômico. Foram  boas gargalhadas e diversão da melhor qualidade, O Besouro Verde vale cada centavo do ingresso, não percam.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Young Justice



Young Justice é a nova série de desenhos animados baseada nos heróis da liga da justiça dos quadrinhos da DC. Desde a última temporada do desenho da Liga da Justiça eu venho aguardando com ansiedade por essa nova empreitada da parceria Warner e DC e uma vez mais eles não me desapontaram.

Ao contrário do traço mais “cartunesco” que se popularizou a partir do desenho animado do Batmam e que foi utilizado nas duas temporadas do desenho da Liga da Justiça, Young Justice possui um estilo de desenho mais refinado e detalhado, similar ao estilo do desenho longa metragem da Mulher Maravilha e do Lanterna Verde, ambos excelentes. Os roteiros são bons, enxutos, rápidos, inteligentes e mais maduros que os da Liga, explorando conflitos de relacionamento, inseguranças além de conspirações e personagens pouco explorados do universo DC em desenhos animados.

Apesar da participação dos heróis tradicionais da Liga, os personagens principais desse desenho são os “side kicks” os parceiros mirins de heróis como Aquaman e Batmam. A equipe é composta por Robin, Miss Martian, Aqualand, Kid Flash (o kid flash original Wally West ao que me parece e não sua última encarnação dos quadrinhos “impulso”), Speedy (Ricardito no Brasil) e Super Boy. Na realidade a série parece ser influenciada pelos quadrinhos de duas equipes os novos Titãs e a equipe Young Justice – nos quadrinhos originalmente formada pelo trio Super Boy, Robin e Impulso – mas seus personagens tem personalidades e habilidades ligeiramente diferentes de suas encarnações no mundo dos quadrinhos.

A mais notável diferença está no Super Boy. Ele continua sendo um clone do Super Man, mas ao invés de ser um adolescente irresponsável e descolado, possui grandes conflitos relacionados a sua identidade. Um aspecto interessante foi o desenvolvimento que os roteirista deram a sua relação com o homem de aço. Nos quadrinhos ele foi quase que imediatamente “adotado” pelo Super, mas no caso do desenho, o último filho de Kripton fica claramente perturbado e desconfortável com o surgimento inesperado de uma versão adolescente dele mesmo, o que frustra as expectativas do jovem herói. A participação do Super Boy traz a tona o projeto Cadmus, que foi pouco explorado no desenho da Liga e que agora vem recebendo a merecida atenção.

Não falta ação ao desenho, as cenas de luta são muito boas e são diversão garantida, principalmente nos primeiros episódios quando os membros do grupo não conseguem agir em equipe de maneira adequada e, algo inusitado, muitas vezes lutam sem seus uniformes de herói, certamente para gerar maior identificação com o público adolescente.

Assim como Super Boy teve seu comportamento e personalidades ligeiramente alterados com relação a sua personalidade nos quadrinhos, os outros membros também são ligeiramente diferentes. Robin continua sendo um acrobata gênio dos computadores, mas está bem menos sisudo. O visual de Aqualand mudou radicalmente, no desenho ele é negro e possui mais características anfíbias como guelras e membranas interdigitais. Também é o mais velho da equipe e o mais maduro, ocupando a posição de líder que nos quadrinhos pertencia ao Robin. Kid Flash continua sendo o alívio cômico e seu conflito com as gerações passadas de Flashs e o fato de ser um garoto do futuro foram suprimidos. Imagino se assim como o Kid Flash dos Titãs ele terá problemas cardíacos devido aos seus poderes. Ricardito está ainda mais rebelde e com seu uniforme clássico de “side kick”. Sobre Miss Martian ainda não é claro se ela é na verdade uma “marciana branca”, a raça de monstros que devastou Marte e extinguiu a espécie dominante do planeta restando apenas o Caçador de Marte.

Young Justice é uma ótima pedida, mais um grande desenho animado baseado nos quadrinhos da DC. Certamente é diversão garantida mesmo para aqueles que não são fãs dos quadrinhos e querem apenas curtir um bom desenho animado de ação e aventura.