quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Female Characters in Fantasy



Sometimes I’m kind slow, just recently I read two articles about the same theme, both of them quit compelling, and both containing a great amount of truth. The theme is women character in fantasy books, and that came to the spot lights due to the criticism on the Mark Lawrence First book and the lack of female characters in important or relevant roles. Beyond that Mark answer that criticism saying that, in a nut shell, it’s not a matter of social equanimity but to tell a good well written narrative. In the other hand, the other article who surfaced in response to that response – it never ends, apparently – points out that the lack of female characters is, conscious or unconscious, always a choice. Well I believe both of them are right and wrong at the same time, and I have a few things to say in the matter.

First, Mark is right, somehow, when you writing a story much like in the way Tolkien spoke in one of the prefaces of his renowned trilogy “for any inner meaning or ‘message’, it has in the intention of the author none. It is neither allegorical nor topical. As the story grew it put down roots (into the past) and threw out unexpected branches (…) An author cannot of course remain wholly unaffected by his experience, but the ways in which a story-germ uses the soil of experience are extreme complex, and attempts to define the process are ate best guesses from evidence that is inadequate  and ambiguous” the writer follows the story as much as the story follows his will. A true symbolic story, one in which the author is not completely the author but the soil in which this story-germ germinates cannot be about the so precisely controlled to include this or that. In that matter we see that the criticism in the “feminist fiction” is right, is always a choice be it conscious or not. The point is, I believe Mark is right in defend his right to tell his tale in the ways the tale wants to be told, but, in the moment we read the tale it is open to our interpretations and, as a person with a deep interest in hermeneutics and interpretation, we should read it as something who speaks about our soul and our time, in that possibility is one of the great quality’s of a work of art, and that’s as Tolkien claims is independent of the authors choice – in this point knowing it or not Tolkien rejects Freud and assumes a point o view extremely similar of Jung’s. Of course the book of Mark is fantasy and his world is one of his design, but, paradoxically, this fact makes the book even more important to interpret our society, our fantasies defines us, our dreams our expectations, this is a quite fertile field for debate about who we are and who we aspire to be. If Mark it’s not free to tell his tale, the tale cannot be meaningful to us, so, both of them are right.

I have one more thing to say in the matter, about the social needs of our time, our social struggles, being myself strongly involved in these very struggles. I see the art with a different perspective, in fact I see it by the eyes of Joyce, so I’m very reluctant in have a taste for art made with the intended purpose of teach people or to make people dislike something.  In the words of Joyce this is, as he wrote in The Portrait of the Artist as a Young Man, it’s improper art, he says that the feelings excited by this kind of art are kinetic, desire or loathing, urges to abandon or go for something – didactic or pornographical, they are improper art. Art, to Joyce, the esthetic emotion is static. The mind’s is arrested and raised above desire and loathing. I regard political engaged art as didactic, improper art, and is much like allegorical, as Tolkien wrote “ I think that many confuse ‘applicability’ with ‘allegory’; but the one resides in the freedom of the reader, and the other in the purposed domination of the author”. Political art, intended political art tend to be allegorical in that sense and fails to be proper art. In the other hand, symbolical art is open to the readers and can create in the many interpretations numerous different worlds of meaning, and make us think about ourselves and our society.

In my novel I wrote at first 3 characters, one female and two males and, in a turn of the story, we have other 3 characters two female and one male. I had no political or social concern when I made that choice, it just felt right at the moment, of course, after the story is told, its open to debate – political and social – independent of what I intended conscious or unconscious. The more important is the story, it’s a living thing and have unexpected effects on people. Mark you should be proud of your tale for its unexpected effects, it shows that you did a good job as a storyteller, but it also shows that you don’t have the final word in the interpretation of your book, that’s the magic of writing, and the magic of the world of symbol and meaning that we all share.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O PT depois do governo Cid Gomes

Avaliar o que ficou ou se perdeu para o PT do Ceará depois dos oito anos de governo Cid Gomes é, por certo, caminhar em um campo minado. Assim como uma parte do PT se uniu aos Ferreira Gomes e viveram por esses oito anos a sombra de sua influência – sempre crescente – uma parte não desprezível do partido considerou a aliança meramente tática e, não demorou muito para se opor ao estranho casamento que rendeu a Cid um quinhão de poder em nosso estado que nem mesmo Tasso Jeireissate, no auge de sua carreira política, jamais sonhou em amealhar. Existem diversas maneiras de se encarar essa relação, mas o foco da minha reflexão é o saldo para o PT, positivo e/ou negativo da conturbada aliança.



Para alguns pode parecer incrível, mas de um certo ponto de vista, existiu um saldo positivo para o PT da aliança firmada com Cid. A princípio, o partido conseguiu um vice-governador – cargo nunca antes ocupado por um petista no estado – na figura discreta de Francisco Pinheiro. Afiançado por Luizianne Lins, então prefeita da capital, ele foi alçado a essa posição, mas não tardou a se afastar de sua madrinha política e a alinhar-se com o governador. A vice-governadoria foi um cargo relativamente inócuo para o PT e que não mexeu profundamente com a estrutura de poder interna no partido – como poderia – Pinheiro esteve sempre às voltas com lutas intestinas em sua corrente, que foi se fragmentando até desaparecer. Ele trouxe para o estado uma nova corrente, que possui um destino ainda incerto, visto o fracasso do ex-vice de conseguir se reeleger deputado estadual.



Ainda na aliança com Cid, o PT também conseguiu duas vitórias históricas, elegeu seu primeiro senador e derrotou pela primeira vez nas urnas o então imbatível Tasso Jereissate. O atual senador Pimentel já havia sido o primeiro deputado federal eleito pelo PT do Ceará e foi o primeiro senador da república. Como senador ele vem tendo uma atuação destacada e em sintonia com o poder executivo e manteve – como ainda mantém – uma relação ambígua com o clã dos Ferreiras Gomes. Pimentel é um dos grandes quadros do partido, com um currículo impecável e sem as acusações que, infelizmente, a mídia tornou tão comum se abaterem sobre os quadros públicos do partido.



Ainda como saldo positivo, alguns diriam que a o maior deles, Camilo Santana foi eleito governador do estado. Camilo, apesar de ser um membro do PT há quase 13 anos, teve sua candidatura bancada politicamente por Cid, sob os aupícios do partido, que lhe deu carta branca para indicar qualquer nome. Em uma jogada muito inteligente, que visava anular a oposição interna no partido ao nome que ele escolhesse, ele indicou Camilo. Essa indicação também lhe livrou da incômoda sombra da candidatura ao senado do deputado federal Nobre Guimarães, infame em virtude episódio dos dólares na cueca – diga-se de passagem, ele foi inocentado de todas as acusações referentes a esse episódio, mas o estrago em sua imagem já estava feito. Em uma campanha difícil, contra um aliado de longa data, Eunício Oliveira, Camilo venceu e tornou-se o primeiro governado petista do estado, ironicamente, graças a influência de Cid Gomes.



Em termos eleitorais, o maior revés do partido foi a derrota de Elmano de Freitas na eleição para a prefeitura de Fortaleza. Luiziane Lins vinha sendo incansavelmente fustigada pela imprensa local, que não lhe perdoava nem o mais insignificante dos desvios, além de ser constantemente atacada na assembleia legislativa por parlamentares ligados a coalizão que sustentava o governo Cid e sem muitas vozes para defendê-la, mesmo com relação aos parlamentares petistas. No segundo turno Elmano encontrou-se completamente isolado, e nem mesmo a presença de Lula foi capaz de reverter à situação. Em meio a graves acusações de compras de voto e fraude eleitoral Roberto Cláudio foi eleito sob os auspícios de Cid Gomes, apeando o grupo de Luizianne da prefeitura, sob uma onda de comoção popular de um sentimento de anti-petismo, e uma antipatia das classes altas e médias a figura da prefeita, alimentada pela incansável campanha midiática a que já me referi. Com isso, a oposição a Cid dentro do PT perdeu força e, muitos dos que ainda estavam em cima do muro dentro do partido, ou que flertavam com a posição do grupo de Luizianne, se apressaram a descer do muro e a cerrar fileiras com Cid. Houve, ainda, um efeito colateral, a gestão de Roberto Cláudio – que prometeu mundos e fundos à população – vem se mostrando desastrosa, e ele tem governado, abertamente, para aqueles que financiaram a sua campanha.



Ainda em termos eleitorais, o PT amargou uma pesada derrota, perdendo boa parte dos seus deputados estaduais. Apenas dois petistas se elegeram, dentre eles Elmano de Freitas. Mesmo a vitória de Elmano tem um sabor agridoce, pois se esperava uma votação bem mais expressiva, especialmente depois de sua campanha a prefeito, e não foi isso o que se viu. Nomes como Arthur Bruno, que já tinha sete mandatos legislativos consecutivos, foram batidos nas urnas e o partido de Cid, elegeu um número enorme de deputados, em uma demonstração inconteste de seus músculos eleitorais. Para piorar a situação, Tasso deu a volta por cima e bateu Mauro Filho nas urnas, e foi reconduzido ao senado da república. Luizianne Lins foi eleita deputada federal nesse mesmo pleito, e, a despeito de ser seu primeiro mandato na câmara federal, estará à vontade no legislativo, pois, por mais que hoje seja mais conhecida como prefeita, ela teve uma longa e elogiada carreira no legislativo municipal e estadual. Apesar de sua vitória, seu grupo amargou a derrota de Eudes Xavier, fragorosamente derrotado depois de dois mandatos como deputado federal, e a saída de Antônio Carlos da assembleia legislativa estadual.



Mesmo longe do governo do estado Cid mantém intacto o seu poder e influência, e foi indicado para o ministério da educação – em meio a diversas indicações controversas – além de manter no governo de Camilo diversos dos seus nomes de confiança, lado a lado com quadros tradicionais do PT. Em meio a todas essas reviravoltas, ainda teremos uma situação das mais interessantes quando se avizinharem as eleições municipais, esse será um dos primeiros testes da habilidade política e independência de Camilo Santana e, por certo, será uma queda de braço com a deputada federal Luizianne Lins.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Esquerda Caviar uma ova!

Inicio com a frase do humorista Gregório Duvivier, proferida em entrevista concedida a Jô Soares, ao comentar o episódio em que foi hostilizado por ser de esquerda e estar almoçando no Leblon. Algo parecido, mas ainda mais vil e desonesto ocorreu em março desse ano, a jovem deputada do PCdoB Manuela D’ávlia foi assaltada no domingo dia 9 e, quando essa notícia atingiu as redes sociais ela foi vítima de todos os tipos de comentários maldosos – até mesmo alguns afirmando que ela deveria ter sido sexualmente atacada – pois Manuela faz parte de um partido comunista e defende os direitos humanos (que por sinal foram criados pelo liberalismo burguês durante o iluminismo filosófico). Mas, antes de atirar a primeira pedra nos chacais atacadores de Manuela, vou lhes contar uma anedota da minha juventude, para mostrar o quão “demasiado humana” é essa reação e, o quão demasiada pueril ela também o é.



Estava na faculdade de história e tinha um colega de quem gostava bastante chamado Leandro Mathews Gascon (ele vinha de uma família judia irlandesa, daí o sobrenome um tanto exótico) e tínhamos o hábito de não perder uma oportunidade de fazer troça com as pessoas que julgávamos hipócritas ou desonestas intelectualmente. Pois um dia, um rapaz que era anarquista – e que torrava a paciência de todos com o seu discurso anarquista – apareceu na universidade vendendo um monte de livrinhos vermelhos sobre anarquismo. Achamos aquilo o cumulo do absurdo – lembrem de que éramos jovens inconsequentes – um anarquista com práticas capitalistas!? Vendendo livros! Absurdo dos absurdos! Ele precisava aprender uma lição, e nós íamos ensinar essa lição. Eu e o Leandro – também conhecido como sapão – fomos até a banquinha de livros, cada um de nós pegou uns cinco livros e saímos do pátio, anarquicamente, sem pagar.



Acontece que ao presenciar a insólita cena do roubo de livros de anarquia ele ficou tão perplexo que não conseguiu agir, outro anarquista que estava ao seu lado lhe deu um conselho que ele resolveu seguir, disse ele “não vai atrás não, eles não são doidos não, vão já voltar”. Anarquistas não são os melhores para compreender o caráter das pessoas e sim, nós éramos doidos e infantis e inconsequentes. Esperávamos que ele viesse reclamar os livros e nós iríamos jogar toda a hipocrisia na cara dele, mas, como não apareceu, fomos cada um para a sua casa, livros e tudo. Quando João Paulo viu que tínhamos fugido com o “produto do nosso roubo” ele se desesperou, imaginou o pior, pois teria que pagar pelos livros furtados. O outro anarquista lhe ofereceu mais um excelente conselho “chama a polícia, cara! Isso o que eles fizeram é roubo!”. Por mais irônico que pareça um anarquista chamar a polícia, ironia das ironias, ele estava certo, nós roubamos os livros. No dia seguinte encontramos um João Paulo emburrado e chateado e lhe devolvemos os livros, ele não disse uma palavra e seguiu sua vida de anarquista meia boca que vendia livros de anarquismo. Acontece que estávamos errados, e, caso você esteja lendo isso, mil desculpas pelo incidente com os seus livros, João Paulo. Em primeiro lugar, eu e o Sapão não podíamos nos arvorar a ser a “palmatória do mundo”, ninguém pode, a nossa atitude foi infantil, egoísta e inconsequente. Não bastasse tudo isso, as pessoas são contraditórias, paradoxais e, na maior parte do tempo, incoerentes. Coerência absoluta é algo demoníaco e desumano.



Quem defende a anarquia não defende o roubo, o comércio e o uso de dinheiro não é o que caracteriza o capitalismo e nem foi inventado no sistema capitalista (leiam Henri Pirrene). Quem defende os direitos humanos não defende bandidos, na verdade defende todos os seres humanos e defende uma ideia liberal – a de que todos nascemos iguais e portadores de direitos inalienáveis. Quem defende o comunismo não luta pela universalização da pobreza, mas, para usar a expressão de Zizek,



Comunismo é uma ideia eterna, então funciona como um universal concreto hegeliano, ele é eterno não no sentido de uma série de características abstratas que podem ser aplicadas a todas as situações, mas no sentido de ter a potencialidade, a habilidade de ser reinventada em cada nova situação histórica. Então, minha primeira conclusão, para ser verdadeiro com o que é eterno no comunismo, esse impulso em direção a emancipação humana radical, que persiste em toda a história, dos tempos antigos de espartacus e assim por diante, para manter essa ideia universal viva é preciso reinventá-la de novo e de novo, e isso se mantém especialmente hoje.


Quem luta pelo comunismo não defende uma sociedade totalitária aos moldes da Rússia Stalinista, mas combate em prol de uma ideia de emancipação humana radical, pela construção de uma sociedade em que a liberdade seja um valor supremo. Mas ainda estamos no jardim de infância da discussão política, ainda olhamos para os nossos irmãos, aqueles de quem discordamos sem nem mesmo nos darmos ao trabalho de tentar compreendê-los e dizemos “bem feito!”. Agimos como crianças mimadas, que fazem birra e armarm escândalos sempre que não conseguem o que desejam, e que vivem em um mundo egoísta e pautado pela mais atroz inconsciência.  Nossa infantilidade não nos permite reconhecer a individualidade do nosso próximo, nossa inconsciência é fundamentalmente um profundo desconhecimento acerca de nós mesmos. Nossa inconsciência significa, como afiançou Jung, uma identificação com a psique coletiva que acarreta um sentimento de validez geral que nos leva a ignorar por completo as diferenças pessoais dos demais. Com isso sentimos um menosprezo implacável diante das diferenças individuais, pois supomos, erroneamente, que nossa própria psicologia tem uma validade universal e quando não a encontramos nos demais, eles certamente estão errados, somos cegos para o outro, enquanto a nossa individualidade padece de uma perigosa asfixia, nos esforçamos por asfixiar a individualidade de nosso próximo. Os elementos individuais que poderiam nos levar a um progresso moral, a capacidade de reconhecer o outro, se afogam no oceano do inconsciente onde se transformam em algo pernicioso, destrutivo e anárquico.



E assim seguimos discutindo política no playgroud das redes sociais, empurrando nossos amigos e jogando barro no rosto daqueles que nos desagradam, e, o pior, temos certeza absoluta de que essas convicções estão certas, sem nos darmos conta de que nunca pensamos essas convicções, mas que somos pensados por elas. E assim, continuamos a não nos compadecer de uma jovem que foi vítima de violência, ora bolas, ela não concorda comigo, logo, deveria ter sido pior! Eu só posso lamentar, pois a razão tem muito pouca força nessa terra de sombras lúgubre que alimenta tanto ódio e tamanha incompreensão. Lamentar e reconhecer a minha infantilidade e lutar por suplantá-la, além de escrever um pouco sobre os pequenos progressos e grandes retrocessos que acontecem no teatro da minha alma, quem sabe alguém se sinta tocado? Não estou aqui para julgar ou condenar os ferozes detratores de Manuela, mas para lhes dizer que eu compreendo, já fiz o mesmo e, sem o saber, vira e mexe o faço novamente, mas, isso eu sei, esses atos são infantis e indignos e eu me solidarizo com você Manuela e com Gregório. Espero que estejam bem e que nada de mal lhes aconteça e que vocês saibam compreender e perdoar esses que te querem mal, sua luta também é por eles, nunca se esqueçam disso.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Processo Criativo

Meu grande amigo e parceiro, Rodrigo Passolargo, algumas vezes já me instigou a falar sobre o meu processo criativo, mas eu sempre refutei, um tanto incomodado pela pergunta, que não podia falar nada a respeito, visto depender em larga medida da inspiração. Todos aqueles que possuem uma criatividade pródiga, também conhecem bem sua natureza mercurial e quase demoníaca, sabem, por experiência própria, que a vontade e a criatividade dão coisas distintas. A posição de alguém criativo é, muito mais, a de alguém que observa algo de invisível e inefável, que parece se passar em nossa mais profunda intimidade, mas que escapa ao nosso controle. Sua natureza é fugidia, arisca e indomável, aqueles que são tocados por essa natureza estranha e caprichosa, logo se dão conta de que veem e escutam coisas invisíveis e de uma natureza que ultrapassa aquela da materialidade vulgar, mas que, paradoxalmente, anseia por se encarnar em nosso mundo, anseia por comunicar algo aos demais, pois esse espírito pode falar com poucos, mas anseia por ser ouvido por muitos. Essa relação é delicada, e deve ser protegida, como a prima matéria na retorta do alquimista, resguardada de interferências exteriores, pois sua natureza é, a princípio, frágil. Somente depois da laboriosa transformação ela pode enfrentar as agruras do mundo, nunca antes. O autor, nesse caso, é um mero servo, que permite que tais coisas possam ser reconhecidas por todos, que, ao finalmente poder vê-las, as reconhecem de imediato, pois já as intuíam há tempos, sem, contudo, poder dizer do que se tratava.

Meu amigo Rodrigo, em sua insistência, conseguiu arrancar de mim a “inspiração” inicial para escrever o meu romance OBAKEMONO. Isso não significa que se trata de uma “fórmula” para escrever romances de fantasia, nem, tampouco, que seja a minha “fórmula”, quem chegar a essa conclusão equivocada certamente não compreendeu nada do que afirmei antes... Mas, deixando de tantos prolegômenos, eu leio Monteiro Lobato desde os 9 anos, não é exagero afirmar que as palavras desse homem moldaram e marcaram de maneira indelével a minha alma. Meu amor por história, filosofia, mitologia tudo isso pode ser rastreado até Lobato, minha dívida para com ele é enorme e impagável. Acontece que anos depois, comecei a ler Sandman, ao mesmo tempo em que estudava de maneira diletante budismo, taoismo, orientalismo, ocultismo e toda sorte de coisas dessa ordem. À medida que ia lendo Sandman, de Neil Gaiman, minha dedicação a esses assuntos aumentava, e, com isso, minhas leituras se tornavam mais especializadas, é debalde falar que Jung e Campbell foram, e são, leituras fundamentais para a minha formação, mas essa história necessita de um outro autor, Mircea Eliade.

Quando li uma passagem de Sandman, ela me causou um impacto insuspeito e se gravou na minha memória, Loki e Puck queimavam uma criança nascida no mundo dos sonhos até que as chamas consumissem a sua mortalidade. Algum tempo depois, eu lia O Conhecimento Sagrado de Todas as Eras, de Eliade, quando me deparo com uma narrativa mítica idêntica aquela usada por Neil Gaiman, tratava-se de um dos mitos relacionados aos mistérios dos Elêusis, em que Deméter, disfarçada de mortal, tomava conta de um bebê, e todas as noites o colocava no fogo de uma lareira com o intuito de queimar sua mortalidade e deixar apenas o aspecto divino de sua constituição, tornando-o imortal. A princípio eu fiquei perplexo, mas logo algo me disse “isso não é novo, para você”, não demorou para que eu me recordasse de Monteiro Lobato, que já fazia uso de tal recurso muito antes do genial Neil Gaiman, bem, eu deixei que essa revelação queimasse no meu íntimo.

Tempos depois, estava no mestrado em Psicologia, passando por uma das fases mais difíceis e complicadas da minha vida até então, quando me deparei com a lenda de Minamoto no Yoshitsune e a famosa batalha naval de Dan no Ura contra o clã Taira. Nessa fatídica batalha, Yoshitsune conseguiu derrotar seus inimigos e livrar o Japão de seu jugo, mas a espada Murakumo no Tsurugi (Kusanagi) foi perdida, jogada ao mar e desapareceu em suas profundezas. Essa lacuna (ou ao menos assim me pareceu) foi um convite irresistível para continuar o mito, prosseguir do ponto onde ele tinha parado, descobrindo o destino da espada sagrada, herança de Amaterasu. Ainda durante o mestrado eu escrevi os três primeiros romances da série em que OBAKEMONO é o primeiro – escrevi outros também, com outras temáticas, mas apenas para me distrair, dificilmente serão publicados – e, depois continuei escrevendo. Meu primeiro leitor foi o meu amigo e parceiro Filipe Jesuíno, que sempre me incentivou a publicá-los, mas. Sabe-se lá por quais motivos, sempre fui relutante a esse respeito.

Além da história de Yoshitsune, alinhavei em minha própria obra diversos mitos, direta ou indiretamente, mais de uma década de estudos de história das religiões e mitologia comparada, estavam borbulhando em minha alma e se transformando em uma nova velha história, mas contada por mim, se alimentando da minha vida e das minhas experiências para criar algo novo, assentado sobre bases as mais arcaicas e veneráveis possíveis, dando nova vida a antigos espíritos e demônios, conhecendo novos heróis e dialogando com deuses e deusas de idade venerável. A maneira como tudo isso tomou forma ainda é para mim um mistério, muitos escritores já sabem exatamente como suas obras vão findar, eu, ao contrário, nunca sei. Costumo ser surpreendido pelas reviravoltas da trama, e o final da história é, para mim, tão misterioso quanto para os meus leitores.

Não sei ao certo se, depois desse curto escrito, fui bem sucedido em explicar a maneira como eu escrevo, entretanto creio que isso é o mais próximo que consigo descrever dos mistérios que presencio quando escrevo. Escrever, todavia, não é apenas inspiração divina – ou demoníaca – mas também trabalho duro, por certo há um deleite em ir colocando uma palavra diante da outra até que algo tome forma, mas sem uma profunda dedicação a esse artesanato, pouco ou nada de valor se produz. As musas, por mais que sejam caprichosas, parecem favorecer aqueles que se dedicam de coração ao árduo trabalho de ouvi-las.