domingo, 13 de dezembro de 2015

Ciro Gomes, O golpe e a eleição




Ciro Ferreira Gomes é um velho conhecido de nós cearenses, já foi governador do nosso estado e prefeito de sua capital e, ultimamente, tem feito pronunciamentos sistemáticos contra a tentativa de golpe branco que vem sendo levado à cabo pelo congresso nacional. Seu discurso e os possíveis desdobramentos de sua movimentação midiática e política são o que me levam a deitar a pena ao papel e pensar sobre o que se passa.

Ciro é, indubitavelmente, um homem inteligente e de visão (especialmente fora do governo), mais de uma vez escrevi que, quando ele não está fazendo o triste papel de caricatura de si mesmo, é bom prestar atenção ao que ele fala. Ciro tem uma tendência a rompantes agressivos, a fazer cenas ao ser irritado ou questionado – mesmo diante das câmeras – e uma verve autoritária muito acentuada que o leva a desatinos que não condizem com sua inteligência e aguda percepção do cenário político. Parece que nos últimos tempos ele foi capaz de fazer uma autocrítica e tem agido de maneira mais ajuizada, transformando sua proverbial língua de trapo em um traço charmoso de sua personalidade, conferindo a ele um colorido de coragem e franqueza que parece faltar no mundo de meias palavras, conchavos e mentiras deslavadas da nossa política.

Ciro é um macaco velho, antes da nomeação do famigerado Eduardo Cunha para a presidência da câmara dos deputados, fez uma previsão quase profética do que estava por vir no programa Política com K, de circulação local, mas que ganhou capilaridade pelos compartilhamentos nas redes sociais. Nessa entrevista ele recitou de cor a vida pregressa de maracutaias de Cunha e o chamou, com propriedade, de “picareta mor da república”. Esse foi um passo importante no que parece ser sua estratégia. Pouco tempo depois, seu irmão Cid, então ministro, chamou o já todo poderoso Cunha de achacador em pleno congresso presidido por ele. Como consequência foi sumariamente demitido da pasta da educação. Gosto de lembrar de um ato falho de Cid, em sua primeira entrevista como ministro, em que se referiu a si mesmo não como ministro, mas como presidente. Freud teria muito a dizer sobre esse lapsus linguae.

Quando a possibilidade de golpe se desenhou com clareza, capitaneado por diversos setores da oposição que cortejavam o “picareta mor da república”, Ciro deu diversas entrevistas a programas locais, de menor audiência, mas com uma posição clara e inequívoca de defesa da democracia e dos ritos republicanos. Creio que nenhum político foi tão claro e contundente quanto ele, pois, quando não está fazendo o triste papel de caricatura de si mesmo, Ciro é um grande orador e político carismático, possuidor de uma retórica de rara agudeza e lógica, de uma velocidade de pensamento realmente invejáveis. Ele tem se posicionado com clareza e de maneira didática contra o golpe, mas também contra a política econômica de Dilma, e se tornou também o porta voz das queixas daqueles que apoiaram Dilma e viram serem empossadas as propostas de Aécio Neves.

Nessas primeiras entrevistas sua estratégia se mostrou com clareza. Não estava pessoalmente interessado na presidência, mas colocava seu nome a disposição como um dever republicano. Em caso de necessidade, ou não sendo possível evitar (veja que sutilmente ele se coloca como uma última saída possível) ele seria candidato. Além disso, Ciro se posicionava ao lado de todas as grandes reformas: fora ministro de Itamar quando da criação do real, estava ao lado de Lula quando da criação dos seus exitosos programas sociais etc. Em sua mais recente entrevista, a Marina Godoy, de maneira contundente ele chamou Michel Temer de “capitão do golpe”, dando nome aos bois. Lacan disse, certa feita, que quando há uma situação em que não se diz o que é preciso dizer se instaura a loucura, mas quando alguém finalmente diz ela é afastada e se instaura um problema, uma briga, mas essa se pode resolver, quando algo é finalmente nomeado. Ciro tem feito esse difícil papel, mas ele não é nada ingênuo.

Recentemente, já se declarou candidato pelo PDT. O que me parece simbólico, pois o grande nome do PDT, o finado Leonel Brizola, era um caudilho, personalista e autoritário que vivia as turras com os barões da mídia. Ciro, com sua sagacidade e audácia, usa sutilmente alguns dos piores aspectos do nosso presidencialismo para encantar seus possíveis eleitores. O presidencialismo possui um viés messiânico e autoritário muito acentuado, é personalista. Ciro não o diz abertamente, mas, utiliza de maneira insidiosa o mito da “vontade política” ao seu favor. Ele se mostra independente, corajoso e voluntarioso, justamente quando Aécio, Marina e Dilma titubeiam. Ele tem propostas claras e simples, e uma capacidade de expressá-las de maneira direta e didática que falta a Dilma. Diferente de Aécio, que precisa medir e pesar o tom de suas falas com cuidado, pois têm diversos conchavos numa teia tenebrosa de aliados que carregam toneladas de pó em aeronaves, Ciro se posiciona como franco atirador não poupando nem mesmo seus antigos aliados. Ataca sem dó os chavões vazios e a ambiguidade de Marina Silva e sua “nova política”. Quanto a Dilma, Ciro defende seu mandato, sua honra pessoal, mas é impiedoso quanto ao seu governo, que ele já qualificou de ruinoso.

Além de tudo isso, para utilizar a expressão de Deleuze, Ciro é um representante da “maioria”, ou seja, não a maior quantidade de algo, mas a existência de um padrão. No ocidente o padrão de qualquer maioria é: homem, adulto, macho, cidadão. Ciro se enquadra perfeitamente nesse padrão majoritário. Pela lógica de Deleuze, irá obter a maioria aquele que, em determinado momento, realizar esse padrão. A imagem sensata do homem adulto, macho e cidadão. É exatamente essa a imagem que Ciro personifica a perfeição. A maioria nunca é ninguém, é um padrão vazio, enquanto a minoria somos todos nós, mas muitas pessoas se reconhecem nesse padrão vazio. Ciro fomenta com maestria essa identificação, tem feito um uso inteligente de seu lugar de fala, da contundência de seu discurso e das redes sociais. Se há algo que seu clã sabe fazer muito bem, isso é ganhar eleições! Nossa política passa por um momento de autismo, em que seus principais atores estão tão ocupados com seus próprios problemas que não se comunicam mais de maneira eficiente com a sociedade e, nesse vácuo surge Ciro. Como gostava de dizer Jung, citando os medievais, “a natureza possui um horror vacui”, a política também não tolera o vácuo. Ciro é um perigo, em meio a uma cena política tão volátil, um “incendiário” como ele está muito a vontade, mas somos nós que sairemos queimados...