terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Psicologia Analítica e Psicologia Ambiental

Escrevi esse pequeno ensaio para o Doutorado em Psicologia, todavia abandonei essa linha de investigação, compartilho o texto caso alguém deseje realizar alguma reflexão ou diálogo entre essas duas disciplinas, essa possibilidade de diálogo está apenas esboçada nesse texto, mas pode servir de inspiração ou ao menos como curiosidade aos interessados em um ou ambos os temas.
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Diálogos possíveis entre a psicologia ambiental e a psicologia analítica



plus ça change plus c'est la même chose

O intuito desse ensaio é realizar uma análise crítica dos pressupostos da psicologia ambiental apresentados no artigo “Olhando o passado e o futuro: revendo pressupostos sobre as inter-relações pessoa-ambiente” de autoria de Leanne G. Rivlin. O referido artigo procura analisar alguns dos pressupostos que faziam parte do livro An Introduction to environmental psychology publicado em 1974, de autoria de William Ittelson, apresentando a visão dos autores desse livro, bem como novas perspectivas e enfoques a partir da experiência da autora. O período de lançamento da já referida obra que serve de inspiração ao artigo de Leanne G. Rivlin é justamente a época em que surgiram os primeiros estudos sobre a área do conhecimento que foi chamada de: ambiente-e-comportamento, pessoa-ambiente, psicologia ambiental, termos que tentavam circunscrever essa nova área de interesse. Convém lembrar que, há época, poucas publicações precederam o livro de William Ittelson.
Além de realizar uma análise crítica, o intuito desses escritos é também apontar as possibilidades de diálogo e contribuição da psicologia analítica, criada pó Carl Gustav Jung, para o futuro desenvolvimento da psicologia ambiental. A psicologia analítica, ou Junguiana como a chama alguns, não é tão recente quanto à psicologia ambiental, tendo surgido no primeiro quartel do século vinte, todavia ainda permanece válida a opinião de Jung de que ainda estamos apenas engatinhando no conhecimento da alma, que permanece ainda um vasto campo desconhecido, sendo, portanto necessária toda a humildade ao se aventurar em seus caminhos e descaminhos. Ademais, a hipótese de um inconsciente psíquico bem como a teoria arquetípica de Jung, coloca por terra boa parte das pretensões vitorianas e positivistas de um saber racional e completo.
Jung levou muito a sério a tese Freudiana de que não somos senhores em nossa própria casa. Nossa vida é regida em larga medida por fatores inconscientes e irracionais, ao menos uma metade do mundo, não pode ser alcançada ou totalmente iluminada pela razão, e são essas as bases arcaicas sobre as quais a luz de nossa consciência repousa. O inconsciente não pode ser esgotado e sempre existirá um não sabido, uma lacuna, não oposta ao conhecimento consciente, mas complementar, pois não pode haver luz sem trevas, e, para que haja energia devem existir dois pólos. Devido a essa visão, o inconsciente não pode ser considerado mero quarto de despejos da consciência, o lugar do esquecido ou reprimido, mas fonte da fantasia criativa, de tudo aquilo que há de belo e sublime, bem como de tudo o que gostaríamos de negar em nós, mas que está dentro das possibilidades humanas, o terrível e o horror que não raro irrompe individual ou coletivamente. Convém salientar que a psicologia analítica jamais foi convertida por seu criador em metafísica ou filosofia, teve sempre um apelo prático e sua tecitura epistêmica se fez de maneira empírica. Certa feita, numa entrevista, Jung comparou sua psicologia a um mapa que tenha sido feito por alguém que chegou a uma praia ou ilha distante e desconhecida e a muito custo a explorou, caso alguém ao explorar o mesmo terreno guiado por esse mapa ache um rio onde não está apontado no mapa, ele deve ser prontamente modificado.
A autora inicia situando a psicologia ambiental, explicando o que é a psicologia ambiental através de um procedimento chamado arco hermenêutico, ela explica a psicologia ambiental ao demonstrar suas origens. Mesmo essa explicação se remete ao livro de 1974, do qual é co-autora, e se refere ao primeiro capítulo. As primeiras pesquisas nessa área surgiram no pós-guerra, em virtude do aumento do interesse por temas ambientais, e, mais especificamente, em decorrência de estudos realizados em alas psiquiátricas de hospitais nos anos de 1960.
Os pontos fundamentais do primeiro capítulo daquele livro são apontados pela autora como sendo a natureza transacional das relações pessoas-ambiente, em uma perspectiva dinâmica e sem determinismos, os métodos de campo utilizados pelos pesquisadores, sendo as pessoas observadas e estudadas como componentes do seu meio, bem como a natureza multidisciplinar do estudo. Ao concluir essa seção do seu artigo, ela cita o ditado francês que usei como epígrafe “quanto mais às coisas mudam, mais permanecem as mesmas”, adentrando agora justamente na parte que interessa a esse estudo: os pressupostos.
Um pressuposto pode significar algo (fato, idéia ou circunstância) antecedente necessário de outra (direito), bem como algo que se supõe como hipótese e sustenta e orienta uma investigação subseqüente. Também são idéias expressas de maneira implícita, tidas de antemão como corretas e necessárias as idéias que estão sendo expressas explicitamente. Literalmente (em sentido denotativo) pode ser compreendido, simplesmente, como uma conjectura, suposição. Nesse sentido, a preocupação em discutir os pressupostos e explicitá-los é um empreendimento de cunho epistemológico. Nesse ponto, antes mesmo de adentrar na discussão dos pressupostos levada a cabo pela autora, cabe uma primeira possibilidade de diálogo entre os dois campos que pretendo cotejar.
Para Jung, a psicologia deve ter uma atenção redobrada a epistemologia, pois não é possível na esfera do psiquismo existir uma matematização exata – o que não significa que não possa existir algum tipo de quantificação, do contrário seria impossível uma perspectiva energética para os fenômenos anímicos – nesse sentido o discurso epistemológico é basilar, pois a única possibilidade de rigor científico reside na delimitação clara e concisa dos conceitos. As teses de Jung na área da epistemologia possuem outros desdobramentos como seus conceitos de: realidade psíquica, esse em anima, e ética epistemológica.
A autora trata de oito pressupostos, e a esses acrescenta mais três novos pressupostos que julga serem necessários a atualidade da pesquisa em psicologia ambiental e aos novos desafios surgidos entre a aparição do livro de Ittelson e a publicação de seu artigo de revisão, são eles: O ambiente é vivenciado como um campo unitário, a pessoa tem qualidades ambientais tanto quanto características individuais, não há ambiente que não esteja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado a ele, O grau de influência do ambiente físico no comportamento varia de acordo com o comportamento em questão, o ambiente freqüentemente opera abaixo do nível de consciência, O ambiente ‘observado’ não é necessariamente o ambiente “real”, O ambiente é organizado como um conjunto de imagens mentais, O ambiente tem valor simbólico; além dos três novos pressupostos: O aumento da quantidade de tecnologia na vida das pessoas criou novas dimensões ambientais que têm impacto nas atividades diárias, Os aspectos éticos da pesquisa e da prática ambientais também exigem uma reflexão contínua, precisamos ser lembrados da natureza holística da experiência ambiental. Examinarei aqui todos eles, com atenção especial para os pressupostos 5, 6, 7 e 8, pois aqui reside a maior possibilidade de contribuição da psicologia analítica para a psicologia ambiental.
O primeiro pressuposto “O ambiente é vivenciado como um campo unitário”, segundo a autora, a experiência do ambiente é holística e é experiência fenomenológica proporciona um sentido de campo, segundo ela “Significa que as experiências de se movimentar através dos ambientes da vida diária são integradas em uma série de lugares e eventos, alguns dos quais mais estimulantes do que outros”. Paradoxalmente, essa experiência holísticas é também mutável, além de poder lembrada separadamente em suas várias dimensões.
Me parece que esse pressuposto entra em conflito, em certa medida, com o pressuposto cinco, que será tratado mais adiante, mesmo assim faz-se necessária uma reflexão psicológica sobre essa conjectura. Em termos psicológicos, ao falarmos de percepção, existem pelo menos dois sentidos possíveis, podemos estar nos referindo à percepção global, que envolve tanto a consciência quanto o inconsciente, nesse sentido há as percepções sublimares, aquilo que foi esquecido ou reprimido etc. A rigor todo o processo de percepção envolve as duas esferas consciente e inconsciente, que são inseparáveis, todavia a percepção consciente, dificilmente pode ser compreendida como um fenômeno holístico. Para Jung, a consciência é focal, e funciona pelo circuito energético de direção/seleção/exclusão. Tomemos um exemplo, alguém que esteja em uma sala de aula atento a explicação do professor, a direção de sua atenção está focado na fala e nos gestos do mestre, pois ele selecionou aquilo para estar em seu foco de atenção consciente e excluiu tudo o mais. Talvez exista o barulho do ar condicionado, ou alguém que esteja conversando ou tamborilando na cadeira, mas essas outras percepções logo caem abaixo do nível energético da consciência e tornam-se subliminares. Imagine agora que um colega cutuque o nosso aluno e comece a entabular uma conversa com ele, o que o levará a ter de prestar atenção ao que seu colega lhe está falando, selecionando sua conversa como foco de sua atenção, dirigindo a ele sua atenção e excluindo todo o resto (incluindo o conteúdo da aula exposto pelo professor) de seu campo de percepção. Nesse sentido, do funcionamento da consciência e da forma como ela percebe o que se passa a sua volta, essa vivência dificilmente é holística.
Há, todavia um porém, pois psicologicamente, pois essa vivência do ambiente pode, em certo sentido ser compreendida como holística. Todo fenômeno de percepção envolve de maneira quase simultânea um fenômeno de apercepção que convoca o sistema psíquico como um todo. Para Jung, em certa medida, o fenômeno perceptivo puro, é um fenômeno físico, sendo o evento psíquico envolvido o processo aperceptivo. Em uma de suas obras mais antigas, Tipos Psicológicos, Jung sugere que a personalidade funciona através de um sistema de 4 funções psíquicas duas racionais (sentimento e pensamento), e duas irracionais (sensação e intuição). Basicamente existem dois tipos de atitude, que só se tornam caracteriológicas quando há uma acentuada unilateralidade, mas normalmente uma delas se torna mais habitual: extroversão e introversão. O extrovertido se orienta pelo objeto e o introvertido pelo sujeito. O pensamento me diz o que uma coisa é e com que ela se relaciona, o sentimento é um sistema psíquico de valoração e me diz, de maneira simplificada, se gosto ou não de algo. A sensação por sua vez, me diz se algo existe, e a intuição está relacionada a uma percepção de fenômenos endopsiquicos bem como as relações de possibilidades de algo e seus desdobramentos futuros. Sempre que há o desenvolvimento de uma atitude psicológica, isso significa a especialização de uma função em detrimento da outra. Alguém que tenha como função principal o pensamento, e a desenvolva conscientemente como sua maneira de se adaptar ao mundo interior e exterior, terá sua função sentimento como inferior, relegada ao inconsciente, sendo ela bem menos desenvolvida, primitiva e infantil, e relativamente autônoma (às vezes não tão relativamente), o mesmo acontece entre sensação e intuição. Normalmente existe uma função auxiliar que colabora com o processo de adaptação. Por sua vez, um tipo pensamento pode ser introvertido ou extrovertido, normalmente um tipo pensamento introvertido terá como função inferior um sentimento extrovertido.
Nesse sentido, ao caminhar por um parque, por exemplo, minha sensação pode se dar conta de que há uma garota ao meu lado, pois a vejo, assim que a percebo, minha função pensamento imediatamente utiliza aminha memória e me diz em que categorias ela se enquadra: é um ser humano, uma garota, jovem ou velha etc, e minha função sentimento me diz se gosto dela ou não, se sua beleza ou aparência me agrada ou causa repulsa, e minha intuição aponta coisas não diretamente perceptíveis aos sentidos ou diretamente ligadas ao momento presente. Nesse sentido, simplificadamente, toda a interação com o ambiente (esse termo, ao que me parece é muito limitado em seu sentido corriqueiro usado em psicologia ambiental e pode ser grandemente enriquecido pela perspectiva da psicologia analítica) demanda o psiquismo como um todo. Parte desse processo é autônomo e ligado a bases inconscientes e independente da volição consciente, ou seja, não se trata de um arbítrio, ele simplesmente acontece a consciência.
O segundo pressuposto “a pessoa tem qualidades ambientais tanto quanto características individuais” segundo a autora “Cada pessoa presente em um local contribui para o que está acontecendo ali, mesmo sendo silenciosa, passiva. Essa pessoa ocupa um espaço, é um componente da densidade, ‘se faz presente’, podendo atuar naquilo que está acontecendo e influenciar outros que estejam no local”. Ela também chama a atenção para o que Ittelson chama de “feedback cíclico”. O que significa, grosso modo, que cada um dos presentes em determinado ambiente o afeta ativa ou passivamente, além de receber influências desse meio, num mecanismo recíproco (daí o aspecto cíclico). Cum grano salis, pode-se aproximar esse fenômeno apontado por Leanne G. Rivlin a chamada psicologia de massas, bem como ao fenômeno de identidade arcaica/projeção, o que farei com mais propriedade adiante. Convém salientar, todavia, que esse mecanismo cíclico, principalmente o aspecto passivo da participação de um indivíduo em determinado ambiente, se torna meramente uma constatação sem a hipótese de influências mútuas inconscientes, logo sem a proposição mais firme e metodologicamente coerente de um inconsciente psíquico ela não passa do nível elementar da descrição. Pode-se adiantar que uma das qualidades do psiquismo que permite esse tipo de interação cíclica com o ambiente é a capacidade da psique de se dissociar, daí a possibilidade de adaptação aos mais diversos ambientes.
O terceiro dos pressupostos “não há ambiente que não esteja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado”, de acordo com a autora, esse continua sendo um pressuposto válido e sem a necessidade de muitos reparos, a não ser no sentindo de ampliar o entendimento de “social” para abarcar ainda outros significados. Isso reforça o apelo à multidisciplinaridade e, seria mais acurado afirmar na atualidade que “o ambiente físico está envolvido pelos sistemas social, econômico, político e cultural nos quais se encontra e é inseparavelmente relacionado a eles” o que, confesso, me parece uma formulação tautológica e que ao invés de precisar o termo, o torna ainda mais vago. A possibilidade de diálogo entre as disciplinas que cotejo nesse texto existe aqui também, mas abordarei essas possibilidades à frente, quando tratar do aspecto simbólico do ambiente.
O quarto pressuposto “O grau de influência do ambiente físico no comportamento varia de acordo com o comportamento em questão”, esse pressuposto se baseava no desejo de evitar determinismos, algo louvável. De acordo com a autora essas influências podem ser tanto sutis quanto poderosas e dependem da soma de diversos fatores (tipo, forma e qualidade do ambiente, aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos). A autora procura atualizar esse pressuposto da seguinte maneira: “(...) a interrelação pessoa-ambiente tem impacto tanto imediato quanto de longo-prazo, sendo dificultada pelas fontes de valores, normas e hábitos em contexto”. Parece-me, todavia, que a autora pende a balança da formulação que deve necessariamente ser antinômica para um dos lados e, sua formulação parece esquecer aquilo que afirmara antes “não há ambiente que não esteja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado”, tal “envolvimento” vai muito além de um simples interrelacionamento, os espaços que são criados ou habitados pelo homem necessariamente são criados ou transformados tendo por base uma cultura. A autonomia objetiva do espaço possui limites claros, pois interessa a psicologia menos os objetos em si (em última instância, inapreensíveis), mas a forma de apetecer. Os espaços, nesse sentido estão imersos na cultura e são, em larga medida, por ela criados e, mesmo os espaços naturais ou nas culturas primitivas em que não existia possibilidade técnica de intervenção, isso se revela verdadeiro na medida em que o espaço se achava simbolizado. Mircea Elíade, descreve em seu livro Sagrado e Profano, como a construção das cidades antigas obedecia a uma ordem simbólica, a praça retangular em seu centro era também o centro do mundo e sua organização espelhava, normalmente em forma de mandala, o que se acreditava ser a ordem cósmica. Campbell descreve, em seu livro dedicado a mitologia primitiva, como uma tribo de aborígenes australianos se guiava em suas peregrinações, utilizando um poste de madeira que representava o axis mundi, quando precisavam se mudar, deixavam ele cair ritualmente e para onde apontasse eles seguiam. Segundo a descrição fornecida por Campbell, sucedeu de um dia tal poste quebrar e toda a tribo se deixou permanecer estática onde estavam até morrer de fome. Não é ocioso adiantar nesse ponto que, a noção de Jung de realidade é crucial para se compreender as relações do psiquismo com o ambiente. Não existe uma realidade imediata, toda realidade é mediada pela alma, ou seja, a rigor a única realidade imediata é a realidade da alma, tudo o mais nos chega através dela. Existindo uma inter-relação entre aquilo que percebemos e o modo como percebemos, além disso, a realidade dos fenômenos propriamente anímicos, como sonhos, visões, percepções internas etc, é elevada a dignidade idêntica a da realidade dita “externa”, os conceitos de dentro e fora se confundem ou se entrelaçam aqui. Nesse sentido, para Jung, dito de maneira simples “é real aquilo que atua”. Por exemplo, se alguém acredita que uma caverna é mal assombrada e isso atua com tal força que ele não se aproxima de modo algum desse lugar, psicologicamente isso é real.
Um exemplo utilizado por ele em seu livro O Eu e o Inconsciente, torna essa explicação mais fácil, ele narra o sonho de um paciente. A noiva desse paciente estava correndo sobre um lago congelado enquanto era observada por ele, ela se aproxima de uma fenda no gelo e se joga nas águas escuras e geladas morrendo afogada. Ao analisar esse sonho Jung afirma tratar-se um fato real, que se manifesta sob a aparência de um suicídio. Não significa que seja idêntico a um suicídio, mas ambos os fatos – um suicídio e o sonho em questão – são realidade. Isso se deve a percepção de que a única realidade imediata é a realidade da alma. Mesmo se presenciássemos um suicídio real, não teríamos jamais acesso a sua realidade objetiva e ontológica, apenas a imagem dele em nossa alma. Logo, para a psicologia analítica, um sonho como esse se trata de um fato “empírico”, pois mesmo os ditos fatos “externos” só são apreendidos psicologicamente. Temos, no entanto, desde o fim da era gótica, a tendência a valorizar de maneira unilateral a matéria em detrimento do espírito, recaindo naquilo que Jung jocosamente denomina de “metafísica da matéria”, pois aquilo que julgamos conhecer de maneira clara e inequívoca é igualmente, em última instância inapreensível. O que temos é uma inclinação sentimental a preferir a “matéria”. No medievo era o oposto, há um exemplo interessante que me foi mostrado por meu amigo Filipe Jesuíno no Maleus Maleficarum, nessa época o espírito era a realidade suprema e, ao se referir as bruxas, e a ação dos demônios os padres alegavam que, mesmo quando se constatava que o malefício causado a alguém se tratava de um veneno (uma substância material) ou algo do tipo, isso meramente significava que esse foi o veículo escolhido pelo diabo para perpetrar sua vilania e maldade.
O quinto pressuposto é um dos que mais me interessa, diz ele “o ambiente freqüentemente opera abaixo do nível de consciência”.  A implicação que é tirada desse pressuposto é que o indivíduo se torna consciente do ambiente quando algo muda nele o que leva a uma necessidade de adaptação. Para a autora, o termo “abaixo do nível da consciência” significa de maneira simplista, simplesmente os elementos do ambiente que estão fora do meu campo de consciência e que, temporariamente, desconheço. No caso do ambiente isso se verifica apenas quando algo se alterou no referido ambiente e quando se é levado a um novo e, portanto, desconhecido ambiente.
Certamente esse pressuposto não passa de uma banalidade e uma simplificação rasteira do conceito de inconsciente. Na realidade, sequer é mencionado o termo propriamente dito, simplesmente algo vago como “abaixo do nível da consciência”, o que lembra a antiga formulação de “subconsciente”, que remonta a psicologia francesa com Pierre Janet.  Colocado dessa maneira, esse pressuposto é metodologicamente estéril e absolutamente desnecessário e redundante. Como expus anteriormente, toda a possibilidade de explicação e compreensão da dinâmica psíquica das relações entre homem e ambiente repousa, para a psicologia analítica, na hipótese de um inconsciente psíquico.
Para Jung o conceito de inconsciente (Unbewusste) é exclusivamente psicológico e não filosófico, trata-se de um conceito limite-psicológico que abrange todos os conteúdos e/ou processos psíquicos que não estão relacionados ao complexo do eu de modo perceptível. A consciência surge de bases inconscientes, e este é anterior, simultâneo e posterior a consciência. O inconsciente – na maioria das vezes – se comporta como complementar ou compensatório a consciência. A hipótese de um inconsciente surge de uma demanda prática e da observação dos fenômenos psíquicos, em especial aqueles ditos patológicos, pois nesses casos isso se torna mais perceptível. Para Jung, a psique é um sistema energético, parcialmente fechado e auto-regulativo, e o quantum total de energia desse sistema não é idêntico a energia psíquica disponível a consciência, existindo igualmente um psiquismo inconsciente, objetivo e autônomo. Von Franz possui uma definição excelente de inconsciente e que vem bem a calhar nessa discussão.
O inconsciente é tudo aquilo que sabemos ser psiquicamente real, mas que não é consciente. Trata-se de um conceito limítrofe, e negativo. Usamos esse conceito negativo para evitar um preconceito. Alguns o chamam de supraconsciente, outros de subconsciente, outros ainda falam de esfera divina ou base existencial. Nomes há aos milhares. Preferimos o termo inconsciente justamente porque não diz nada. Diz apenas que não é consciente, o que permanece um mistério. Não sabemos o que é. Sabemos apenas que há fenômenos psíquicos que se manifestam através de sonhos, gestos involuntários, lapsos da fala, alucinações ou fantasias que não são conscientes. (FRANZ & BOA, 1997, p.37)
Nessa perspectiva, o inconsciente é um conceito central e absolutamente necessário, não apenas teoricamente, mas igualmente por razões empíricas e práticas. Toda e qualquer explicação ou compreensão oriunda da psicologia analítica faz uso do inconsciente, não à toa, Jung o denominou de “o problema fundamental da psicologia contemporânea”.
O sexto pressuposto, “O ambiente ‘observado’ não é necessariamente o ambiente ‘real’”, o interessante desse pressuposto é que a autora não discerne a radicalidade dessa formulação, em sua concepção, isso apenas significa que existem diferentes percepções individuais. Um mesmo espaço pode ser percebido de maneira diversa por pessoas diferentes em virtude de fatores como: background étnico, crença religiosa, etc, no sentido de uma distorção individual do mundo objetivo. Isso inclui, igualmente, que uma mesma pessoa pode ter diferentes percepções de um mesmo lugar dependendo do seu humor. Isso está longe de ser falso, mas psicologicamente é superficial. A rigor, o ambiente real, nunênico é inapreensível em si mesmo e o acesso direto que temos é a imagem que formamos dele em nossa alma.
Essas diferenças de percepção são abordadas por Jung de uma outra maneira, certamente o nível de educação e as crenças interferem na imagem mental que formamos do ambiente, mas há outros fatores. Ao pensar na possibilidade de tipos psicológicos, Jung traz uma complexidade inaudita a essa questão. Pensemos apenas nos dois movimentos básicos da libido, introversão e extroversão. O primeiro é orientado pelo sujeito e o segundo pelo objeto, logo para o extrovertido, ou para aquele que estiver num momento de extroversão, sua atenção, interesse e libido estarão voltados para tudo aquilo que lhe for “exterior”, suas emoções e processos subjetivos se encontrarão sempre projetados e depositados nos objetos externos que terão para ele um valor subjetivo de realidade muito forte. Ocorrendo o contrário com o introvertido, que dispensará pouco interesse ao mundo exterior e muito mais real para ele serão seus processos “internos”, pensamentos, sentimentos etc.
A autora, ao falar da possibilidade de um “grau de distorção”, chega mesmo a argumentar que com o treino necessário um observador pode atingir um maior grau de clareza e suplantar sua subjetividade e alçar um grau crescente de objetividade em suas observações o que ajudaria numa observação sistemática de pesquisa. Tal conceito flerta perigosamente com o positivismo.
A percepção do ambiente é inevitavelmente nublada pelo fenômeno de identidade arcaica (participação mística)/projeção. É preciso que se diga que em psicanálise existe esse mesmo conceito, mas ele só se aplica à paranóia. No caso da psicologia analítica ele é um fenômeno geral e não necessariamente associado a alguma patologia. O fenômeno da projeção está associado à qualidade da nossa psique de se dissociar, pois aparentemente nossa psique é formada por vários complexos separados que se unem para formar uma individualidade. Mesmo ao falar do complexo do eu, Jung utilizava os termos “altamente compósito e variado”, num momento lembramos com clareza de um nome (ele possui a qualidade de ser consciente e estar associado ao complexo do eu) no momento seguinte esse nome desaparece, não somos mais capazes de nos recordarmos (não está mais associado ao complexo do eu), além disso, ao se referir ao inconsciente, Jung reiteradas vezes fala que “todo inconsciente é projetado”, mas estamos nos adiantando.
Na realidade, ao contrário do que versa a psicanálise sobre a projeção, nós pessoas normais projetamos o tempo inteiro, o que significa que, além das informações sensoriais que nos são transmitidas pelos sentidos, existem sempre influencias psicossomáticas internas que influenciam a maneira como experimentamos o mundo. Todavia, o fenômeno da projeção possui um escopo bem mais restrito, ele está relacionado ao fenômeno mais geral daquilo que Jung denominou de identidade arcaica. Só é considerada uma projeção, em termos junguianos, quando existe um sério distúrbio de adaptação. Esse distúrbio pode ser percebido quando a pessoa responsável pela projeção, ou aqueles a sua volta, unanimemente rejeitam o conteúdo projetado.
Já o fenômeno mais geral, da identidade arcaica, significa uma igualdade psicológica e é sempre um fenômeno inconsciente, e que é o fundamento da participation mystique, resíduo da primitiva indiferenciação psíquica entre sujeito e objeto. Logo do estado inconsciente primordial. Esse estado também caracteriza a primeira infância e o inconsciente do adulto civilizado. Este, na medida em que se não tiver tornado um conteúdo da consciência permanece preso a um estado de identidade com o objeto.

Isso significa que temos uma quase ilimitada mistura de nossa subjetividade na imagem que formamos do mundo. O termo arcaico é utilizado por Jung, pois essa é a condição original do homem, ou seja, um estado em que vemos e sentimos todos os processos psíquicos como algo exterior a nós mesmos. Bons e maus pensamentos são espíritos, afetos são deuses, estar apaixonado significa estar enfeitiçado e por aí vai. Projeções são socialmente perigosas, e terrivelmente perturbadoras, mas possuem um sentido e uma função. Existem certos processos inconscientes dos quais só podemos nos tornar conscientes através das projeções. Boa parte do trabalho analítico consiste em auto-conhecimento, pois não há transformação da personalidade sem auto-conhecimento, e isso significa, em termos psicológicos, a assimilação moral de certos conteúdos do inconsciente.
Tal percepção é bem menos simplista e mais complexa do que a aludida pela autora.
O penúltimo dos pressupostos “O ambiente é organizado como um conjunto de imagens mentais” significa para a autora “Enquanto percepções podem ser consideradas como um conjunto de imagens, a cognição como um todo sofre o impacto das expectativas e dos objetivos pessoais, os quais, por sua vez, levam a pontos de vista seletivos que afetam o papel dessa mesma pessoa no ambiente. Tais cognições permitem que as pessoas transitem de modo ordenado em seus mundos”. Esse pressuposto, que deveria apontar para um acento realmente psicológico, uma vez mais resvala na banalidade e num aspecto meramente descritivo.
O último ponto “O ambiente tem valor simbólico”, está, para a autora, relacionado à noção de “identidade do lugar”, que seria um reconhecimento da contribuição do ambiente para a formação da identidade da pessoa, e nesse processo as lembranças simbólicas assumem um papel significativo. O que a autora compreende como simbólico são as memórias das pessoas que vivenciaram determinados lugares e nas emoções associadas a esses lugares e que se tornam componentes da conexão das pessoas com essas localidades.
O conceito de simbólico é menos vago, mais preciso e útil em Jung. Um sinal é distinto de um símbolo, pois ele simplesmente representa por analogia algo definido, como ONU é um “Sinal” convencional para Organização das Nações Unidas, ou as placas de transito. Em resumo, toda concepção que explica o símbolo por analogia ou abreviação é semiótica. O símbolo, por outro lado pressupõe sempre que a expressão escolhida seja a melhor designação ou fórmula possível de um fato relativamente desconhecido, mas cuja existência é conhecida ou postulada. Jung distingue pelo menos dois tipos de símbolos: símbolos vivos, que enquanto forem vivos são a melhor expressão possível de algo, ou seja, são prenhes de significado. Um símbolo “morto”, possui apenas valor e interesse histórico quando seu sentido já foi extraído dele e formulado ou expresso de maneira melhor. Enquanto o símbolo for vivo, ele é a forma insuperável de expressar aquilo que é pressentido. Um símbolo pode ser objetivo, quando sua natureza simbólica se impõe por ele mesmo, de maneira objetiva. Assim como pode existir algo que funcione como símbolo em virtude da consciência que o contempla, da atitude simbólica do indivíduo. O símbolo tem o poder de operacionalizar a participação do inconsciente na consciência, o que possui um efeito gerador de vida.
Para Jung, mais do que simplesmente estar associado às memórias e a identidade, o símbolo pressupõe a participação de fatores inconscientes na consciência, como exposto anteriormente.
Os três novos pressupostos elencados no texto: O aumento da quantidade de tecnologia na vida das pessoas criou novas dimensões ambientais que têm impacto nas atividades diárias, Os aspectos éticos da pesquisa e da prática ambientais também exigem uma reflexão contínua, precisamos ser lembrados da natureza holística da experiência ambiental. Não me parecem necessitar de uma reflexão mais pormenorizada, o último já foi explorado e se tornaria repetitivo falar novamente das características holísticas da experiência ambiental, e os dois primeiros, igualmente, não me parecem trazer nada de realmente novo ao que já foi exposto com a discussão dos oito pressupostos originais.
Como se pode perceber há um vasto campo de possibilidades de contribuição e diálogo entre as duas áreas e que, por hora, está apenas dando seus primeiros passos. A psicologia ambiental pode se beneficiar em muito das teses da psicologia analítica.

A Variedade de Judeus pelo Mundo

Outro texto que me foi gentilmente cedido pelo meu amigo e mentor Viktor D. Salis, interessante para aqueles que apreciam a cultura judaica ou que estudam sobre religião.
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Por: Jane Bichmacher de Glasman *
A maioria das pessoas considera os judeus um "bloco" ou divididos em ashkenazim e sefaradim. Mas há muito mais "im" do que supomos. Segue um pequeno resumo, de meu livro "À Luz da Menorá":
Os judeus espalharam-se através dos continentes assimilando parte da cultura dos povos entre os quais viveram. Em cada área desenvolveram-se costumes, tradições, linguagens, rituais diferentes e até características físicas.
Além dos citados, outros grupos menores e menos conhecidos serão mencionados.

Ashkenazim:
Formaram-se no Vale do Reno, na Idade Média, para onde foram levados cativos pelos romanos após a destruição do Templo. Seu número aumentou com a chegada de oriundos da Itália, na Alta Idade Média, estimulados por Carlos Magno.
As Cruzadas (séculos XI-XII) abateram-se sobre eles obrigando-os a imigrar em massa para a Europa Oriental, para onde levaram sua linguagem germano-renana que teve uma evolução filológica diferente da alemã. Conservou arcaísmos, introduziu neologismos, adotou palavras russas, polonesas e até latinas, adaptou palavras hebraicas e aramaicas, modificou-se morfológica e foneticamente e era escrita com o alfabeto hebraico: é o judaico ou iídiche.
O min'hag ashkenazi segue os costumes das Academias Talmúdicas do Vale do Reno. Os ashkenazim não usavam sobrenomes até o século XVIII, adotados por imposição dos Déspotas Esclarecidos para seu registro e arrecadação de impostos.
São sobrenomes alemães, russos, poloneses, húngaros, iugoslavos, conforme a área em que vivam, caracterizados pelo grande número de consoantes, geralmente nomes de lugares (ex. Frankfurter, Berlinski) e profissionais (ex. Bichmacher, Sznajder).

Sefaradim:
Têm o seu nome derivado de Sefarad - Espanha em hebraico. Os judeus já viveriam na Península Ibérica desde os tempos de Salomão, mencionada na Bíblia (I Reis 10:22 e II Crônicas 9:21) como o local onde suas naus iam buscar prata; na Espanha, segundo uns, ou na Sardenha, segundo outros. Seu número cresceu com a chegada dos cativos trazidos pelos romanos após a destruição do Templo e com a invasão árabe, a partir do século VIII. Na Espanha medieval os judeus falavam o mesmo romanche ibérico da população cristã da Península. Os séculos XI e XII são conhecidos como a Época de Ouro. Adotaram sobrenomes espanhóis e portugueses principalmente em função dos batismos forçados. Com a expulsão no fim do século XV levaram para o Norte da África, Império Otomano, Hamburgo, Amsterdã, Londres, Ferrara, Salônica, Ismirna, etc. sua língua latina com novo rumo evolutivo, mantendo formas arcaicas e acrescentando palavras portuguesas, árabes, gregas, turcas, hebraicas, além de neologismos, usando para a escrita o a lfabeto hebraico, conservando, todavia, estreita identidade com espanhol e português.
Foi o ladino (Judesmo ou Espanholito) dos  judeus da Grécia, Turquia, Romênia, Bulgária, sul da Iugoslávia, Albânia e até Hungria, distinta da Haquitia, baseada no árabe, no Norte do Marrocos. O min'hag sefaradi segue tradições da Península Ibérica e do Marrocos, principalmente.


"Outros im":
Mizrahim (Orientais):
Os Mizrahim são do Iraque, Síria, Líbano, Egito etc., sem origem na Espanha. Sua fala e nomes são árabes.
Desde a Antigüidade viviam no Oriente, muito antes que  chegassem os Sefaradim expulsos, com quem são muito confundidos.


Teimanim (iemenitas):
Estão no Iêmen desde o tempo de Salomão quando para lá teria ido um grupo de judeus acompanhando a rainha de Sabá. Assemelham-se lingüisticamente aos  mizrahim (falam árabe), porém sua tez é morena escura; possuem uma riqueza cultural (folclore) muito típica.

Beta-Israel:
São do Norte da Etiópia e também remontam suas tradições ao período de Salomão. Não usam o hebraico, mas o ge'ez ou am'hári como língua religiosa, são  observadores  estritos do Shabat e da kashrut; seu longo isolamento do restante do povo originou questões sobre sua  qualificação  religiosa. O termo falasha é 
> pejorativo.


Judeus da Índia:
A Índia possui quatro comunidades judaicas  bastante distintas. 
Os mais conhecidos são os Bene Israel,  de Bombaim.
Sua cor é escura e a língua cotidiana é o  marata. Sua vida diária pouco difere da população  indiana,  exceto quanto à religião.

No Sul da Índia, em Cochin,  há os   judeus negros, cuja língua é o malaiala, idioma falado  pelos   habitantes originais antes das invasões indo-européias.
Lá, outro grupo, os pardesi, de pele muito mais clara, mantém sinagogas separadas, proíbe o casamento com os judeus  negros e considera-se superior a estes. Há ainda os baghdali, em Calcutá e Bombaim. Conforme seu nome, descendem de judeus oriundos do Iraque e falam o árabe.

Judeus da China:
Viviam na cidade sobre o Rio Amarelo, Hoang-Ho na China oriental. Missionários cristãos relatam sobre eles, nos séculos XVI e XVII, como idênticos aos demais  chineses, física e culturalmente, inclusive nos nomes próprios. No século XIX foram encontradas as ruínas de sua sinagoga e vários de seus Livros Sagrados localizados em  mãos de  antiquários.


Judeus índios:
Um grupo no México e outro no Chile, de  origens  obscuras, com características físicas e culturais  índias,  praticam uma forma de Judaísmo. Organizados separadamente dos judeus locais, lutam por reconhecimento haláchico, sendo exigida sua conversão, do que discordam por se  considerarem judeus.

Judeus negros americanos:
Nos Estados Unidos há grupos de negros que  praticam o judaísmo e se chamam de "judeus etíopes". Sua posição é um tanto radical em relação aos judeus brancos.


Há ainda judeus Italquim, Crimchas,  Mustarabes,  Georgianos, Persas, do Cáucaso, Bocairanos e Curdos... além de  grupos que eventualmente surgem declarando origem judaica, das "10 Tribos Perdidas"
* Jane Bichmacher de Glasman é doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica-USP,

Sobrenomes Judaicos

Esse texto me foi gentilmente enviado pelo meu amigo e mentor Viktor D. Salis, para me ajudar a compreender melhor as minhas raízes, trata-se de algo extremamente interessante, devido a esse fato resolvi partilhar com todos os demais interessados postando aqui.
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Sobrenomes judeus - de que raízes se originam?
Por que me chamo Moisés?
Por que levo o nome do meu bisavô, que morreu antes de eu nascer?
Os judeus ashkenazim dão a seus filhos os nomes dos ascendentes falecidos. Isso tem a ver com a crença no restabelecimento da alma e com a honra e recordação do morto. Se pudesse seguir sua árvore genealógica, alguém que se chame Moisés encontraria tataravôs chamados Moisés a cada três gerações.
Os judeus sefaradim dão a seus filhos o nome dos avôs, que geralmente estão vivos. Assim, numa árvore genealógica sefaradí vai-se encontrar o mesmo nome a cada uma geração em média. Se alguém ler a história da Espanha não saberá às vezes distinguir quem morreu e quem continua vivo. Será o avô ou o neto? Outras vezes encontramos o filho com o mesmo nome que o pai; contudo esse é um costume cristão que se encontra entre os judeus sefaradimdepois que deixaram a Espanha, devido à Inquisição.
Diferentemente dos aristocratas e das pessoas ricas, os judeus não tinham sobrenomes na Europa Oriental até os anos napoleônicos, nos princípios do século XIX. A maior parte dos judeus dos países conquistados por Napoleão, como Rússia, Polônia, e Alemanha, receberam a determinação de adotar sobrenomes para a cobrança de impostos. Entretanto, após a derrota de Napoleão, muitos judeus retiraram estes nomes e voltaram à denominação de "filho de", surgindo então sobrenomes como: Mendelsohn, Jacobson, Levinson, etc.
Durante a chamada Emancipação, os judeus mais uma vez receberam a ordem de adotar sobrenomes. Na Áustria e na Galícia, o imperador José fez os judeus adotarem sobrenomes em 1788. As "listas de sobrenomes" do Império Austro-Húngaro, em geral, usavam palavras em alemão, muito parecidas com ídiche. A Polônia ordenou os sobrenomes em 1821 e a Rússia em 1844. É provável que algumas das famílias judias já tivessem recebido seus sobrenomes nos últimos 175 anos ou menos. Na França e nos países anglo-saxônicos os sobrenomes voltaram no século XVI.
Também os judeus sefaradim recuperaram seus sobrenomes após longos séculos. A Espanha, antes de Fernando e Isabel, concebeu uma época de ouro para os judeus. Contudo, eles foram expulsos por Isabel no mesmo ano em que Colombo partiu para a América. Além disso, os primeiros judeus americanos também eram sefaradim.
Significado dos sobrenomes
Sobrenomes ashkenazim:
Há dezenas de milhares de sobrenomes judeus utilizando a combinação das cores, dos elementos da natureza, dos ofícios, cidades e características físicas. Um pequeno exercício é perguntar: Quantos sobrenomes judaicos podemos reconhecer com a raiz das seguintes palavras?
Cores: Roit, Roth (vermelho); Grun, Grin (verde); Wais, Weis, Weiss (branco); Schwartz, Swarty (escuro negro); Gelb, Gel (amarelo);
Panoramas: Berg (montanha); Tal, Thal (vale); Wasser (água); Feld (campo); Stein (pedra); Stern (estrela); Hamburguer (morador da vila);
Metais, pedras preciosas e mercadorias: Gold (ouro); Silver (prata); Kupfer (cobre); Eisen (ferro); Diamant, Diamante (diamante); Rubin (rubi); Perl (pérola); Glass, (vidro); Wein (vinho);
Vegetação: Baum, Boim (árvore); Blat (folha); Blum (flor); Rose (rosa); Holz (Madeira);
Características físicas: Shein, Shen (bonito); Hoch (alto); Lang (comprido); Gross, Grois (grande), Klein (pequeno), Kurtz (curto); Adam (homem);
Ofícios: Beker (padeiro); Schneider (alfaiate); Schreiber (escriturário) ; Singer (cantor); Holtzkocker (cortador de madeira); Geltschimidt (ourives); Kreigsman, Krigsman, Krieger, Kriger (guerreiro, soldado); Eisener (ferreiro); Fischer (peixeiro, pescador); Gleizer (vidreiro).
Utilizaram-se as palavras de forma simples, combinadas e com a agregação de sílabas como "son", filho; "man", homem; "er", que designa lugar, agregando-se, preferencialmente, após o final do nome da cidade. Em muitos países adaptaram-se as terminações dos sobrenomes ao uso do idioma do país como o sufixo "ski", "sky" ou "ska" (para o caso de nomes de mulher), "as", "iak", "shvili", "wicz" ou "vich". Na Polônia, a mulher tinha um sobrenome diferente do masculino, terminava em "ska", no lugar de "ski", indicando assim o seu gênero.
Desta forma, com a mesma raiz, temos, por exemplo: Gold, que deriva em Goldman, Goldrossen, Goldanski, Goldanska, Goldas, Goldiak, Goldwicz, etc. A terminação indica que idioma se falava naquele país de onde se originou o sobrenome.
Nomes de cidade ou país de residência: Berlin; Berliner; Frankfurter; Danziger; Oppenheimer; Deutsch ou Deutscher (alemão); Pollack (polonês); Breslau; Mannheim; Cracóvia; Warshaw (Varsóvia);
Nomes complexos: Gluck (sorte); Rosen (rosas); Berg (montanha); Rosenblatt (papel ou folha de rosas); Rosenberg (montanha de rosas); Rothman (homem vermelho); Koenig (rei); Koenigsberg (a montanha do rei); Spielman (homem que joga ou toca); Lieber (amante); Wasserman (morador da água); Kershenblatt (papel de igreja); Kramer (que tenta se passar como não judeu);
Nomes designados (normalmente indesejáveis) : Plotz (morrer); Klutz (desajeitado) ; Billig (barato).
Sobrenomes sefaradim:
Entre os sobrenomes judaicos espanhóis é fácil reconhecer ofícios designados em árabe ou em hebraico, como: Amzalag (joalheiro); Saban (saboneiro); Nagar (carpinteiro) ; Haddad (ferreiro); Hakim (médico).
Profissões relacionadas com a sinagoga: Hazan (cantor); Melamed (maestro); Dayan (juiz); Cohen (sacerdote); Levy, Levi (auxiliar do templo);
Títulos honoríficos: Navon (sábio); Moreno (nosso mestre) e Gabay (oficial).
Muitos sobrenomes espanhóis adquiriram pronuncia ashkenazi na Polônia, como, por exemplo, Castelanksi, Luski (que vem da cidade de Huesca, na Espanha) ou tomaram como sobrenome Spanier (espanhol), Fremder (estranho) ou Auslander (estrangeiro) .
Na Itália, a Inquisição se instalou depois da Espanha, o que levou os judeus italianos a emigrarem para a Polônia. Apareceram, então, o sobrenome Italiener e Welsch ou Bloch, porque a Itália é também chamada de Wloche em alemão.
Sobrenomes oriundos da Bíblia:
Uma boa quantidade de sobrenomes judeus deriva dos nomes bíblicos ou de cidades européias da Ásia Menor. Isto ocorre pois os judeus levavam consigo as pegadas dos lugares em que originaram.
Tomemos como exemplo de "raiz de sobrenome" o nome de Abraham (Abrahão). Filho de Abraham se diz diferentemente em cada idioma: Abramson, Abraams, Abramchik, em alemão ou holandês; Abramov ou Abramoff, em russo; Abramovici, Abramescu, em romeno; Abramski, Abramovski, nas línguas eslavas; Abramino, em espanhol; Abramelo, em italiano; Abramian, em armênio; Abrami, Ben Abram, em hebraico; Bar Abram, em aramaico; Abramzadek ou Abrampur, em persa; Abramshvili, em georgiano; Barhum ou Barhuni, em árabe. Podem-se constatar essas variações também quanto aos sobrenomes derivados de Isaac e Jacob.
Os judeus de países árabes também usaram o prefixo "ibn". Os cristãos também passaram a usar seus sobrenomes com agregados que significam "filho de". Os espanhóis usavam o sufixo "ez", os suecos o sufixo "sen" e os escoceses "Mac", mas no início do sobrenome. Todavia, os sobrenomes judaicos não tomaram a terminação sueca, nem o prefixo escocês.
Há também sobrenomes judeus que seguem o nome de mulheres, mas é menos comum. Às vezes isto acontecia porque as mulheres eram viúvas ou por terem sido figuras dominantes na família. Goldin vem de Golda; Hanin de Hana; Perl ou Perles de Rivka. Um fato curioso apresenta o sobrenome Ginich: a filha do Gaon de Vilna se chamava Gine, e se casou com um rabino vindo da Espanha. Seus filhos e netos ficaram conhecidos como os descendentes de Gine e tomaram o sobrenome Ginich.
Também há sobrenomes derivados de iniciais hebraicas, como Katz ou Kac, que, em polonês, pronuncia-se Katz. São duas letras em hebraico, K e Z, iniciais das palavras Kohen Zedek, que significa "sacerdote justo".
Sobrenomes adquiridos em viagens:
Nos sobrenomes que derivam de cidades, a origem é clara em Romano, Toledano, Minski, Kracoviac, Warshawiak (de Varsóvia).
Outras vezes o sobrenome mostra o caminho que os judeus tomaram na diáspora. Por exemplo, encontramos na Polônia sobrenomes como Pedro, que é um nome ibérico. O que indica? Foram judeus que escaparam da Inquisição espanhola no século XV. Em sua origem, possivelmente eram sefaradim, mas se mesclaram e adaptaram ao meio ashkenazi.
Muitas avós polonesas se chamam Sprintze. De onde vem esse nome? O que significa? Lembrem-se que em hebraico não se escrevem as vogais, assim se escreve em letras hebraicas o  nome Sprinz, que em polonês se lê Sprintze. Mas como leríamos esse nome se colocássemos as vogais? Em espanhol, seria Esperanza e, em português, Esperança, que escrito em hebraico e lido em polonês resulta Sprintze.
Mudança de sobrenomes:
Existem muitas histórias de mudanças dos sobrenomes. Durante as conversões forçadas na Espanha e em Portugal, muitos judeus se converteram, adotando novos sobrenomes, que as paróquias escolhiam para os "cristãos novos", como, Salvador ou Santa Cruz. Outros receberam o sobrenome de seus padrinhos cristãos.
Mais tarde, ao fugir para a Holanda, América ou ao Império turco, voltaram à religião judaica, sem perder seu novo sobrenome. Assim apareceram sobrenomes como Diaz ou Dias, Errera ou Herrera, Rocas ou Rocha, Marias ou Maria, Fernandez ou Fernandes, Silva, Gallero ou Galheiro, Mendes, Lopez ou Lopes, Fonseca, Ramalho, Pereira e toda uma série de denominações de árvores frutíferas (Macieira, Laranjeira, Amoreira, Oliveira e Pinheiro). Ou ainda de animais como Carneiro, Bezerra, Lobo, Leão, Gato, Coelho, Pinto e Pombo.
Outra mudança de sobrenomes foi causada pelas guerras. As pessoas perderam ou quiseram perder seus documentos e se "conseguia" um passaporte com sobrenome que não denunciava sua origem, para cruzar a salvo uma fronteira ou escapar do serviço militar.
Nos fins do século XIX, o Czar da Rússia exigia 25 anos de serviço militar obrigatório, especialmente dos judeus. Quantos imigrantes fugiram da Rússia e da Ucrânia com passaportes mudados para evitar uma vida dedicada ao exército do Czar?
Outra questão é que somos filhos de imigrantes, e muitos sobrenomes se desfiguraram com a mudança de país e de idioma. Às vezes eram os funcionários da Alfândega ou da Imigração, outras o próprio imigrante que não sabia espanhol, ou escrevia mal. Por isso, muitos integrantes da mesma família têm sobrenomes similares em som, mas escritos com grafia diferente
Esses são só alguns dos milhares de sobrenomes judeus existentes. E assim, a história continua... 

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Reflexões...

Creio que é sempre preciso refletir, e talvez a mais urgente de todas as reflexões seja sempre aquela que fazemos sobre nós mesmos. Isso devido ao fato de que somos como prismas com relação ao mundo que nos cerca, sua luz passa por nós e não permanece intacta, mas se quebra e se modifica num espectro mais amplo do que aquele do princípio. Ao refletir sobre o mundo, urge refletirmos sobre nós mesmos, pois toda idéia que surgir dessa reflexão, tem a nós como solo, desse solo brota e esse solo, nossa alma, as sustêm, e eu conheço poucas coisas mais importantes do que idéias, logo, esse olhar reflexivo é fundamental para qualquer um que pretenda ter idéias. Talvez, não para qualquer um que pretenda ter idéias, algumas pessoas fazem questão de ter idéias as mais tolas, ou as mais estranhas, e para se ter esse tipo de idéia o fundamental é justamente a irreflexão. Para aqueles que desejam que suas idéias sejam mais do que opiniões e ilusões quiméricas, todavia, é preciso perguntar por si mesmo. Hoje resolvi dedicar algum tempo do meu dia a fazer isso, pensar sobre mim mesmo.

O que motiva essa modesta reflexão é um hábito que tenho muito arraigado de estar em muitos lugares e em lugar algum ao mesmo tempo. É curioso como muitos encontram definições para si a partir de lugares, reais ou imaginários. Quando estou em São Paulo sou cearense, é uma das primeiras coisas que se diz ao meu respeito, quando estou em meu torrão natal, confesso que a condição de ser cearense não me interessa de maneira particular nem me define, mas esse é um lugar concreto, por mais que, quando esteja fora dele não seja mais do que uma idéia. Muitas vezes os lugares são pessoas, eu sempre sou, em algum momento, o filho de alguém, o irmão de alguém, o amigo de alguém, o namorado de alguém ou colega ou o que seja. Curiosamente, percebo que esse tipo de lugar é caro para muitos, é uma sombra amena e confortável. Na política se é pessoa de confiança do senhor beltrano ou sicrano, e nessa posição se encontra o profundo e inebriante prazer de ser. As pessoas mesmas não são importantes, mas trabalham com algum senhor de grande dignidade e poder, e usam o nome desse dignitário quase como sobrenome, e isso as define. Em algumas situações, o trabalho é esse lugar, costumo dizer que sou professor, mas já se vão alguns meses que não coloco os pés numa sala de aula. É comum ouvir este tipo de apresentação “este é o senhor sicrano, cardiologista”, e nenhuma outra apresentação se faz necessária, estamos diante de um cardiologista, ali está toda a dignidade de uma classe de homens dedicados a salvaguardar a saúde de nossos combalidos corações, que outro tipo de explicação é necessária? Há também a ideologia, ou os movimentos, os “ismos” como Jung gostava de chamá-los, com uma pontinha de ironia. Sou feminista, sou machista, sou do movimento GLBTT (se é que essa ainda é a sigla e não acrescentaram mais alguma letra, creio que logo será o movimento ABC, pra simplificar, pois certamente vai começar no A e terminar no Z), sou do movimento negro, sou sionista, sou anti-semita, comunista, capitalista, burguês. É comum que as pessoas encontrem a si mesmas nesses estranhos espelhos, que refletem tudo menos o indivíduo, que neles se perde. É comum também que sirva para identificar com facilidade o outro “cuidado, fulano é comunista”, ou “aquele sujeito é machista”. Há certamente as igrejas, as mais variadas, não basta ser cristão, é preciso ser um batista da igreja da graça da benção da esquina, ou algo que o valha, sunita, xiita, sefardita, askenazi, e esses lugares dizem muito a muita gente. Quem nunca ouviu o deleite com que algumas pessoas dizem sobre si mesmas “sou da igreja”, ou “sou judeu”, e eu me pergunto, o que ela realmente está dizendo sobre si? Que de fato há uma identidade expressa nessa fala eu não duvido.

O que me leva a refletir é que estou sempre em muitos lugares, conheço e me relaciono com pessoas de todas as idades, dos 18 aos 70. Às vezes estou em meio aos lutadores, outras vezes em meio aqueles que buscam a verdade espiritual, noutras estou no seio dos materialistas e niilistas, em alguns momentos entre os pobres, noutro entre os muito ricos. Encontro alegria ao estar em meio as pessoas da arte, algumas vezes gosto de passear pelas terras dos boêmios, e posso ser encontrado amiúde entre os acadêmicos, alguém poderia até dizer que sou um deles. Mas em todos esses lugares me sinto a vontade, e em todos esses lugares me sinto um estranho. Algumas vezes me pego pensando que sou um intelectual, mas com igual propriedade poderia dizer que sou um artista marcial, ou melhor, um militante político, ou ainda, um homem de fé. Isso me rouba o prazer que percebo nas outras pessoas em ter seus lugares favoritos, é comum até, que quando estou num desses lugares, seja confundido com um nativo, até aceito pelos locais como um de seus pares, mas eu sei, e só eu sei, que sou estrangeiro. Estou sempre de passagem, num momento conversando com deleite intelectual sobre psicanálise, para em seguida estar conversando despreocupadamente sobre desenhos animados. Discutindo os rumos da política, analisando tendências e arquitetando cenários possíveis e planejando táticas, para poucas horas depois estar falando sobre teatro ou música, sempre me movendo. Quando estou onde estou, minha paixão pelo momento confunde, e faz pensar que aquele é o meu lugar, o que me define, mas no momento seguinte a paixão se desloca para outro lugar, e se muda de mala e cuia. E o que me preocupa é não ter ou não querer ter o passaporte de nenhum desses lugares pelos quais me movo. Querer ter sempre a perspectiva de ter muitas perspectivas, de ser sempre mercurial e não estar preso.

Mas há um contentamento secreto em estar preso, a prisão é construída com as barras de ferro da certeza. Não duvide caro leitor que, quando perguntar a alguém “quem é você?” depois da resposta óbvia do nome de batismo, ou apelido, ou ambos, virá algo como “sou do PT”, ou “trabalho em tal lugar”, “estudo naquela...”, “sou namorada do fulano”, a insistência na pergunta, “quem é você?” levará apenas ao mal estar, se levar é claro. É mais provável que se pense simplesmente estar diante de algum parvo “ora bolas? Mas não acabo de responder?” pensará a pessoa que responder com esses lugares a que me referi, “sou um artista”, “sou escritor”, e tantos outros. É comum até que, quando alguém se identifica com um desses lugares, evita os outros ou só os observa de longe, numa postura que muitas vezes me parece bastante sensata, como o catedrático que passa ao largo do grupo de estudantes, com, no máximo, um digno e distante meneio de cabeça. Eu de minha parte, muitas vezes tenho benefícios por estar perpetuamente me movendo, mas como disse antes, é sensato estar num lugar bem definido e evitar os demais. A minha reflexão visa justamente pensar essas minhas andanças simbólicas, e essa falta de lar ou de pertencer a esses lugares. Isso porque, no fundo, vejo com certa clareza que se trata de um jogo de máscaras, e me divirto em colocá-las e tirá-las, e que essas máscaras não podem nos definir, todavia, a ilusão de que elas nos definem é algo que traz alento. O fato mesmo de estar refletindo sobre isso, que normalmente é algo sobre o qual não se reflete, já mostra uma certa impossibilidade de armar um acampamento mais definitivo em algum lugar. Não que eu saiba mais, talvez eu saiba menos, pois não tenho as certezas que a permanência em um desses lugares traz, certezas que trazem muitos tipos de alívio. Para o andarilho, o pó da estrada é a dúvida e a certeza é algo que fica para trás como as placas do caminho.

Mesmo assim, eu também preciso de algum alento e percebo que, se há algum lugar em que me sinto em casa mais do que os outros, e ao qual retorno com certa freqüência, é este: as letras. Entre elas e brincando com elas, ou as organizando para expressar alguma idéia complicada, ou simplesmente pelo prazer de mexer com elas, sinto que poderia um dia ter uma casinha por aqui, cercado de letras. Por enquanto, fica como o lugar que gosto de voltar e me sentar para olhar distraído para o horizonte enquanto bato o pó da estrada da sola dos meus sapatos e penso sobre as minhas peregrinações. Pois eu, de minha parte, não sei a resposta para a pergunta “quem é você?”, ou ao menos, não sei ainda...