segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Por que o Japão?



Ontem durante o último dia de SANA-fest, na sala temática da Toca-Ce, tivemos um bate papo com autores de fantasia de Fortaleza e, em determinado momento, Rodrigo Passo-Largo, que conduzia animadamente nossa conversa pediu que fizéssemos perguntas uns aos outros e a escritora Kamile Girão (muito fofa como sempre), me perguntou “Por que o Japão?”. Creio que a pergunta é muito pertinente, por isso, vou tentar respondê-la novamente por escrito.

Eu já publiquei 3 livros, dois deles possuem temática oriental. Meu primeiro livro Naruto e a Mitologia Oriental, um estudo de mitologia comparada tendo por base o manga/anime Naruto, explorando, principalmente, os aspectos das mitologias japonesa e chinesa na referida obra. E a pergunta da Kamy se refere ao meu romance de Dark Fantasy OBAKEMONO que utiliza personagens da mitologia e folclore japonês e, algumas criaturas, histórias e deuses da Índia e da China. A tal ponto a influência é poderosa, que o título do livro é uma palavra em japonês obakemono (化け物) significa – numa tradução livre – monstro.

Apesar de eu acreditar firmemente que o meu livro não é uma extensão de mim, ou um simples reflexo da minha personalidade, eu não tenho outra opção para responder a esse questionamento a não ser fazendo referência a minha biografia. Minha mãe era – e é até hoje – fã de Bruce Lee, e, assim que eu me coloquei sobre duas pernas, me incentivou a praticar artes marciais. Comecei com judô aos 6 anos de idade, eu era uma criança miúda e muito magra, minha faixa azul dava voltas e mais voltas na minha cintura. Anos depois, já crescido, eu achei essa mesma faixa e ela sequer dava a volta na minha cintura, mesmo eu sendo um sujeito esbelto. Pelos próximos 3 anos eu treinaria judô regularmente e, depois, aos nove e até os 16, mais ou menos, passei a treinar Karatê. As duas artes marcais japonesas tiveram um peso imenso na formação do meu caráter, me dando um poderoso senso de disciplina, estoicismo e autocontrole.

Mais ou menos por volta de 1996, ou 97, comecei a treinar Kung Fu Shaolin do Norte (minha grande paixão) e, alguns anos antes, comecei a ler tudo o que me caía nas mãos sobre budismo e taoismo. Um belo dia, mais ou menos por essa época, eu vi uma reportagem no jornal com uma foto enorme de um monge zen a caráter que falava de uma sanga de budismo Soto zen em Fortaleza. O monge Zen era Flávio Bombonato, discípulo direto de Tokuda, e que viria a se tornar também um bom amigo e meu professor de Shiatsu e medicina chinesa. Eu passava dos livros sobre budismo para a prática, justamente com a mais prática de todas as escolas Mahayana. Mais ou menos por volta do ano de 2000 eu comecei a estudar japonês no Curso de línguas na UECE (hoje um dos melhores do nordeste) ao mesmo tempo em que iniciava meu curso de graduação em história e, um pouco antes do grande boom dos quadrinhos e desenhos animados japoneses.
Um dos nossos professores, o lendário sensei Hendrik, hoje residindo no Japão, possuía além de uma enorme e imorredoura paixão pela língua japonesa, uma imenso fascínio pelo ninjutsu. Depois de sua primeira viagem ao Japão para estudar, por volta de 2003, eu acho, ele retornou tendo treinado com o Shinhan Nakadai, da Bujinkan, e formamos um grupo de treinos de ninjusu – muito brutal e muito divertido – e depois fizemos contato com o shidoshi Miguel Greg – um artista marcial incrível e um sujeito muito bacana – que passou a nos orientar. Hendrik depois de se mudar definitivamente para o Japão deixou de lado a Bujinkan em virtude da impossibilidade da escola de comprovar historicamente qualquer ligação com o ninjutsu histórico e passou a se dedicar ao Iajutsu da escola Shinkage ryu.

Foi desse caldo que mistura artes marciais, língua japonesa e budismo, que surgiram os romances que escrevi, OBAKEMONO é o primeiro a ser publicado. A pergunta da Kamile, todavia, me parece permanecer sem resposta, ou, ao menos, sem uma resposta objetiva. Creio que talvez uma resposta possível seja a de que foram essas imagens, da rica, colorida e exuberante mitologia asiática, que a minha alma elegeu para representar a si mesma por meio da fantasia. Eu também venho estudando filosofia e mitologia grega desde moleque, creio que desde os nove anos, mas, ainda assim esses elementos só aparecem de maneira indireta na minha obra. No fundo, eu creio que uma resposta definitiva para essa questão é um mistério, e, talvez, decifrar o mistério da minha alma, que se expressa por meio daquilo que escrevo, seja algo demasiado para esse curto texto ou, quem sabe, para essa minha curta vida...

domingo, 4 de janeiro de 2015

DARK FANTASY?

Meu romance OBAKEMONO foi publicado no Kindle Self Publishing (KDP) no gênero Dark Fantasy/Fantasia Sombria (na verdade um sub-gênero de Fantasy/Fantasia), estava com o meu amigo Filipe Jesuíno colocando o livro online quando decidimos por essa classificação, não pensamos muito a respeito no momento, mas em vista de inúmeros debates que já tive a oportunidade de ver online sobre o tema, resolvi pensar a respeito e pretendo fazê-lo segundo três linhas de raciocínio, a primeira sobre o alcance, necessidade e limites desse tipo de classificação, o segundo sobre o possível ou possíveis significados de Dark Fantasy e, por fim, o mais complicado para mim, analisar se a minha obra pode, de fato, ser considerada Dark Fantasy e, principalmente, se isso importa.



Uma classificação, estimado leitor, é um método que consiste em criar tipos, mas, nesse sentido, o que é um tipo? Como escrevi em outro dos meus textos, os tipos são uma descrição dedutiva de impressões empíricas, ou seja, registram essas recorrências típicas observadas ao se agrupar os fenômenos. Um tipo tem a serventia de agrupar fenômenos análogos e afins. Uma vez mais fazendo referência ao meu outro ensaio, um tipo diz respeito à possibilidade de classificação em virtude de características similares obervadas na descrição dos fenômenos que a princípio parecem infinitamente multifacetados, mas que guardam similaridades entre si. Em certo sentido, significa agrupar determinados fenômenos, de maneira mais ou menos arbitrária, em virtude de suas similaridades deixando de lado suas diferenças. Em certo sentido, eles designam grupos fenomenológicos, em nosso presente caso, literatura. Ao criarmos essas classificações tornamos a realidade mais palatável, ao invés de uma multiplicidade infinita, encontramos similaridades e as agrupamos. O método possui inegáveis vantagens, mas sua principal desvantagem é a tentação, sempre presente, de substituir a realidade por palavras, e achar que os tipos (classificações ou rótulos) importam mais do que os fenômenos que eles designam, todos eles fenômenos individuais e com idiossincrasias que extrapolam o escopo da tipologia.



A explicação pode parecer um pouco árida, mas creio que não é ociosa, assim percebemos que ao criarmos tais classificações ou rótulos, ou tipos, estamos agrupando fenômenos em virtude de sua similaridade e dando a esses grupos nomes mais ou menos arbitrários, mas com isso, temos uma maior facilidade ao lidar com sua multiplicidade.

Nesse sentido, quais são essas similaridades que fazem com que um determinado fenômeno – uma obra literária – possa ser agurpada sob essa designação, Dark Fantasy? Aqui entramos no terreno do “arbitrário” em um grau razoavelmente elevado, daí os debates acerca do uso ou mau uso do termo. Tentarei não ser cansativo, talvez a definição mais sucinta seja a de que Dark Fantasy se refira a qualquer obra que combine elementos de fantasia com horror. Por mais que seja uma definição elegante, ela não nos leva muito longe, pois nos remete a dois outros “tipos” ou classificações: fantasia e horror. Mas, voltando a vaca fria, o termo também costuma ser utilizado, mais livremente, para descrever obras em que existe um clima de medo, uma atmosfera sombria ou horror. Para piorar a situação, os dois autores que criaram o termos – outra autora também disputa o crédito – se referiam a materiais bem diferentes entre si, eram eles Charles L. Grant e Karl Edward Wagner. De acordo com Brian Stableford, o termo define um subgênero que junta horror a fantasia mais tradicional, entretanto, diferencia o aparecimento de elementos sobrenaturais nessas histórias, caso surjam no “mundo primário” trata-se do gênero “fantasia contemporânea”, caso esses mesmo elementos surjam no “mundo secundário” aí sim estaríamos realmente falando em Dark Fantasy.



Para piorar a nossa situação, há ainda aqueles que argumentam que o termo se aplica a histórias de horror em que a humanidade se encontra ameaçada por forças além de sua compreensão, ou ainda, histórias de horror em que a narrativa é contada da perspectiva do “monstro”, em contraste com a perspectiva das “vítimas”, mais comum no horror tradicional. Muitas vezes Sandman de Neil Gaiman é considerado Dark Fantasy, outras vezes, o termo é utilizado apenas para se referir a histórias de horror com elementos sobrenaturais. Temos uma bela confusão, não?



Para a autora do blog Creative Pen, Joanna Penn, uma obra pode ser classificada como Dark Fantasy quando lida com quaisquer elementos de fantasia e/ou paranormal de uma maneira que estude o lado sombrio e assustador da nossa natureza, num sentido psicológico, o estranho, o sublime e o misterioso. Diferente simplesmente do horror, cujo objetivo primordial seria causar medo ou susto. É uma definição tão boa quanto qualquer outra, mas que me agrada em especial.


Agora vamos a parte complicada para mim, refletir sobre o meu romance. Por certo OBAKEMONO está recheado de elementos sobrenaturais, especialmente monstros – o título é bem sugestivo, visto poder ser traduzido do japonês justamente como monstro – especialmente assombrações do folclore japonês. Além disso, em larga medida, temos a perspectiva desses seres sobrenaturais – vários dos protagonistas são seres “sobrenaturais”,  todavia não há exatamente um clima de medo, ou lúgubre e opressivo, tampouco há elementos distópicos. O clima mais geral do livro é de aventura, com pitadas de suspense, humor e muita ação, entretanto, a se pensar na definição de Penn, o aspecto psicológico se faz presente com bastante força, mas de maneira sutil, eu diria. No caso do meu romance é complicado falar em “mundo primário” e “mundo secundário”, mas com alguma licença isso se faz presente em momentos mais específicos da narrativa. Creio eu, no entanto, que a combinação específica de elementos que fiz nessa obra a façam difícil de enquadrar tanto no gênero horror, quanto Dark Fantasy, ou mesmo “fantasia contemporânea”, a despeito desses elementos estarem lá presentes. Nesse caso, eu apelo aos meus leitores e, humildemente lhes peço a sua opinião e impressões sobre o tema levantado aqui no que concerne ao meu livro. No mais, creio que interessa mais ao leitor três pontos: trata-se de um bom livro? É uma história divertida? Ela lhe causou espanto, lhe moveu de alguma maneira, lhe fez refletir? Se sim, o restante são detalhes...