domingo, 30 de janeiro de 2011

Marina e a Imprensa

Meu avô assinava a revista época, e mesmo após a sua morte minha avó continuou recebendo semanalmente a revista, devido a esse fato sempre a leio aos domingos. Neste domingo em particular, uma notícia discreta me chamou a atenção, segue abaixo a notícia:
Nova Tribuna: Bem-sucedida na campanha presidencial, Marina Silva fica sem mandato a partir desta semana. Mas não quer ficar sem tribuna. Ela vai formar uma fundação que levará seu nome e terá sede em Brasília, onde Marina reside.
Uma vez mais a imprensa insiste nessa história estapafúrdia de que Marina Silva foi “bem-sucedida” nas urnas, o próprio texto se contradiz, logo depois de afirmar o sucesso da candidata que ficou em terceiro lugar, afirma que ela vai ficar sem mandato. Para os leigos em eleição vou fazer uma pequena explicação: você ou alguém se candidata e é votado pelos eleitores se for bem sucedido consegue um cargo eletivo, do contrário não. Parece uma matemática simples, mas a imprensa parece ter uma lógica particular ao lidar com a derrota de Marina, já que nas eleições ela foi “bem-sucedida”, porém ficou sem mandato.

As palavras podem ser sinuosas, possuem caminhos e descaminhos, pode se dizer ou afirmar coisas de muitas maneiras, escolhendo com cuidado as palavras e os ângulos a serem apontados. Como a velha piada de “subir no telhado” para se fazer rodeios sobre a morte de alguém. Ou como dá vez em que me contaram que um fulano escreveu em seu currículo que possuía "conhecimentos avançados de programação básica". Neste caso, é flagrante a tentativa de mostrar a candidata derrotada como vencedora com o intuito velado de desacreditar a vitória de Dilma nas urnas. O próprio Lula já comentou sobre isso usando uma metáfora futebolística ao dizer que se Marina, que chegou em terceiro, foi vitoriosa, o Timão teria sido campeão, pois também ficou em terceiro no brasileirão.

Como a imprensa (um “grande anônimo” como dizia Jung, melhor dizendo as pessoas por trás desse “grande anônimo”) não dão sinais de que pretendem voltar a usar a lógica comum de que quem perdeu foi derrotado, devíamos começar a tirar proveito disso. Meu amigo Mirandinha, que infelizmente andou perdendo uns jogos a frente do Ferroviário ao se dirigir a imprensa esportiva devia falar “bem, hoje fomos bem-sucedidos em campo”, se algum repórter achasse estranho, bastaria lembrá-lo que eles mesmos mudaram as regras do jogo. Os repórteres alteraram o vernáculo português só para chatear o Lula e enaltecer a Marina, devíamos exclamar todos com orgulho, usando à maneira jornalística a última flor do Lácio: “a nível de eleição, Marina vai estar sendo bem-sucedida, pois está ficando esta semana sem a questão do mandato”. Vai que eles estão apenas levando ao pé da letra o dito de que “os últimos serão os primeiros” ou que “quem ri por último ri melhor”. Bom, na minha opinião, quem ri por último não deve ter entendido a piada...

domingo, 23 de janeiro de 2011

O que é Marxismo?

Sou filiado ao PT do Ceará desde os meus dezesseis anos, meu pai é um dos fundadores do PT e uma de suas maiores expressões políticas, e por muito tempo acompanhei discretamente a vida partidária e as eleições. Somente há pouco tempo passei a me envolver mais diretamente com a vida partidária, apesar de nos meus tempos de faculdade sempre ter feito parte do movimento estudantil, tendo participado dos CAs de veterinária e depois história. Pois bem, o PT é dividido em corrente ideológicas chamadas de tendências, a tendência da qual faço parte é chamada de “tendência marxista”, TM para encurtar. Apesar da menção ao marxismo em sua denominação, no último encontro estadual da TM, várias pessoas desconheciam o marxismo e seu idealizador Karl Marx. Devido a esse fato um tanto insólito, resolvi escrever aqui de maneira resumida e didática sobre o Marxismo.

Karl Heinrich Marx, nascido em 5 de Maio de 1818 em Trier, na região do Reno, na Alemanha, foi um judeu filósofo, historiador, cientista político, sociólogo, jornalista e revolucionário. Marx estudou direito na Universidade de Bonn, doutorou-se em 1841 em filosofia na Universidade de Berlim e escreveu diversas obras de relevância em parceria com seu amigo e principal colaborador Friedrich Engls, entre essas obras se destaca O Capital (das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie) publicado pela primeira vez na Alemanha em 1867, e editado por Engls, onde explicita suas principais teorias que abrangem economia, sociologia, política, história e filosofia. Suas idéias se tornaram conhecidas como Marxismo ou socialismo científico. A teoria contida no O Capital é uma análise do Capitalismo baseada no modelo de capitalismo industrial inglês do século dezenove, fundamentado em vasta documentação existente na Biblioteca do Museu Britânico, que Marx estudou com grande profundidade.

Em linhas gerais, Marx acreditava que não existia uma essência humana inalterável, e criticava Hegel pela idéia deste de que o espírito seria o fundamento absoluto da natureza, ao contrário a natureza era o fundamento do espírito. As causas materiais, a natureza, é o fundamento do espírito, sendo mais importantes as causas materiais. Devido a isso o trabalho é um conceito central nas idéias marxistas, pois no processo de trabalho o homem e a natureza são alterados. Marx criticava a filosofia de seu tempo, pois julgava ser necessário uma crítica que levasse a uma prática revolucionária e realmente transformadora.

Para Marx a sociedade está dividida entre duas classes: aqueles que detêm os meios de produção, e aqueles que possuem apenas a sua força de trabalho. O motor da história, aquilo que leva as mudanças sociais e econômicas é a luta de classes. Em sua análise do Capitalismo, ele o classifica como um “modo de produção” e analisa as características históricas desse modo de produção tendo por base as causas materiais e econômicas. No capitalismo existem basicamente duas classes: Burguesia e o proletariado. A burguesia é dona dos meios de produção e para se perpetuar no poder explora o proletariado que possui apenas sua força de trabalho. O lucro não é o bastante para perpetuar o poder da burguesia, daí o conceito de mais-valia, a “exploração do homem pelo próprio homem”. A mais valia é a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador.

Essa exploração é possível pela característica do capitalismo industrial, em que o trabalho é fragmentado numa linha de produção especializada. Nos regimes de trabalho anteriores ao industrialismo o trabalhador tinha ciência do valor de seu trabalho, pois conhecia todo o processo que levava a produção de um bem, uma espada por exemplo. Mas com o advento da especialização da linha de montagem o saber do trabalhador também se fragmenta e ele perde a noção do real valor do seu trabalho. Para Marx o Capitalismo produz seu próprio algoz, pois a classe trabalhadora, o proletariado é uma classe naturalmente revolucionária. Para que os trabalhadores tomem consciência de seu papel histórico revolucionário eles precisam passar pelo que ele chamou de processo de “reificação”, de tomada de consciência de que são vítimas da exploração e que o próprio Capitalismo precisa da exploração e da mais-valia para se perpetuar.

Em conjunto, as idéias político e econômicas de Marx são chamadas de materialismo histórico dialético. Para Marx o fundamento material da existência, o trabalho e as forças produtivas são a estrutura e o fundamento de tudo o mais que existe numa sociedade. O “espírito” a cultura, as artes e tudo o mais é derivado ou condicionado por essa estrutura econômica. As relações sociais só se modificam quando se modificam as forças produtivas. As mudanças nas forças produtivas ao longo da história e a sucessão de modos de produção que ele propõem, se devem ao entrechoque de forças gerado pela luta de classes, sendo esse o motor da história. Para Marx a história da humanidade possui uma direção e uma finalidade, após a superação do Capitalismo viria à ditadura do proletariado e por fim o Comunismo, o “fim da história”, pois teria fim à luta de classes.

Bom, em linhas gerais é isso, todavia a contribuição de Marx para a filosofia, sociologia e economia é vasta e complexa e esse pequeno escrito não é mais do que uma introdução a alguns dos conceitos fundamentais.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Dia do Ceará

D. João III adotou o sistema de capitanias hereditárias para dar solução ao problema do povoamento do Brasil, dividindo o território em lotes separados uns dos outros por linhas paralelas ao equador. O atual território do Ceará compreendia três dessas capitanias. Uma delas doada a João de Barros e Aires da Cunha, a capitania propriamente batizada de Siará doada a Antônio Cardoso de Barros, e a última doada a Fernão Álvares de Andrade. Nenhum dos donatários jamais veio ao que viria a se tornar o Ceará, que permaneceu sem ocupação europeia durante o século XVI.

As tentativas de ocupação das terras que viriam a ser conhecidas como Siará e depois Siará-Grande pelos europeus se Inicia apenas no século XVII com a expedição do açoriano Pero Coelho de Souza. A segunda tentativa, de caráter catequético, foi a expedição dos padres jesuítas Francisco Pinto e Luís Filgueiras. Francisco Pinto foi morto pelos nativos e Luís Filgueiras abandonou essas paragens para evitar destino semelhante. Novamente tentaram os portugueses tomar posse efetiva dessas terras com a expedição de Martins Soares Moreno, que inspirou o personagem de mesmo nome do romance Iracema e é tido como o fundador da capitania do Ceará. Soares Moreno levantou um pequeno forte de madeira que durou algum tempo, mas foi tomado pelos Holandeses em 1637. Os holandeses permaneceram por estas terras até 1644 quando foram massacrados pelos índios. 

Em 1649 os flamengos liderados por Mathias Beck fizeram nova incursão nas terras do Ceará. Beck e seus homens aportaram na enseada no Mucuripe em seguida iniciaram a construção do forte que viria a dar origem à cidade de Fortaleza, batizado de Schoonenborch, em homenagem ao então governador de Pernambuco. Esse forte estava situado no mesmo local onde posteriormente foi construída a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Após cinco anos os holandeses se retiraram do Ceará após sua derrota e expulsão do Brasil.

O Decreto régio de 13 de junho de 1621 dividiu a colônia portuguesa em dois estados: estado do Maranhão e Grão-Pará e estado do Brasil. O Ceará tornou-se subordinado ao primeiro, em 1656 o Ceará ficou subordinado a Pernambuco. Com a carta régia de 17 de janeiro de 1799, a coroa portuguesa tornava a administração da capitania do Siará independente de Pernambuco, podendo realizar comércio diretamente com o reino. Em 25 de Setembro de 1799 chega ao Ceará o Chefe de Esquadra Bernardo Manoel de Vasconcelos para ser o primeiro governador. Tem início, assim, a história de autonomia política em relação a Pernambuco, e a possibilidade do Ceará manter relações comerciais com a metrópole. 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O que é mito?

Campbell possui uma definição bastante de jocosa de mito: “mito é a religião do outro, e religião não passa de mito mal compreendido”. A minha religião é a verdade, e todas as demais são meros mitos, pois essa palavra adquiriu a acepção de mentira, falsidade. Logo, para um mulçumano convicto, ou um católico, as grandiosas imagens do Hinduísmo não passam de fábulas, histórias da carochinha, do mesmo modo, para os Hindus, a religião de Maomé não passa de um amontoado de bobagens sem sentido. 

Além dessa definição brincalhona, mas ao mesmo tempo reveladora, Campbell entendia a mitologia como um organização de figuras metafóricas conotativas de estados de espírito que não pertencem definitivamente a este ou àquele local ou período histórico, embora as figuras elas mesmas possam sugerir uma localização concreta. Embora as mitologias nos falem de terras prometidas, paraísos terrestres, dos palácios dos deuses ou montanhas sagradas e proponham uma geografia metafísica, Campbell nos alerta que: “as metáforas apenas parecem descrever o mundo exterior do tempo e do espaço. Seu universo real é o domínio espiritual da vida interior. O reino de deus está no interior de você.”.

Jung, grande psiquiatra e psicólogo do século vinte, acreditava que o mito é um fenômeno inerente a condição humana, uma formação natural de nossa psique. Para ele, o mito está para o homem como o canto para o rouxinol ou o ninho para o João de barro. Os mitos surgem como produção simbólica espontânea de nossa alma, esses símbolos possuem uma conexão com regiões inauditas de nossa mente e delas extraem sua força avassaladora que Jung denominou de Numinoso, termo retirado da teologia de Rudolph Oto, pois esses símbolos podem inverter a hierarquia dos complexos e subjugar a consciência, o complexo do eu.

Tais símbolos têm validade coletiva, Jung propunha a existência de uma psique objetiva, que denominou de “inconsciente coletivo”, essa psique coletiva é formada pelo par funcional arquétipo/instinto, e é deduzida a partir dos padrões de organizações dos símbolos coletivos e individuais que surgem espontaneamente, independentes da volição consciente, e que apresentam claros padrões de organização, que advém dessa suposta “mente” coletiva que é um aspecto psicóide, similar ao psíquico, mas que não é ela mesma objeto empírico, como o é o símbolo.

Esses “estados de espírito” de que fala Campbell, fazem parte do dado coletivo apontado por Jung, não importa onde, ou quando, todo ser humano se defrontará inevitavelmente com a decadência e a morte, com a experiência sublime do amor, com o espanto diante do mistério que o universo, e com o sentido de estarmos aqui nesse mundo, com o grande mistério e horror da vida que só existe graças à morte, pois vida se alimenta de vida. Além disso, todo ser humano se depara, inevitavelmente, com  os mistérios e maravilhas de sua própria alma, do funcionamento autônomo de nossa mente e de sua imagens maravilhosas e terríveis que se manifestam em sonhos e visões ou na arte e que sugerem uma vida psíquica para além da esfera da consciência. O mito é a expressão dessa vida interior e a organização cultural dessas imagens e fonte de vida e sentindo para os indivíduos e civilizações que têm a sorte de poder viver sob seu signo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Earth's Mightiest Heroes



A Marvel finalmente conseguiu lançar um desenho animado decente. Durante muito tempo, quase todos os desenhos animados baseados em personagens da Marvel foram uma grande decepção, ou no máximo passáveis, como Wolverine e os X-Men. Ao contrário da Marvel, sua concorrente DC tem uma longa lista de excelentes desenhos animados, desde Batman, super-homem, e as duas versões da Liga da Justiça, até produções mais recentes como Batman: the brave and the bold.

O desenho dos vingadores é claramente inspirado no desenho da Liga da Justiça (na versão unlimited), os roteiros são enxutos e inteligentes, os personagens são fieis aos quadrinhos, mas com influência dos recentes filmes para o cinema, e todo o rico universo Marvel é explorado. Ao invés de se centrar em apenas um personagem, a série abre um enorme leque de possibilidades, e assim como a Liga da Justiça, explora a enorme miríade de personagens secundários e vilões não tão icônicos.

O desenho tem como eixo de suas histórias o grupo dos Vingadores, com uma formação que lembra em muito o grupo original dos quadrinhos, com a presença do Hulk, Thor, Homem de Ferro e Capitão América, com personagens entrando e saindo do grupo mostrando configurações posteriores. Todos os episódios são conectados por uma trama interdimensional orquestrada por Loki, o deus da trapaça. Loki está representado de uma maneira soberba, ele sutilmente manipula todos das sombras, sejam heróis ou vilões. Novamente os roteiristas acertaram em cheio, as trapaças de Loki foram responsáveis pelo surgimento dos Vingadores nos quadrinhos.

Além dos grandes vilões como Loki, as grandes organizações maléficas marcam presença, como a Hidra e a IMA, tornando tudo ainda mais interessante. Na primeira temporada já se fez menção aos mutantes e ao quarteto fantástico, o que me leva a ter espernaça de ver nas próximas temporadas a presença de vilões como Dr. Destino e Magneto. A todos os fãs da Marvel ou simplesmentes fãs de um bom desenho animado, finalmente uma boa pedida de desenho da Marvel.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Papa e a Ciência

Hoje li uma notícia que me chamou a atenção, o Papa aparentemente afirmava que a causa do Big Bang, a grande explosão que originou toda a matéria do universo, era Deus. Essa afirmação me pareceu interessante. Séculos atrás o Papa tinha poder para autorizar e desautorizar a ciência, como o fez com Galileu, mesmo Copérnico teve medo de divulgar suas idéias e Darwin, esse no século XIX, relutou muito em publicar sua teoria evolutiva devido à reação da religião e até mesmo sua esposa acreditava que suas idéias o tinham condenado a danação eterna. Nos nossos dias, ao invés de simplesmente negar peremptoriamente a teoria do Big Bang, ou de excomungar os seus autores, o Papa tenta se apropriar dela para justificar a existência de Deus. Talvez alguns pensem nessa afirmação papal em termos de um avanço, ou de um retrocesso, para mim não passa de caminhar em círculos, ou para usar uma expressão mais jocosa, “correr atrás do próprio rabo”.

Para muitos cientistas a religião não passa de um amontoado de superstições arcaicas, um infeliz anacronismo que sustenta a crença dos ingênuos. Na minha opinião, essa idéia é um erro grosseiro, mas parte de um equivoco fundamental de ambas as partes, tanto de religiosos como de ateus. A religião possui várias funções, Campbell destaca quatro fundamentais, entre elas a de apresentar uma imagem consistente da ordem do universo. A mitologia contida na bíblia, assim como todas as mitologias tradicionais, é um reflexo da ciência de seu tempo, ou seja, falamos aqui de um concepção de mundo imaginada há pelo menos três mil anos. Essa função, a de apresentar uma cosmologia, uma ordem cósmica, foi irremediavelmente perdida para a ciência de nosso tempo, que utiliza o método científico criado pelo mesmo Galileu que foi censurado pela igreja.
Para piorar a situação, as imagens grandiloqüentes e maravilhosas da criação bíblica são entendidas pelos crentes como relatos factuais da criação. Já os descrentes, amparados pelas mais recentes descobertas científicas, super computadores e telescópios de milhões de dólares que funcionam no espaço, as entendem como mentiras. O que leva as mais estranhas disputas, como as freqüentes discussões sobre o ensino do criacionismo nas escolas dos Estados Unidos. Ambos, crentes e descrentes, entendem essas narrativas míticas de maneira denotativa, logo para ser um crente devo acreditar numa serpente falante de num casal humano primordial e numa criação através da vontade divina de maneira literal, como a narrativa de eventos pré-históricos. Se não puder acreditar nisso de maneira literal, denotativa, o que convenhamos, é de fato desconcertante diante de nossas descobertas científicas, tenho de ser ateu. Nenhum dos dois lados, se é que existem apenas dois lados, entende essas imagens de maneira Conotativa, como imagens simbólicas, como metáforas.

O Papa, ao tentar costurar de alguma forma aquelas velhas imagens de jardim de infância, que há muito foram superadas pela ciência moderna, as teorias científicas, gera uma grande confusão. Quer dizer que o Big Bang levou sete dias para acontecer? E onde ficam Adão e Eva nessa história em que a nova cosmologia e a de mais de três mil anos atrás se misturam? Não se chega à parte alguma porque se insiste em entender essas imagens como fatos e perde-se o sentido vivo da metáfora religiosa. No fim do século XIX ganharam força às idéias que fizeram o espírito ocidental duvidar seriamente de sua venerável herança religiosa, nomes como Marx, Feuerbach, Freud, Nietzsche e tantos outros ajudaram a corroer no espírito do homem ocidental os veneráveis símbolos de nossa tradição religiosa. Isso levou a uma perda terrível, e está na raiz das afirmações desastradas do Papa Bento XVI. Umas das importantes funções das mitologias tradicionais, e que infelizmente se perdeu para muitos de nós devido ao equívoco de entender suas imagens de maneira denotativa, é a de ajudar a o indivíduo a passar pelos vários estágios e crises da vida, a compreender com integridade os desdobramentos de sua vida. Jung acreditava que o surgimento da psicologia moderna estava diretamente relacionado ao declínio dos dogmas religiosos. A psicologia seria um esquálido sucedâneo para a metáfora religiosa e o psicólogo um lamentável arremedo de sacerdote. Sem os grandiloqüentes símbolos das mitologias tradicionais tornava-se sumamente difícil para um número cada vez maior de pessoas experimentar os eventos de sua vida de maneira significativa, em harmonia consigo mesmos, com sua cultura e sua sociedade, restando um vazio.

O mesmo Jung, ao teorizar sobre a cura em psicologia, e as possibilidades para o final de um processo de análise, colocava como a penúltima possibilidade de uma ordem crescente de possibilidades de cura a vinculação de maneira genuína a uma simbólica religiosa tradicional, sendo o estágio último de desenvolvimento, o melhor possível depois de tornar-se uma pessoa religiosa, o desenvolvimento de uma simbólica pessoal, uma filosofia de vida genuína. Não acredito que as afirmações confusas do Papa sobre o Big Bang sejam úteis a crentes ou cientistas, ou que convençam as pessoas da validade das imagens da mitologia da bíblia, ao contrário, apenas atestam de maneira patética sua falência como possibilidade de fornecer uma imagem consistente da ordem do universo. Mesmo com esse discurso papal, resta aos crentes mais radicais a miopia, e a incapacidade de participar da aventura de nosso tempo. Aos ateus resta o vazio, que a ciência, por mais que nos forneça uma imagem extremamente precisa da ordem cósmica e da matemática celeste, é incapaz de preencher.