segunda-feira, 4 de abril de 2011

Tatuagens

Pensei a princípio em escrever sobre tatuagens em geral, mas como estou terminando de “fechar” o meu peito e braço direito com uma tatuagem oriental (uma Irezumi japonesa) resolvi falar das minhas próprias tatuagens, pois cada uma delas possui um significado e uma intenção.

Em ordem cronológica, a primeira foi no meu braço esquerdo, há uns três ou quatro anos no máximo. É uma versão estilizado do Kanji para céu ou vazio: o último traço dá a volta no meu bíceps e o traço que fica no topo sobe quase até o meu pescoço. Tirei essa tatuagem de uma personagem do Manga Bleach. Até hoje apenas uma pessoa entendeu de cara o sentido dela, um irmão meu de Kung Fu chamado Victor, quando eu disse que significava “vazio” ele riu e perguntou se eu queria ser monge.

No budismo o vazio é um conceito fundamental, pois um dos quatro selos do budismo é que “todas as coisas são desprovidas de existência intrínseca” e outro diz que “todas as coisas compostas são impermanentes”. O vazio, ou a vacuidade é exposto de maneira extremamente bela no sutra do coração da sabedoria o Prajnaparamita em que se diz que “vazio é forma e forma é vazio, vazio é vazio e forma é forma”. Pois sendo todos os fenômenos compostos impermanentes eles dependem de uma série de causas e condições para existirem, cessando essas causas e condições eles também deixam de existir, logo são vazios de existência intrínseca. O ensinamento da vacuidade nos permite viver no presente, pois “o passado não existe e o futuro é uma ilusão”. Todas as coisas são fenômenos compostos, logo elas paradoxalmente “existem” e “não existem”, o que na metafísica budista é chamado de Originação Dependente (pratītya-samutpāda), logo tudo o que vemos, e mesmo pensamos e sentimos é real mas possui uma raiz de ilusão e impermanência, logo também é algo ilusório como o tecido do sonho a noite.

Minha segunda tatuagem foi um outro Kanji no meu peito esquerdo, a palavra japonesa Tatakau, guerra ou batalha: isso se deve a dois fatores. Desde os meus seis anos tenho praticado artes marcais de maneira espartana, sendo esse um aspecto extremamente importante da minha vida. Outro fator para ter feito essa tatuagem é devido ao meu nome de batismo Heráclito. Poucas pessoas, mesmo aquelas com uma boa formação humanística, conseguem fazer essa conexão. Heráclito é o nome de um filósofo pré-socrático que viveu na Magna-Grécia, em Éfeso (hoje fica na Turquia) e que teorizava que o elemento que era a base da criação era o fogo. Também foi o pai da dialética pois argumentava que: πόλεμος πάντων μν πατήρ στι, a guerra é a mãe de todas as coisas (em grego guerra é do gênero masculino, logo ela é “pai” de todas as coisas), o que casa bem com a minha orientação Junguiana, onde se percebe que é preciso haver tensão, pólos opostos, arquétipo e instinto, para existir psiquismo.

Certo, a minha terceira tatuagem foi também no lado esquerdo, dessa vez nas minhas costelas. São nove Kanjis, o nove kanjis do Kuji Kiri, com um Kanji bem grande no centro, o Kanji para demônio, em japonês Oni pois essa é um tipo de magia simpática utilizada no budismo Shingon para afastar maus espíritos e doenças, além de ter uma estreita relação com certas práticas do ninjutsu.

Minha quarta tatuagem foi um Tengu em meu ombro direito, na verdade um Karasu-tengu (tengu corvo), um homem vestido de Yamabushi com aspecto de corvo, uma espécie de homem pássaro. Tengus são espíritos das montanhas, que podem mudar de forma, ficar invisíveis, ler a mente das pessoas entre outras coisas. Também são exímios espadachins e forjadores de espadas, assim como grandes artistas marciais e patronos das artes marciais. Muitos grandes heróis das lendas japonesas foram treinados por Tengus.

A quinta tatuagem é muito grande e possui muitos elementos, por hora vou falar de apenas um deles, pois tem uma história interessante. Na parte de dentro do meu bíceps tatuei o hexagrama do I-Ching “inocência” que também pode ser traduzido como “inconsciente”, formado por céu acima e trovão abaixo. Há um motivo para que eu tenha marcado a minha pele que esse símbolo. Cerca de três anos atrás, quando estava decidindo se entraria no mestrado em psicologia, eu joguei o I-Ching para saber se devia realmente fazê-lo. A resposta foi enfaticamente negativa, mas eu resolvi teimar e perguntei se poderia fazer mesmo assim, já que agora eu sabia que poderiam haver problemas e talvez pudesse evitá-los. Novamente o oráculo foi enfático em sua negativa, eu não deveria fazer o mestrado. Desapontado com a resposta eu indaguei novamente se devia fazer, com a mesma argumentação esfarrapada e então saiu esse Hexagrama, imediatamente percebi isso como uma espécie de resposta de Pilatos, como se o oráculo dissesse “bem, eu avisei se você fizer mesmo assim e se der mal não me culpe”. O fato é que eu fiz o diabo do mestrado e isso teve um custo pessoal altíssimo e me trouxe muitos, mas muitos problemas mesmo, quase não consegui concluí-lo. Por isso prometi a mim mesmo que quando tudo estivesse terminado e eu estivesse com o diacho do diploma nas minhas mãos iria tatuar esse hexagrama para me lembrar de ouvir o meu daimonion em suas manifestações e quando perguntar algo a um oráculo como o I-Ching, levar a resposta a sério.

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