Há
tempos venho procrastinando escrever algo sobre o ofício de mestre, sobre a difícil
e nobre missão de educar, mas resolvi em meio a tantas demonstrações de apreço
a essa profissão finalmente deitar a pena ao papel. O faço principalmente pelo
motivo de minha amada esposa Roxane ter recentemente se tornado uma mestra
(concluiu o mestrado e começou a lecionar), e a despeito de ser uma neófita em
sala de aula tem se mostrado uma ótima professora e melhorado suas habilidades
rapidamente. A minha preocupação com ela, se junta aos dez anos lecionando na
universidade e no ensino médio e a todo o meu constante estudo e pesquisa para
que minha procrastinação finalmente chegasse a termo. Em que pese que já não
leciono mais, mesmo assim o cacoetes de professor não me abandonam, estava eu
certa feita, de volta aos bancos da universidade, quando um colega bem mais
jovem veio tirar comigo uma dúvida e, quando terminei de falar ele disse “obrigado
profess.. digo... err, obrigado”, e ontem mesmo estava ensinando as regras de
War ao meu enteado quando ele me enterrompeu “mas profe, digo, tio Heráclito”, é
uma profissão que deixa marcas...
Pois
bem, devo confessar que não sei se sou bom professor, me inclino mais a uma
resposta negativa, mas a labuta constante em sala de aula me ensinou uma coisa
ou outra que creio poder ensinar aos que desejam se dedicar ao magistério, como
é o caso de minha amada esposa.
Jung certa feita disse que a matéria a ser
ensinada é o minério, mas o afeto do professor é o calor que permite que ele
derreta e seja moldado em algo útil, sem isso o ensino é estéril. Não ministre
aulas se você não acredita nas pessoas, pessoas são algo estranho, misterioso e
maravilhoso, e também algo único e irrepetível, em toda a história da
humanidade jamais haverá uma outra Roxane M. S. Aragão Pinheiro, cada um de nós
possui um germe de algo que só pode ser expressado por essa individualidade. Esse
é o aspecto mais maravilhoso de ensinar, poder ver o desabrochar dessa semente
em algo inusitado, inesperado e maravilhoso, isso leva muitos anos, mas é um
dos milagres mais incríveis de se presenciar.
Não
subestime seus alunos, não tente facilitar demais as coisas e nem os trate como
idiotas ou criancinhas. Nem mesmo os idiotas e as criancinhas gostam de ser
tratados assim. Tão pouco se faça de boazinha, ensinar significa gerar crises,
aprender significa mudar, se adaptar significa uma mudança recíproca entre
sujeito e objeto, sem passar pelas chamas dos afetos não há mudança. Deixe a
vozinha infantil, o jeito de boazinha para os idiotas que lecionam e acreditam
em empatia, empatia não lhe leva muito longe. Continue a dar as respostas rápidas
e ferinas nos momentos precisos que você tem o talento de já possuir desde o início
de sua carreira. Compaixão não se traduz apenas por gestos doces, abandone essa
ilusão caso a tenha. Quando fui à primeira vez treinar com o Mestre Chan Kwok
Wai, ele olhou para os meus movimentos e disse “ô, tudo errado”, eu sou grato
até hoje por isso.
Não
esconda nada de seus conhecimentos de seus alunos, não é você que seleciona o
que eles podem ou não aprender, é quase impossível julgar o que alguém é
realmente capaz de aprender, ensine o máximo que você puder. Eu não acredito em
didatismos, em tentar tornar as coisas mais fáceis, há coisas que são difíceis,
ponto, seus alunos, aqueles que realmente tiverem élan para aprender, serão
movidos pela angústia a tentar aprender. O principal é ter você mesmo aprendido
aquilo que você ensina, seja o ensinamento, o exemplo é um instrumento muito
poderoso de ensino e, no fundo, a única ferramenta efetiva para se ensinar algo
a alguém é a personalidade. Somente aquele que lutou com unhas e dentes para
ser quem ele é pode ensinar algo, pois possui uma verdade (que é ele mesmo) a
ensinar, e essa verdade é a possibilidade de viver uma vida única, com coragem
e determinação.
Se
preocupe com os seus alunos, mas não tenha pena deles, algumas pessoas só
aprendem com a dor, outras precisam passar por grande agruras para aprender, no
fundo, você jamais saberá o que o altíssimo quer de seus alunos até que aquela semente
floresça e frutifique, até lá tenha esperança, se preocupe com eles, mas eles
precisam se sujar, cair, chorar, tudo isso faz parte de aprender, de ser um ser
humano completo.
Não
tente ensinar algo em que você não acredita, nada de bom pode vir da contrafação,
se não existir verdade no que você estiver ensinando está tudo perdido. Lembre-se
que a farsa é a verdade do farsante, e é isso que ele pode ensinar, mas aos que
não o são, é tolice insistir na contrafação e na mascarada.
Não
se aborreça com a covardia e a estupidez, lembre-se de que esses são traços com
os quais você sempre pode contar nos seres humanos, aprenda a ter paciência, a
suportar a falha de seu próximo, mas lembre-se também que é o seu dever,
devolver a eles a covardia e a estupidez. Diante delas jamais se acovarde eu se
apequene, deixe que ela permaneça com os estúpidos e os covardes, jamais as
aceite, jamais as receba. Não caia na armadilha de que tolice covardia não
existem, elas existem, respeite os tolos e os covardes, sem eles não saberíamos
quem são os argutos e os bravos.
Não
tente mudar as pessoas, não existe nada mais violento, algumas vezes a mudança
significa estar mais próximos de quem nós somos, mas em outras significa violência
contra a personalidade, não se esforce por ajustar os seus alunos, todos os
demais vão se esforçar para fazer isso, todos mesmo! Esteja sempre atenta a
possibilidade de deixar que se manifeste o que há de único e maravilhoso neles,
mesmo que isso os deixe desajustados, é um preço pequeno a pagar por se
adaptado.
Saiba
que existem muitas habilidades, muitas mesmo, não caia na bobagem de crer que
tudo é para todos, não é. O fato de alguém não ser bom em matemática ou algo do
gênero não significa que ele não possa ser bom em algo importante. Há pessoas
que são boas em tratar as outras com o devido respeito, em cuidar de plantas,
em ser bombeiros, nem todos devem ser cientistas ou professores universitários.
No momento correto escute o seu coração e saiba incentivar seus alunos a seguir
seu próprio destino, seja ele qual for. Eu era ruim em matemática na escola, e
depois de três anos larguei a faculdade de veterinária, me formei em história,
larguei o doutorado, voltei aos bancos da universidade como graduando... essas
não foram escolhas inteligentes, mas foram as escolhas que me deixaram mais próximos
de ser quem eu realmente sou.
Confúcio
disse que seus professores foram todos os homens, os bons por lhe servirem de
exemplo e os maus por lhe servirem de alerta. O mesmo Confúcio disse que
existem 3 maneiras de se aprender, a mais nobre pela reflexão, a mais fácil
pelo exemplo e mais amarga pela experiência. Esse grande professor chinês,
certa feita, diante do mesmo questionamento feito por dois alunos diferentes
deu duas repostas distintas, a um sugeriu cautela, pois era por demais ousado e
ao outro sugeriu pressa e ousadia, pois este era tímido. Conheça os seus alunos
e se interesse por eles, deixe que aprendam da maneira que puderem, saiba que
sua vida não é modelar, pois é só sua, mas sua atitude e coragem de ser quem
você é podem ser emuladas. Lacan certa fez disse a um aluno “faça como eu faço”,
ao que o aluno perguntou “o que você faz?”, ele respondeu “penso por mim mesmo”.
Saiba
que existem pessoas más, não invente desculpas para elas, deixe os canalhas
serem canalhas, mas saiba exatamente o que eles são, não se iluda com “mas o
fulano é prestativo”, “o sicrano é inteligente”, saiba que inteligência em
gente ruim é defeito e que Hitler não fumava, era vegetariano, não bebia,
gostava de animais e tratava com gentileza seus subordinados. Veja para além
dessas coisas e aceite que o caminho de certas pessoas é a escuridão, deixe que
a vida irá prestar contas com essas pessoas, mas se possível, e quando possível,
lembre-se de que alguns canalhas merecem um belo cruzado de direita.
A
minha amada esposa Roxane, e a quem mais interessar possa, esses são os
conselhos que posso dar a qualquer jovem professor. Creio que meus melhores
alunos ainda estão por nascer, certamente não os conhecerei, meus maiores
mestres foram homens que jamais conheci, de quem fui discípulo póstumo como
Jung e Campbell, a quem devo muito de quem eu sou hoje. Não tente competir com
esses grandes modelos, mas trate de apresentar esses e outros mestres aos seus
alunos, eles lhe serão eternamente gratos. Jogue tantas sementes quanto puder,
cabe ao altíssimo, e ao altíssimo apenas saber se cairão em solo fértil ou
entre as pedras. Espero sinceramente poder ter ajudado, creio que por escrito,
sou melhor professor do que sem a mediação das letras, por isso dedico a você,
amada esposa e admirada companheira esse modesto escrito.