Durante
o final do século XIX e o início do século XX, William James foi amplamente
reconhecido como o principal psicólogo dos Estados Unidos, sua reputação
ultrapassava as fronteiras de seu país, sendo considerado, na Europa, como o
papa da Psicologia norte americana.
James
era filho de uma família irlandesa rica e culta. Ele nasceu em 1842, no Astor
House, o hotel mais luxuoso e badalado de Nova York. Já em 1843, fez sua
primeira viagem à Europa. Durante sua juventude frequentou escolas nos Estados
Unidos, Inglaterra, França e Suíça. James falava francês, alemão e italiano
fluentemente e sentia-se muito a vontade em qualquer lugar da Europa.
Ainda
jovem, em virtude da posição social e influência de sua família, conheceu
grandes nomes do seu tempo como: John Stuart Mill e Lord Tennyson. James tinha
três irmãos e uma irmã, Alice. Sua irmã era uma mulher brilhante, com dotes
literários, mas que foi pressionada pela família a abdicar de suas ambições e
casar. Ela teve uma série de doenças com sintomas neurastêmicos e morreu em
1892 aos 44 anos. Sua morte teve um profundo impacto em James.
James
nunca teve uma ideia precisa do que desejava fazer profissionalmente, ele
estudou arte, mas apesar de demonstrar grande talento como pintor, abandonou a carreira
nas belas artes, provavelmente por seu pai não aprovar essa escolha. Em 1861,
James se inscreveu na Lawrence Scientific School, em Harvard. Ele primeiro
estudou química, mas odiou o assunto e mudou para o programa geral de história
natural onde conheceu Louis Agassiz com quem foi em uma expedição à Amazônia
brasileira, mas a viagem foi particularmente difícil para ele devido a
complicações de saúde e ao clima debilitante, por isso abandonou a expedição e
percebeu que seus interesses eram mais especulativos, e que a vida de coletor
sistemático de dados não lhe agradava. Em seu retorno a Harvard resolveu
estudar medicina, mas sem nenhum entusiasmo. Em sua opinião havia muita
tapeação na medicina e, para além da cirurgia, o médico fazia muito pouca coisa
pelos seus pacientes além de tirar dinheiro deles.
Em
1867 e 1868, James interrompeu os estudos de medicina e viajou para a Europa onde
visitou os laboratórios de Fechner, Von Helmholtz, Wundt e Du Bois-Raymond.
Recebeu o diploma de mestre em 1869 e resolveu jamais praticar a medicina –
promessa que manteve pelo resto da vida.
Em
1872, James recebeu a oferta de um cargo como instrutor de fisiologia e
anatomia em Harvard, por um salário anual de US$ 600, mas adiou por um ano a
decisão de aceitar a oferta e apenas em 1874 ofereceu o primeiro seu primeiro
curso em Harvard a respeito da relação entre fisiologia e Psicologia. Em 1882,
ele tirou uma licença de Harvad e viajou pela Europa para renovar seus contatos
com psicólogos, filósofos e fisiologistas europeus.
Em
1876, aos 34 anos, o seu pai lhe informou que havia encontrado sua futura
esposa, Alice Howe Gibbons, professora de uma escola de Boston, e cabia a James
cortejá-la. Obedientemente ele o fez e eles se casaram e foram muitos felizes
juntos. Alice compartilhava muitos de seus interesses e era incansavelmente
dedicada a ele. James, por seu turno, a adorava, uma correspondência de mais de
1400 cartas dele para a esposa foi publicada, testemunhando o afeto que
devotava a ela. Em 1878, James assinou
contrato com o editor Henry Holt para escrever um livro de Psicologia. Ele esperava
concluir o livro em dois anos, mas levou 12 anos para concluí-lo e tinha a
opinião de que livro era excepcionalmente ruim, porém ele estava enganada, era
uma obra prima.
Publicado
em 1890, os dois volumes do Principles of
Psychology, de 1393 páginas, foi um sucesso instantâneo. Escrito de maneira
brilhante e fluente, como tudo o que James escreveu, o livro foi lido mesmo por
pessoas que não estavam envolvidas com Psicologia em virtude da qualidade de
sua prosa, seu estilo elegante e agradável. Em 1892, Henry Holt publicou uma
versão resumida do livro de James, Psychology:
a brief course, de 478 páginas
que também foi um enorme sucesso. Eram os livros padrão utilizados em cursos de
Psicologia no mundo inteiro, tendo sido traduzidos até para o russo. Os dois
livros eram conhecidos como “James” (Principles)
e o “Jimmy” (Brief Course). James nunca se deixou fisgar
realmente por nenhuma ciência e possuía interesses ecléticos que incluíam fenômenos
paranormais e religiosidade, que ele abordava com um interessante misto de
abertura de espírito e agudo senso crítico.
James
definiu a Psicologia como “a ciência da vida mental, tanto seus fenômenos como
suas condições”. Entre esses fenômenos incluía: sentimentos, desejos,
cognições, hábitos, lembranças, raciocínios e decisões. Ele se opunha a
abordagem estruturalista de Wundt-Titchener, pois acreditava que ela era desnecessariamente
restritiva, estéril e artificial. Sua posição pode ser exemplificada pela afirmação
de Henri Poincare “Uma casa é um amontoado de pedras, mas um amontoado de
pedras não é uma casa”. James estava mais interessado em descobrir como a mente
funciona do que em desvendar a sua estrutura. Para ele a característica mais
marcante da Consciência é que ela se adapta, permite que nos adaptemos ao
ambiente e possui as seguintes características: 1 – ela é pessoal, 2 – é um
fluxo contínuo, está sempre mudando, 3 – ela é seletiva.
James
usava uma interessante alegoria para exemplificar a característica seletiva da consciência,
pois o mundo é “uma confusão exuberante e barulhenta” na qual “os sons, as
visões, os toques, as dores provavelmente formam uma exuberante confusão não
analisada”. Se a consciência analisa essa confusão ela torna-se seletiva. Podemos
ver uma influência direta na maneira como Jung encara o fenômeno da
consciência, para Jung um conteúdo está consciente quando associado ao complexo
do eu que, em suas palavras é “altamente compósito e variado”. O eu é o centro
do campo da consciência, que é um fenômeno momentâneo de adaptação, se
caracteriza por sua intermitência e por outras características como direção,
seleção e exclusão, tendendo, pois sempre a unilateralidade. Assim como James,
Jung estava interessado na maneira como a consciência funciona e, apoiado
igualmente em Kant, afirmava que a “natureza da consciência é um mistério
insolúvel”, assim, utilizando o método fenomenológico, poderia ao menos
descrever seu funcionamento. Nessa descrição era importante não sobrecarregar a
observação com pressupostos teóricos se atendo o mais possível ao fenômeno em
questão, entretanto levando em conta que a equação pessoal do pesquisador
sempre iria influenciar a sua forma de enxergar.
Outra
contribuição de James a Psicologia foi a sua teoria da emoção, que acabou sendo
chamada de teoria James-Lange, pois o fisiologista Dinamarquês Carl Lange
formulou uma hipótese muito semelhante simultaneamente. James publicou sua
hipótese pela primeira vez em um ensaio na revista Mind em 1884. De acordo com sua teoria, o sistema nervoso faz
certos ajustes inatos ou reflexos aos estímulos externos e é a percepção dessas
mudanças que constitui a emoção. As mudanças fisiológicas são a matéria mental
que constitui a emoção. Aqui é possível ver outra espantosa similaridade,
resultante da poderosa influência de James sobre o espírito de Jung, basta
recordar da noção junguiana de afeto/emoção que possui a característica de
produzir enervações somáticas, e a sua distinção de sentimento (Fühlen) como uma das funções racionais
ou abstrativas da consciência, sendo, grosso modo, a capacidade de estabelecer
uma escala de valores, porém, um sentimento muito forte pode, ao gerar uma
enervação somática, transformar-se numa emoção. Apesar de ser notável a
influência, nesse aspecto em particular, Jung também foi influenciado pela
teoria dos afetos de seu professor e chefe no hospital psiquiátrico Joseph
Bleuler.
No
Principles, o capítulo mais frequentemente
citado é o IV do volume 1, a respeito dos hábitos. Nesse capítulo, James
assevera que o sistema nervoso tem a propriedade da plasticidade e pode ser
modificado pela experiência. Ele acreditava que os hábitos, ou ao menos a maior
parte deles, é formado pela cultura no início da vida e que, até os 30 anos de
idade “fixam-se como gesso”. Quando adquirimos novos hábitos chegamos até eles
com um estoque de velhos hábitos que podem bloquear ou facilitar os novos.
James expressou as consequências políticas e morais de sua teoria da formação
dos hábitos em São Francisco em 1910, no aclamado discurso The Moral Equivalent of War.
Nessa ocasião ele argumentou que o conhecimento de como se formam os hábitos
poderia ser utilizado para construir uma sociedade melhor, livre da guerra, da
fome e da indignidade. No Principles,
James também considerou como um hábito é retido ou lembrado – o problema da
memória. Ele acreditava que os acontecimentos deixam caminhos, rastros entre os
centros nervosos do cérebro. Quando esses caminhos são excitados, resulta numa
lembrança específica.
Apesar
do enorme renome mundial como psicólogo, James nunca se comprometeu com a
Psicologia. Em uma carta a seu irmão Henry James (renomado escritor) ele
expressou o desejo de ser reconhecido como filósofo e não como psicólogo. Quando
em 1901 recebeu em Harvard o título honorífico de Doctor of Laws, James temia que pudessem apresentá-lo como “William
James, psicólogo”, e ficou aliviado ao ser apresentado como filósofo.
A
filosofia de James é o pragmatismo, e ele foi um dos mais conhecidos e
influentes filósofos de sua época, se não o mais famoso e influente. Em uma
carta a Flornoy ele definiu sua doutrina como “uma filosofia sem tapeação” o
que, de fato, é uma excelente descrição do pragmatismo. Não é ocioso destacar
novamente, que a prosa de William James é absolutamente deslumbrante, fluente,
elegante, eivada de poderosas metáforas e alegorias, além de anedotas que
causam um tremendo impacto no leitor. Seus livros, aulas, discursos e palestras
são à base de sua reputação.
Na
primeira das conferências publicadas em seu livro Pragmatism, James faz uma afirmação simples, mas de considerável
alcance. Ele assevera “A história da Filosofia é, em larga medida, um choque
entre diferentes temperamentos humanos” (tradução minha). Para James, o
filósofo acredita em seu temperamento e quer um universo que se ajuste a ele, e
acredita em qualquer representação do universo que se ajuste ao seu
temperamento. Tal filósofo considera homens de temperamento oposto fora de
sintonia com o universo, e incompetentes em filosofia, mesmo que eles em muito
o superem em habilidade dialética. Isso faz surgir uma certa insinceridade nas
discussões filosóficas, pois a mais potente de nossas premissas jamais é
mencionada. Os dois temperamentos apontados por James são o racionalista e o empirista. O empirista é um amante de fatos em toda a sua crua
variedade, enquanto o racionalista se devota a princípios abstratos e eternos. Na
realidade, ninguém pode viver sem os dois, fatos e princípios, trata-se mais de
uma diferença de ênfase, mas que mesmo assim gesta antipatia. James também
denomina o racionalista de Tender-Minded
e o empirista de Tough-Minded (mente
tenra e mente dura), com as seguintes características marcantes. Tender-Minded: racionalista (segue
princípios), intelectualista, idealista, otimista, religioso, acredita no livre
arbítrio, monista, dogmático. Tough-Minded:
empirista (segue os fatos), sensualista, materialista, pessimista, irreligioso,
fatalista, pluralista, cético.
As
duas perspectivas, racionalismo e empirismo, apresentam problemas, pois, ele
assevera, o otimismo dos racionalistas soa tão raso quanto o amor por fatos dos
empiristas. Na ótica de James, o universo é algo imenso e em aberto, porém o racionalismo
constrói sistemas e os sistemas devem ser fechados. A solução para resolver
essa disputa entre pontos de vista logicamente irreconciliáveis é a filosofia
do pragmatismo, assim, pode-se permanecer religioso como os racionalistas sem
perder a rica intimidade com os fatos. Na segunda de suas conferências
publicada no Pragmatism, James expõe o
método pragmático. Sua “Filosofia sem tapeação” é um método para resolver
disputas metafísicas que, de outra maneira, permaneceriam eternamente
insolúveis. O pragmatismo não espera nenhum resultado especial, trata-se primeiramente
de um método e, em segundo lugar, de uma teoria genética da verdade. O
pragmatismo nunca está confortável distante dos fatos, e fala de verdades no plural,
sobre sua utilidade, sobre o sucesso com que elas trabalham. O pragmatista se
prende a fatos e coisas concretas, observa a verdade e como ela trabalha em
casos particulares e generaliza, a verdade se torna uma classe de categorias
para valores de trabalho definidos na experiência. Todavia o pragmatismo não é
mera empiria nem trabalha influenciado por preconceitos materialistas como os
empiristas, não é anti-intelectualista e tampouco faz objeções a formulação de
abstrações desde que elas levem a algum lugar. Uma ideia é verdadeira desde que
prove seu valor concreto na vida e das suas relações com outras ideias também
admitidas como verdade. Nesse sentido, o pragmatismo entende a verdade como
algo instrumental, uma ideia verdadeira deve nos ajudar a nos mover em meio ao
caos dos fatos, ligando satisfatoriamente os elementos da experiência,
simplificando, economizando trabalho, nesse sentido essa ideia será
instrumentalmente verdadeira. É digno de nota, que para James, assim como para
Jung, as ideias são parte integrante da experiência, não sustentando a ideia de
um empirismo puro. Assim, uma Idea é verdadeira desde que nos auxilie a ter uma
relação satisfatória com outras partes de nossa experiência. A teoria passa a
ser um instrumento e não uma resposta nela mesma.
No
capítulo VIII do seu Tipos Psicológicos,
Jung trata da concepção tipológica de James. Em sua perspectiva, trata-se de um
problema tão antigo quanto à filosofia, mas coube a James esclarecer a
existência de tipos e sua influência no âmbito estritamente filosófico, mas
nesse ponto de vista, de uma vinculação não histórica, mas de fundo irracional
e de raiz psíquica, ele aponta que o tender-minded
tem certos traços comuns com o realista e o tough-minded
ao nominalista. O realista corresponde ao princípio da introversão e o
nominalismo da introversão. A controvérsia histórica sobre os universais faz
parte do conflito de temperamentos apontado por James. Ele vai mais fundo do
que Abelardo o fez ao tentar sanar o problema dos universais no medievo, pois
abarca a oposição dos tipos psicologicamente e tenta uma solução pragmática correspondente,
mas Jung considera a saída pragmática apenas uma solução temporária. Além
disso, Jung critica a unilateralidade de James ao observar apenas a qualidade
do pensamento dos dois tipos, mas também pondera que num tratado filosófico essa
atitude é natural e até esperada. Jung considera o ponto de vista pragmático imprescindível,
se quisermos fazer justiça aos dois pontos de vista, mas o ponto de vista
pragmático pressupõe resignação em demasia e se liga a uma falta de realização
criadora, assim, Jung assevera.
A oposição das duas “verdades”
exige uma atitude pragmática, se quisermos fazer alguma justiça ao outro ponto
de vista. Por mais imprescindível que seja o método pragmático, pressupõe
resignação demais e se liga quase inseparavelmente a uma falta de realização
criadora. A solução do conflito dos opostos não se dá nem por compromisso
lógico-intelectualista, como no conceptualismo, nem pela medição pragmática do
valor prático de concepções logicamente inconciliáveis, mas exclusivamente por
criação ou ação positiva que assume os opostos como elementos necessários de
coordenação, assim como um movimento muscular coordenado implica sempre a
inervação dos músculos antagônicos. Portanto, o pragmatismo não pode ser outra
coisa do que uma atitude transitória que prepara o caminho do ato criado
afastando os preconceitos. (Jung, 2013, p.605).
Aberlado
é superado por James assim como este, de acordo com Jung, foi superado por
Nietsche em sua resposta ao problema dos opostos. Ainda assim, há uma exigência
de uma atitude pragmática para se poder fazer jus as duas possibilidades
humanas representadas pela introversão e extroversão. A adoção de uma atitude
pragmática, além de livrar o caminho de preconceitos inconvenientes, evita as
tapeações que têm se tornado lugar comum no debate Junguiano, desde o mau uso
da teoria dos tipos, até o pseudomisticismo bobo que tem sido um grande
obstáculo ao debate sério, e, por fim, a profunda incompreensão do método
utilizado por Jung. Uma atitude pragmática, se adotada com rigor, nos livra
dessas disputas ociosas. James concordava com um decano da faculdade de
medicina de Harvard que costumava dizer que se toda a matéria médica, menos o
ópio e o éter da maneira coo vem sendo usados, cair no fundo do oceano seria
ótimo para a humanidade e péssimo para os peixes. Parafraseando esse decano, se
todos esses pseudoproblemas junguianos que eu citei, caíssem no mar, seria
ótimo para a humanidade e péssimo para os peixes, que em pouco tempo estariam
colorindo mandalas...