domingo, 1 de fevereiro de 2015

Lemingues


Sou um ávido leitor de alguns autores contemporâneos controversos, com os quais compartilho algumas semelhanças ideológicas como Zizek e Chomsky, e, recentemente, Noam Chomsky escreveu sobre a possibilidade eminente de nosso mundo ser obliterado, seja por guerras, pestes ou por uma catástrofe ambiental. São Paulo, a locomotiva do progresso moderno no Brasil, nesse exato instante, passa por uma catástrofe ambiental de proporções bíblicas, em virtude de uma somatória de: má administração, descaso, liberalismo exacerbado, desmatamento e poluição, a cidade está sem água e logo terão de beber esgoto. Mas, meu ponto é, há décadas estamos sob a sombra de uma guerra nuclear eminente, os Estados Unidos possuem armas biológicas o bastante para inviabilizar toda a vida na terra, existem bombas que podem virar nosso planeta do avesso, árvores multimilenares são cortadas, espécies extintas quase que todas as semanas, civilizações destruídas por guerras, línguas que desaparecem junto de milhares de anos de cultura, mas e daí?



Talvez chegue o dia em que todos estaremos vivendo a calamidade paulista, como, há décadas, o nordeste do Brasil sofria com secas e fome periódica muitas vezes pior do que o fracasso paulistano em gerir seus recursos ou salvar seus rios, bem pior. Mesmo assim, continuamos caminhando a passos largos em direção ao abismo, mesmerizados por sua escuridão, ou, como lemingues, guiados por um propósito tão poderoso que nem mesmo a destruição eminente pode nos tirar de nosso rumo. Acontece que somos lemingues ao avesso. Esses animaizinhos possuem um instinto migratório tão poderoso que suplanta mesmo o instinto de sobrevivência, eles se sacrificam aos milhares por um objetivo que está gravado a ferro e fogo em seus corpos e que se afigura como um sentido supremo e, por essa jornada, eles se afogam ou despeçam para a morte em penhascos. Nós, ao contrário, carecemos tanto de um sentido, seja ele qual for, que caminhamos em direção a destruição coletiva com uma resoluta indiferença.

Vivemos e morremos sem saber por que vivemos e morremos. O vazio em nosso peito nos atormenta com um silêncio profundo e eloquente, um mutismo implacável que é a resposta usual para as perguntas essenciais a vida humana. O que estamos fazendo aqui? Qual o nosso propósito? O abismo nos responde com o silêncio, que é uma resposta pior do que se nos dissesse “não há propósito algum!”. Caminhamos todos como zumbis, apodrecendo à medida que nos movemos em direção a lugar nenhum. Elegemos inimigos contra quem vociferar, criamos prazeres excêntricos, almejamos objetivos impossíveis mostrados nas telas das tevês e cinemas, desejamos objetos inúteis, mas, fundamentalmente, não temos respostas para as perguntas realmente importantes, e, sem tais respostas, tudo o que fazemos é em vão.

Nessa caminhada vã, o abismo parece ser um destino lógico, nos jogaremos no abismo que parece espelhar aquele que trazemos em nosso peito. A destruição objetiva parece ser mais aprazível do que a tortura subjetiva do vazio que nos assombra. Seguimos vivendo nossas mesquinharias, sofrendo por nada e por tudo. Sofremos, sobretudo por não saber. Não sabemos o nosso propósito, e, sem ele, nada faz sentido. Somos seres estranhos, precisamos de um sentido, necessitamos ter formulado algum significado para nossa existência, pois, todo e qualquer sucedâneo tem vida curta e logo precisamos de outro e mais outro até que a beirada do abismo se avizinha e pensamos com uma pontada de medo e não sem algum alívio “finalmente”. A vida não faz sentido, mas talvez a destruição possa fazer algum sentido, ou, ao menos, algum alívio.

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