segunda-feira, 15 de julho de 2013

João e labirinto das bruxas

João era o mais novo de quatro filhos, quando seu pai morreu, toda a herança ficou com os irmãos mais velhos que o deixaram sem nada. Como não pudesse continuar a viver nas terras da família só lhe restou à vida de caixeiro viajante. Ele perambulou como um pobre coitado por várias vilas e cidades até que chegou a proximidade de uma vila de pescadores numa praia distante e longe de tudo. Quando estava na estrada ouviu rumores de que aqueles que iam para essa vila afastada nunca retornavam, ou, se o faziam, voltavam sem partes do corpo e loucos. Devido a esses boatos todos evitavam a estrada que levava até lá, mas João não deu bola para essa conversa e foi até lá vender suas mercadorias, pois era um vendedor muito ruim e pensou que ali não teria muita concorrência.
A vila era muito pequena e pobre, o chão das ruas era de areia branca da praia e os telhados de sapé, mas apesar da pobreza as pessoas pareciam satisfeitas com seu destino. A vila era tão pequena que não tinha nome nem uma pousada, mas ele conseguiu abrigo na casa de um velho pescador que lhe deu de comer em troca de algumas bugigangas. A filha do pescador vivia com ele e com três órfãos, um menino e uma menina gêmeos que deveriam ter dez anos, e um menininho de uns dois anos, louro e bochechudo que ninguém sabia ao certo como havia ido parar ali.
Quando a noite caiu, João resolveu sair para tomar uma bebida, a filha do pescador, que precisava sair, pediu que ele levasse com ele o menino pequeno, e os dois irmãos também resolveram segui-lo. No caminho para o bar, mesmo a vila sendo pequena, João deu voltas e mais voltas por ruas que não havia visto antes, e quando já se dava por completamente perdido, os gêmeos o levaram a entrar em uma porta aberta numa viela em um beco sem saída. Ali, ele encontrou um estranho labirinto, construído com os mesmos materiais das casas e repleto de corredores e salas cheias de coisas estranhas e assustadoras. Depois de um tempo os gêmeos constataram assustados que estavam perdidos no labirinto de bruxas que viviam na vila chamadas blatskas, e que se fossem pegos ali seriam certamente mortos, mas por mais que tentasse encontrar a porta por onde entraram não conseguiam, por fim eles resolveram se esconder dentro do labirinto e João nunca mais os viu. Esse tempo todo ele segurava na mão do garotinho e por fim, utilizando suas pegadas na areia branca para saber por onde tinha passado, encontrou a porta de saída.
Do lado de fora havia um cercado de pau a pique e não se via nem sinal da vila, e nesse cercado um imenso lobo de pelo negro como o piche. João jogou o garoto por cima da cerca e, antes que o lobo pudesse mordê-lo ele também saltou por cima da cerca com uma acrobacia. Do lado de fora, ele viu uma matilha de lobos que vinha da imensidão vazia e selvagem, ao se aproximarem eles todos se transformaram em pessoas, suas peles de lobos viravam apenas uma espécie de manto que lhes cobria a cabeça e as costas. Ele logo soube que se tratavam das tais bruxas. Um homem, segurando uma adaga curta de lâmina sinuosa se aproximou e lhe disse que por ter entrado teria que pagar com uma parte de seu corpo e, como entrara no labirinto com uma criança teria que se responsabilizar por ela também e perder outra parte de seu corpo. Colocando a ponta da adaga perto do olho de João, o homem lobo disse que na próxima lua cheia teria de entregar seu olho e um de seus testículos. Sem muita opção ele concordou e entrou novamente no labirinto e, dessa vez, foi capaz de encontrar a porta por onde entrara.
De volta à vila de pescadores, João sentou-se no chão de areia branca e deixou-se ficar ali abatido, precisava descobrir um meio de escapar das bruxas. Primeiro ele pensou em matá-las, mas como poderia matar bruxas capazes de se transformar em lobos selvagens? Ele estava assim, nesse estado de ânimo miserável e abatido quando o garotinho se dirigiu a ele falando de maneira clara como se fora um adulto. João ficou espantado, mas ouviu o que o garotinho lhe dizia. O menininho tinha um plano para salvar João. Na vila existia um homem que criava porcos e o primeiro passo era ir até lá e conseguir com o tal homem um olho e um testículo de porco. João ficou animado, assim poderia escapar de ter que perder partes de seu corpo, mas o menino o advertiu que isso não bastava, as bruxas mandavam uma delas coletar os pedaços do corpo e experimentar, se a carne fosse saborosa as demais iriam atrás do pobre infeliz para come-lo todo, se a carne fosse ruim elas o deixavam ir, mas usavam sua magia negra para deixar o coitado que caíssem em suas garras insano.
João se deixou cair novamente abatido, suas esperanças haviam voltado apenas para perceber no momento seguinte que a situação era ainda mais desesperadora do que pensara, mas novamente o pequenino de cabelos loiros lhe disse “você cuidou de mim, e evitou que aquele lobo negro me devorasse, mesmo arriscando a própria vida, por isso vou retribuir o favor, não se desespere eu tenho um plano, mas primeiro vamos conseguir o olho e o testículo de porco”. O menininho levou João até o local onde ficavam os porcos e com as poucas moedas que tinha ele comprou um olho e um testículo. Quando saíram do chiqueiro o menino disse. “agora você precisa de uma planta que cresce na foz do rio, em um manguezal, mas ela é guardada por uma bruxa em forma de serpente”. João se deixou cair novamente abatido, como poderia encarar mais uma bruxa? O menino explicou que a bruxa vivia num lago e que para pegar as planta João teria que entrar no manguezal e ao chegar ao lago, nadar até a outra margem prendendo o fôlego, se ele tomasse ar a cobra o morderia e ele morreria envenenado, mas enquanto segurasse o fôlego ela nada poderia fazer.
Mesmo apavorado João seguiu as instruções e entrou no manguezal e logo encontrou o lago de água salgada. Ele tirou a roupa e prendeu o fôlego antes de mergulhar. Assim que ele começou a nadar, uma imensa cobra coral de mais de três metros começou a segui-lo, mas não o molestou. Na outra margem ele pegou a planta e nadou de volta. Enquanto ele vestia as suas roupas na margem, ele viu no meio do lago uma mulher nua muito bonita e teria pulado para salvá-la da cobra se o menininho não o tivesse impedido “aquela é sua verdadeira forma, se você voltar para a água certamente será morto”. De volta à vila, o menino ordenou a João que espremesse as folhas até conseguir um suco e mergulhou no suco os dois pedaços de carne de porco. Em seguida ele explicou o plano. Ao comer a carne o homem lobo seria acometido de uma terrível dor de barriga, e nesse momento João poderia se apoderar de sua pele de lobo e adaga, assim roubaria os poderes e poderia escapar. No dia marcado o menino enrolou ao redor do olho de João um pano ensanguentado e disse a ele que mancasse de uma perna, para fingir estar ferido. Quando chegaram ao local combinado o homem lobo surgiu na forma de uma lobo branco imenso, mas logo voltou a forma humana. João se aproximou receoso e lhe entregou um pacote com o olho e o testículo. Salivando o homem agarrou o pacote e devorou os pedaços que pensava serem de João. Rapidamente ele começou a se sentir muito mal e muito enjoado e logo sentiu que precisava urgentemente correr para atender o chamado da natureza. Nesse momento, ao ver o aperreio do bruxo, João disse que era melhor deixar sua pele de lobo e adaga com ele ou elas acabariam sujas. Sem pensar duas vezes o homem lobo lhe entregou seus objetos e correu para uma moita.
Nesse momento o menino disse a João que vestisse a pele de lobo e quando ele voltasse o atacasse e matasse a mordidas. Assim que o bruxo retornou, encontrou no lugar de João um lobo branco e antes que pudesse fazer qualquer coisa foi morto a dentadas. João removeu a pele de lobo e voltou à forma humana e estava exultante, finalmente estava salvo! Novamente o menininho lhe advertiu para que não fosse tão afoito, pois ele ainda estava sob o encanto das bruxas, para escapar com vida precisava dar cabo de todas elas e não apenas de um dos lobos da matilha. Mesmo desapontado, João estava mais confiante em seu diminuto amigo e perguntou se ele tinha um plano, e a resposta foi afirmativa. Na pele de lobo João precisava ir até o lago e quando a bruxa estivesse se banhando sem a pele de cobra roubar a pele. Como lobo ela nem ligaria para a sua presença, depois com a pele em seu poder forçá-la a buscar no fundo da lagoa um erva muito venenosa.
João assim o fez, ele se aproximou em forma de lobo enquanto ela se banhava e assim que ela se distraiu despiu-se da pele e agarrou a pele de cobra. A bruxa ficou desesperada e implorou que João lhe devolvesse seu couro de cobra. Com a pele em seu poder ele ordenou que ela lhe desse a erva venenosa do fundo da lagoa. Imediatamente ela mergulhou e retornou com uma bola de musgo verde. João pegou o veneno e estava prestes a devolver a pele quando o menininho o reteve “se você devolver a pele de cobra ela vai lhe matar aqui mesmo, sem a pele ela está indefesa”, ao ouvir isso ele guardou a pele e a deixou em prantos no lago. “agora você vai colocar esse musgo na boca e não vai engolir”, João ficou ressabiado, pois poderia ficar ele mesmo envenenado. O menino percebeu a dúvida em seu rosto e disse “não se preocupe, isso só vira veneno ao ser misturado na água, enrole em folhas, vista a pele de lobo e vá até o covil das Blatskas, lá finja que vai beber água do poço onde elas bebem e deixe o musgo cair na água e espere até que todas tenham bebido, mas dessa vez não posso ir com você”. João engoliu em seco, e começou a procurar folhas para enrolar o musgo.
Ele vestiu a pele de lobo e farejou os outros lobos até uma caverna a beira mar, escavada pelo movimento das ondas, o chão da caverna estava repleto de ossos humanos e todo o lugar exalava um cheiro desagradável, em suas peles de lobo as demais bruxas e bruxos estavam lá apenas esperando. João fez exatamente como o menininho lhe instruíra, ao fundo da caverna existia um poço de água doce, ele foi até lá, fingiu beber e deixou o veneno cair na água e se afastou. Os demais lobos o encararam, esperando por uma resposta, ele pensou e lembrou-se do que o garotinho havia falado sobre o que as bruxas faziam com as pessoas que entravam no labirinto e resolveu simplesmente balançar a cabeça negativamente. Os lobos se dispersaram e um deles tirou a pele revelando o corpo de uma mulher de cabelos compridos e negros, ela começou a traçar alguns desenhos no chão com sua adaga enquanto recitava palavras estranhas, João engoliu em seco novamente, os lobos iam um a um beber no poço, mas a mulher parecia estar cada vez mais próxima de terminar o feitiço que iria enlouquecê-lo. Alguns lobos ainda não haviam bebido a água envenenada quando ela terminou seu feitiço e deu uma gargalhada maligna, seguida pelo uivo da matilha. João deveria ter enlouquecido, mas o encanto não surtiu qualquer efeito. Quando ele percebeu que o último dos lobos bebeu da água envenenada, removeu a pele de lobo e esfaqueou a bruxa com a adaga de lâmina sinuosa.
Os lobos o encararam com os olhos brilhando de ódio, mas quando tentaram atacar caíram tomados de convulsões e babando até que estavam todos mortos. João vestiu a pele de lobo e retornou a cidade, mas não havia mais nada lá, apenas dunas e areia e, sentado sobre uma pedra, o garotinho loiro e bochechudo. “o que houve aqui?” perguntou João. O garoto explicou que eram todos fantasmas, presos a esse mundo pela maldição das bruxas para atrair viajantes incautos, agora que estavam mortas, a maldição estava quase totalmente desfeita “você só precisa me entregar a pele de lobo e a adaga”. João relutou por um momento, pois aqueles objetos tinham sido muito úteis, mas o garotinho tinha lhe dado bons conselhos e resolveu acreditar nele uma vez mais e lhe entregou a pele e a adaga. O menino sorriu e disse “graças a você tudo pode ficar bem novamente. Debaixo dessa pedra há uma arca repleta de ouro, o bastante para que viva longe da pobreza pelo resto de seus dias. Faça uma fogueira e queime a pele de cobra, assim você poderá desposar a mulher na lagoa e vocês terão muita sorte e filhos juntos e ela também se livrará de sua maldição. Quanto a mim, preciso que corte a minha cabeça com essa adaga”.

João olhou para ele espantado e retrucou “não posso fazer isso, você foi muito bom para mim, sem sua ajuda jamais teria escapado”. O menininho não se impressionou com essas palavras e insistiu, mas como ele se recusasse o garotinho explicou. “sou o príncipe de um reino distante, já estou preso aqui há cem anos, quando você cortar a minha cabeça eu imediatamente retornarei ao meu reino que precisa de mim. Depois de pegar o tesouro e a sua esposa, venha me visitar, meu castelo fica a sudoeste daqui há sete dias de viagem”. Mesmo receoso João fez como lhe fora ordenado e cortou a cabeça do menino, depois jogou a adaga no mar, foi até a lagoa e trouxe de volta com ele sua esposa que já não podia mais se transformar em cobra ou respirar debaixo d’água e removeu a pedra e guardou o seu ouro. Sem demora ele se dirigiu ao castelo de seu amigo príncipe, pois estava ansioso para revê-lo e lá viveu até o fim de seus dias como um dos conselheiros do rei.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Thor, do mito aos quadrinhos e cinema e de volta ao mito.

Em breve será lançada nos cinemas a segunda adaptação dos quadrinhos do personagem Thor, da Marvel Comics, isso após o estrondoso sucesso de The Avengers, em que o personagem é um dos protagonistas. A primeira aparição de Thor nos quadrinhos se deu em agosto de 1962 (na “silver age of comics”) na revista Journey Into Mystery (vol. 1) #83, na história intitulada "The Stone Men from Saturn!". O personagem foi adaptado para os quadrinhos pelos legendários Stan Lee (argumentista), Larry Lieber (roteirista), Jack Kirby (desenhista) e Joe Sinnott. Em sua primeira aparição nos quadrinhos Thor já surge munido de seu poderoso martelo, Mjolnir, antes da aparição de qualquer outro elemento Asgardiano. Sua aparência difere da descrição tradicional das lendas nórdicas e teutônicas, por ser mostrado loiro e sem barba, ao invés de ruivo e barbado, dirigindo um carro puxado por dois carneiros que são responsáveis pelo barulho do trovão. Os traços de aproximação e distanciamento do mito de Thor nos quadrinhos variam de acordo com o roteirista, sendo incorporados ou abandonados periodicamente, assim como o aspecto mágico associado ao personagem, que vem ser firmando e ganhou força ao ser magistralmente explorado no universo paralelo The Ultimates, que tem sido a principal inspiração para os filmes mais recentes da Marvel.

Mesmo com a inspiração no mito, o Thor da Marvel Comics adquire contornos próprios, uma cronologia de histórias e sua “galeria de vilões” como são comuns aos heróis mascarados dos quadrinhos estadunidenses, mas sempre em um movimento cíclico de aproximação e afastamento do mito nórdico, seja em seus elementos narrativos, seja em sua estética visual (o desenhista responsável pelo visual do Thor de Straczynski usa como fecho do cinto do deus do trovão a runa Uruz que representa força bruta e boa saúde). Nos quadrinhos Thor é punido por seu pai Odin por sua arrogância e lançado a Midgard (o reino mortal) na pele do médico aleijado Donald Blake, sua bengala, ao ser batida contra o solo se transformava em Mjolnir e o fazia recobrar seu status divino e poderes sobrenaturais para defender o reino mortal contra qualquer ameaça. Esse aspecto aparece e desaparece nos quadrinhos, tendo sido resgatado por J. M. Straczynski. No filme de 2011, dirigido por Kenneth Branagh e estrelado por Chris Hemsworth no papel de Thor, Blake é mencionado apenas de passagem como uma referência críptica aos quadrinhos somente perceptível aos fãs do personagem. O aspecto da arrogância de Thor, que está presente nos primórdios do personagem nas páginas dos quadrinhos, também é explorado no filme, por mais que se resolva rapidamente, esse aspecto em particular me parece ser o elo de ligação mais importante entre o mito e suas adaptações tanto para os quadrinhos quanto para o cinema.

A. QE. Keary, em seu Tales of the Norse Warriors Gods, narra a história da viagem de Thor a Jötunheim, a terra dos gigantes, (How Thor Went to Jötunheim), nessa viagem, em diversos momentos, mesmo com sua imensa força, por meio de artifícios mágicos ele é obrigado a se tornar mais humilde, apesar de realizar feitos inacreditáveis. Junto de seus servos Thialfi e sua irmã Roska, bem como Loki, Thor atravessou um longo e difícil caminho até o final de Manheim cruzando o oceano, até chegar à terra cheia de névoas e rochas, de Jötunheim em uma floresta eles pararam para descansar e encontraram um enorme salão vazio e no interior desse salão cinco quartos onde se alojaram. Após o jantar foram dormir apenas para serem acordados por um barulho infernal, Thor se mantém de vigília mesmo após seus camaradas terem ido dormir e após algum tempo descobriu que a origem do barulho era um colossal gigante que ressonava, a ponto de sua inspiração mover em sua direção o topo dos pinheiros, tão imenso era o gigante que o salão que abrigou confortavelmente Thor e seus companheiros não passava de sua luva caída ao solo. Ao ver o gigante Thor resolve desafiá-lo, pois era esse o objetivo de sua jornada provar seu valor se batendo contra os gigantes. O gigante ao despertar reconhece Asa Thor, e o observa do alto com seus “grandes olhos enevoados, como lagos azuis nas montanhas”, e ridiculariza seu tamanho e o desafia a atacá-lo, nesse instante Thor não consegue fixar seus olhos no monstro, que se apresentara como Skrymir, pois sua aparência parecia mudar constantemente. Mesmo assim ergueu seu martelo encantado e o arremessou contra o gigante num golpe formidável, este retrucou “Há! Há! Uma folha me tocou?”. Thor agarrou novamente Mjölnir que sempre retornava a suas mãos não importando para quão longe fosse arremessado (elemento incorporado aos quadrinhos e fundamental para o personagem, tanto que esse aspecto, fiel ao mito se manteve sempre constante e jamais foi alterado), e o lançou novamente com ainda mais força, dessa vez o gigante caçoou “Eu penso, que uma bolota deve ter caído na minha cabeça”. Da terceira vez Thor arremessou seu malho com uma força inaudita, como nunca antes lançara o poderoso Mjölnir contra qualquer outro adversário, fazendo uso de cada iota de sua força descomunal. Dessa vez o gigante gargalhou alto fazendo pouco do Aesir e disse “com certeza há um pássaro naquela árvore, que deixou cair uma pena em minha face!”. Então ele se virou, jogou sua bagagem imensa as costas, agarrou sua luva caída e sem prestar mais atenção ao deus do trovão se dirigiu para fora da floresta, após caminhar um pouco ele se virou, seu rosto parecia menos humano e mais a forma pedregosa do topo de uma montanha sobre um precipício, e disse “Ving-Thor, deixe-me lhe dar um conselho antes que eu me vá. Quando você chegar a Utgard, não se vanglorie. Você pode me considerar um homem alto, mas os há ainda mais altos para se ver, e você é apenas um diminuto passarinho, retorne para onde veio e se satisfaça em ter aprendido algo sobre si mesmo em sua jornada a Jötunheim”. Ultrajado o Aesir gritou de volta “passarinho ou não, isso eu jamais farei! Encontraremos-nos novamente e algo mais aprenderemos, para que possamos ensinar um ou outro!”. O gigante se virou e não retrucou, continuando seu cominho sem prestar mais atenção em Thor e seus companheiros de viagem.

É importante notar que o mito é em si mesmo a sua melhor interpretação, pois o seu significado está contido na totalidade dos temas que ligam o fio da narrativa e possui um significado simbólico essencial, expresso numa série de figuras e eventos simbólicos e que, como assevera Von Franz, cada Deus, corresponde, no plano do mito, a um estilo de comportamento instintivo específico. Nesse ponto do mito está expresso nas palavras do gigante Skrymir o significado simbólico da jornada de Thor a terra agreste e selvagem dos gigantes, trata-se de uma jornada de autoconhecimento. Nesse sentido, no filme de Kenneth Branagh, de uma maneira bem mais capenga, a jornada ao reino dos homens (Manheim) é igualmente uma jornada de autoconhecimento. Toda a jornada de Thor a Jötunheim exemplifica de maneira psicologicamente extremamente precisa, e com grande plasticidade, o significado essencial de autoconhecimento. Jung, ao tratar desse tema assim o definiu.

Normalmente confundimos "autoconhecimento" com o conhecimento da personalidade consciente do eu. Aquele que tem alguma consciência do eu acredita, obviamente, conhecer a si mesmo. O eu, no entanto, só conhece os seus próprios conteúdos, desconhecendo o inconsciente e seus respectivos conteúdos. O homem mede seu autoconhecimento através daquilo que o meio social sabe normalmente a seu respeito e não a partir do fato psíquico real que, na maior parte das vezes, lhe é desconhecido (...) O que comumente chamamos de "autoconhecimento" é, portanto, um conhecimento muito restrito na maior parte das vezes, dependente de fatores sociais - daquilo que acontece na psique humana. Por isso, ele muitas vezes tropeça no preconceito de que tal fato não acontece "conosco", "com a nossa família", ou em nosso meio mais ou menos imediato. Por outro lado, a pessoa se defronta com pretensões ilusórias sobre suposta presença de qualidades que apenas servem para encobrir os verdadeiros fatos. (Jung, 2011, p.x).
O que está expresso nas figuras e eventos simbólicos do mito de Thor é justamente esse processo, penoso e moralmente custoso, visto normalmente ter que, nolens volens, significar abrir mão de ilusões acerca de nós mesmos e acerca dos outros, o que pode ter muitas vezes o sentido e o significado de knockout moral. Tais pretensões ilusórias sobre a suposta presença de qualidades, que encobrem os verdadeiros fatos, normalmente constituem o núcleo de nossa identidade, visto essa repousar sobre vasto campo de inconsciência, e ser essa inconsciência extremamente conservadora, treva densa e difícil de atravessar sem a ajuda dos deuses, e que não se modifica sem passar pelas chamas dos afetos. Thor é um herói, não um ser humano, mas uma figura divina e seria um equívoco tentar a força, tal qual leito de Procusto, identificá-lo com a personalidade empírica. Nunca é ocioso recordar que o mito é fundamentalmente uma manifestação da essência da alma (Seele), uma expressão dos processos psíquicos do inconsciente coletivo. E que o inconsciente (Unbewusst) possui uma relação compensatória/complementar com a consciência, e que nesse caso, o mito, enquanto expressão da alma, e oriundo de uma cultura particular (em termos psicológicos nossa consciência suprapessoal), possui para com essa cultura, tanto em seus aspectos determinados histórica e geograficamente, quanto para aquilo que, inevitavelmente, há de humano geral, uma relação igualmente compensatória/complementar. A consciência (Bewusstsein) é um processo momentâneo de adaptação, que tende a unilateralidade e a petrificação, nesse sentido, sua unilateralidade a afasta de suas bases instintivas, o que pode levar a um colapso adaptativo. O arquétipo é a imagem do instinto, todo arquétipo possui um contraponto correspondente instintivo (podemos também dizer que o arquétipo é o padrão do instinto), e o símbolo, organizado arquetipicamente operacionaliza na consciência a participação do inconsciente, permitindo uma vez mais a essa consciência adaptar-se as condições cambiantes da alma e do mundo. Em seu caráter simbólico é isso que faz a imagem do herói, como Thor em nosso caso. Ao mesmo tempo o símbolo do Herói, a personalidade mana, é gestado pelas matrizes criativas inconscientes (não raro de forma espontânea e sem a participação da consciência, daí o frequente tema do nascimento virginal), para promover a passagem anagógica da pura instintividade em direção a um estágio mais espiritualizado, elevando o puro instinto e sua energia à possibilidade da realização cultural. O inconsciente engendra o símbolo do herói e, portanto ele significa uma mudança de atitude, o herói, por mais que suas qualidades mudem com as eras, personifica as qualidades que as pessoas mais valorizam, ele se manifesta como um protesto humano contra a natureza, contra a direção unívoca do instinto. Segundo Von Franz, o herói constitui uma tentativa do inconsciente de gestar um modelo de complexo de eu que se comporta de maneira adequada, que permanece em harmonia com as exigências da psique, paradoxalmente, o herói é aquele que sempre se comporta segundo os seus instintos.

Jung assevera, em seu clássico “Símbolos da Transformação”, que o herói possui um significado teleológico como figura simbólica que reúne em si a energia psíquica em forma de admiração para conduzi-la a esferas mais elevadas por meio das pontes dos símbolos. O Herói é um tipo ideal de vida masculina, ele é, ao mesmo tempo, um drama inconsciente que só aparece na projeção.  “O herói é o ator da transformação de Deus no homem; corresponde àquilo que denominei de ‘personalidade mana’.” (Jung, 1999). O símbolo, tomado de modo denotativo, não pode ser considerado uma verdade concreta, mas é psicologicamente verdadeiro. Sabemos, por meio da existência de sonhos, visões, delírios, dos mitos, lendas, contos de fadas e da arte, que a alma cria símbolos cujo fundamento é o arquétipo, que são elementos estruturais, numinosos (o númeno é compreendido, entre outras coisas, como a energia específica própria do arquétipo), autônomos e possuidores de energia específica (númeno). Os símbolos funcionam como transformadores de energia e age de maneira convincente e, ao mesmo tempo, exprime o conteúdo da convicção, isso graças ao númeno do arquétipo, e a vivência do arquétipo é impressionante e comovente.

(...) Nenhum elemento do mito do herói é susceptível de uma só interpretação e – cum grano salis – todas as figuras podem ser trocadas. Certo e seguro é apenas o fato de que o mito existe e possui inegáveis analogias com outros mitos. (Jung, 1999, p.377).

Continuando a jornada pela sombria e enevoada terra de Jötunheim, Thor e seus três companheiros deixaram a floresta e após algum tempo, em uma árida planície se depararam com uma cidade murada imensa, certamente habitada por gigantes, com seus portões barrados, mas eram portões tão colossais que o Aesir e seus camaradas puderam facilmente passar pelas grades, como se não passassem de camundongos. Eles caminharam por um longo tempo sem ver viva alma, até que por fim avistaram um grande salão com as portas abertas e se resolveram a entrar. No interior do soturno salão eles encontraram uma longa mesa de banquetes e ao redor dessa mesa vários tronos de pedra, e nesses tronos se sentavam gigantes, cada um mais soturno, frio e pedregoso do que o outro, um deles se sentava num trono mais elevado e parecia ser o líder e a esse Thor dirigiu seus cumprimentos. Sem nem mesmo se levantar o líder dos gigantes falou de maneira despreocupada “Eu penso que se trata de um costume tolo importunar viajantes cansados com perguntas sobre a sua jornada. Eu sei sem precisar perguntar que você, homenzinho, é Asa Thor. Talvez, todavia, você talvez seja mais alto do que aparenta; e é a regra aqui que ninguém possa sentar-se a essa mesa até ele ter executado algum feito maravilhoso, deixe-nos ouvir no que você e seus seguidores são famosos, e de que maneira vocês escolhem se mostrar dignos de sentar-se na companhia de gigantes.”.

Cada um dos camaradas de Thor foi desafiado e humilhantemente derrotado, Thialfi numa corrida e Loki numa competição para ver quem comia mais, mas vamos nos concentrar nos desafios de Thor, nos quais ele foi igualmente batido, todas às vezes. Thor propôs a uma competição de bebida. O rei, que se chamava Utgard, ordenou a seus servos que trouxessem um cálice especial chamado de “taça da penalidade”. E desafiou o Aesir a esvaziá-lo de um único gole, segundo o rei era comum esvaziá-la com um único gole, alguns a esvaziavam com dois, apenas o mais insignificantes em três goles. Thor tentou esvaziá-lo de um único gole, mas não conseguiu mover o volume em seu interior nem um milímetro! Thor tentou novamente com todas as forças, mas o volume na taça diminui de maneira muito discreta. Na terceira vez, com toda a sua força e vontade, com uma energia descomunal e sem paralelo entre mortal ou Aesir, mas ao olhar a taça, percebeu que o líquido recuara apenas um pouco da borda.
Thor não se deu por derrotado e requisitou que os gigantes escolhessem um novo feito para que ele demonstrasse o seu valor. O rei dos gigantes sugeriu uma brincadeira apreciada pelas crianças da cidade, simplesmente erguer o seu gato do chão. Um grande gato cinzento adentrou o salão e Thor tentou erguê-lo, mas mesmo com toda a sua força ele pôde, no máximo, erguer um pouco uma das patas do animal. Asa Thor estava enfurecido, os gigantes não perdiam a oportunidade de escarnecê-lo a cada derrota, e o Aesir desafio qualquer um deles para uma luta corpo a corpo. Para enfrentar Thor, Utgard convocou a velha Elli. Quando ela surgiu, era decrépita, velha e sem dentes, e Thor sentiu por ela uma grande repugnância, mas não podia recuar. O poderoso guerreiro lutou com toda a sua força e bravura, por um longo tempo, mas foi tomado por uma sensação de vertigem e fraqueza e seu joelho tocou o solo, estava derrotado. Os testes tinham terminado e Thor e seus companheiros derrotados. Os gigantes os convidaram a sentar a mesa e Thor se comportou com elegância como um bom perdedor. Pela manhã, o rei dos gigantes o acompanhou até os portões (nesse momento o Aesir percebeu que ele era ninguém menos que Skrymir) e perguntou a Thor como ele se sentia a respeito de sua jornada a Jötunheim. Humildemente Thor se confessou desapontado e triste, pois doravante na terra dos gigantes ele seria tido como um guerreiro sem valor. Skrymir rejeitou essa afirmação, e disse que Thor jamais teria atravessado os portões de sua cidade se ele não soubesse de seu grande valor, por fim ele disse.

Todo esse tempo eu estive ludibriando você com meus encantamentos. Quando você me encontrou na floresta, e arremessou Mjölnir contra a minha cabeça, eu teria sido esmagado pelo peso dos seus golpes se não tivesse habilmente colocado uma montanha entre mim e você, onde seus ataques aterrissaram surgiram três profundas ravinas, que de agora em diante se tornarão vales verdejantes. Da mesma maneira eu o ludibriei sobre as provas em que vocês se engajaram noite passada. Loki comeu como se fosse a própria fome, mas Logi é fogo, que, com sua ávida língua, lambeu a comida e a destruiu. Thialfi é o mais rápido dos corredores mortais, mas o esguio rapaz, Hugi, era o meu pensamento, que velocidade pode se igualar a isso? O mesmo se deu em seus testes. Quando tomou tais profundos goles do chifre, você mal sabia que feito maravilhoso estava realizando. O outro lado do chifre alcançava o oceano, e quando você for até a costa verá o quanto as águas se afastaram, e quanto o mar se tornou menos profundo devido aos seus goles. (...) o que você tomou por um mero gato, era de fato a serpente de Midgard que envolve o mundo, quando você ergueu sua pata, nós trememos, e as fundações da terra e dos mares ficaram abaladasNão há motivo para ficar envergonhado por ter sido derrotado pela velha Eli, pois ela é a velhice, e não há nem nunca haverá alguém que ela não tenha o poder de derrubar. (KEARY, 2005, pp72 e 73, tradução minha).
Ao escutar tais palavras Thor tentou desafiar o gigante para um teste força, porém Skrymir e a cidade se desvaneceram, o Aesir então disse “que tolo eu tenho sido, por permitir que fosse logrado por um gigante da montanha!”, uma voz respondeu do alto “eu disse a você, você aprenderia a conhecer mais sobre si mesmo por meio de sua jornada a Jötunheim. Este é a grande utilidade das viagens”. Thor, ao se perceber um tolo, ao notar que mesmo com sua força descomunal e poder inigualável, poderia ser logrado e vencido realiza a mudança de atitude necessária, sua atitude unilateral baseada apenas no poder, no uso da força para subjugar a tudo e a todas, é compensada pela esperteza e poderes de encanto e ilusão do gigante Skrymir, que se tivesse escolhido testar sua força contra Thor teria certamente um destino funesto, atitude aqui compreendida como disposição da psique de agir ou reagir em certa direção. A derrocada de Thor foi uma derrota e um Knockout moral que lhe permitiram conhecer mais sobre si mesmo. Não é debalde, todavia, que Thor se bate contra gigantes em suas aventuras, como veremos adiante.
Tanto no filme quanto nos primórdios dos quadrinhos de Thor, sua falha de caráter, ao invés de ser uma identificação com o princípio do poder, toma a forma de uma neurose mais comum em nossos tempos. Apesar de um pouco arrogante, o principal problema de Thor residia em sua imaturidade. O aspecto compensatório ainda está presente, mas faz bem menos sentido e é bem mais capenga, talvez pelo fato de tratar-se, nos casos expostos, de um trabalho sobre um símbolo com significado apenas histórico e não um símbolo vivo. É importante salientar essa diferença, pois nada sob o céu pode resistir à velha Eli e ela tem o poder de derrubar até mesmo os símbolos, assim como derrubou Thor. Um símbolo é vivo quando representa o indizível de maneira insuperável. Enquanto ele é vivo está repleto de significado, mas uma vez que se encontra, por meio do trabalho cultural que ele engendra, a expressão que melhor formula aquilo que era apenas obscuramente pressentido, e só podia ser por ele representado, o símbolo está morto, ergo, terá meramente significado histórico. Ao nos referirmos a ele como símbolo, partimos da pressuposição tácita de que nos referimos ao que ele representou no passado, antes que dele brotasse uma expressão melhor.
Vejamos ainda, por meio de outras das histórias de Thor, que elementos de convergência existem entre o mito e os quadrinhos. Em outra história, Loki estivera se aventurando no reino do gigante Geirrod e foi por ele capturado e aprisionado, pois o gigante o reconheceu mesmo na forma de gavião em virtude dos olhos peculiares de Loki. Deixado em estado de inanição por três meses Loki foi coagido a trazer Thor até a fortaleza do gigante, mas sem estar portando seu martelo encantado (Mjölnir) e seu cinturão de força. Aqui vemos um elemento que na maior parte das histórias em quadrinhos de Thor se faz ausente, seu cinturão mágico. Loki ludibriou Thor como fora comandando por Geirrod, mas o deus do trovão foi salvo pelo alerta de uma boa giganta que lhe emprestou um cajado mágico, outro cinturão e luvas de ferro, com os quais pôde enfrentar o gigante e suas filhas. A primeira filha do gigante se postou no meio do rio Vimir e com seu corpanzil fez o rio transbordar e quase afogou Thor, mas este a abateu com uma grande rocha e escapou das águas ileso. Em seguida Thor penetrou no palácio e sentou-se em uma cadeira, de súbito ele sentiu a cadeira ser erguida até o teto, ele teria sido esmagado se não fora pelo cajado que usou para forçar a cadeira para baixo e com isso partiu as costas das outras duas filhas de Geirrod que a estavam empurrando para o alto. Geirrod atacou o Aesir jogando uma bola de ferro quente contra ele, mas graças às luvas de ferro Thor pôde agarrar a bola sem se queimar. O gigante se agachou por trás de uma pilastra, mas com sua força descomunal o deus do trovão arremessou bola que atravessou a pilastra e abateu o gigante[1].

Como vemos, a fonte do poder de Thor está em seus objetos miraculosos: seu malho mágico e cinto de força. Sobre esse tipo de objeto de poder existem inúmeros paralelos, como os raios de Zeus forjados por Hefestos, o elmo de Ares, as sandálias e elmo alados de Hermes, a lança de Wotan, suas runas mágicas que lhe permitem conhecer o futuro, a pele do leão de Neméia que Héracles vestia como uma armadura, a espada Kusanagi (草薙) de Yoshitsune (義経), o manto de penas e o leque dos Tengus (天狗), o martelo e tambor do duque do trovão o imortal Lei Gong (雷公), os tambores adornados do símbolo tomoe de Raijin (雷神) o deus do trovão japonês, o saco de vento de Fuujin (風神), os exemplos poderiam se estender indefinidamente. Pois bem, como vimos o martelo Mjölnir nos cinemas e quadrinhos é um aspecto importante do personagem, assim como o malho místico do mito, ele sempre retorna as mãos de Thor após ser arremessado, e, além disso, nos quadrinhos, boa parte dos poderes mágicos do deus trovejante derivam do martelo. O cinto de força normalmente está ausente, exceção feita ao Thor do universo Ultimate. Nesse arco de histórias, o leitor é conduzido pelo roteiro a se questionar se Thor é realmente um deus, ou se não passa de um lunático com delírios de grandeza, nessa série, todos os poderes de Thor derivam de seu malho e de uma veste que faz às vezes do cinto de força e lhe concede força e vigor sobre humanos, sem esses dois objetos ele fica desprovido de qualquer poder ou faculdade sobrenatural.

Ao martelo Mjölnir é acrescentada a faculdade de só poder ser erguido por Thor, ou por alguém digno do deus do Trovão. Da mesma maneira, algumas de suas faculdades miraculosas estão ausentes, como a capacidade demonstrada na história de sua jornada a Jötunheim de ressuscitar os mortos. Para os Aesir o malho encantado Mjölnir era seu maior tesouro, pois lhes defendia dos gigantes, nos templos dedicados a Thor ele estava sempre retratado com o martelo em punho e nos rituais de casamento ele era utilizado para consagrar a noiva. Além disso, o martelo era erguido para consagrar o bebê recém-nascido, há evidências que também era utilizado nos ritos fúnebres, pois no mito da morte de Balder ele foi utilizado para consagrar o barco funerário antes que lhe ateassem fogo. Um sinal de proteção semelhante ao sinal da cruz cristão era chamado de “sinal do martelo”, o mesmo que Thor utiliza para trazer de volta a vida seus dois bodes sacrificados para que se banqueteassem com eles, num claro paralelo a eucaristia cristã. No século X era uso corrente utilizar preso ao pescoço como amuleto o martelo de Thor, talvez em uma possível reação aos cristãos que utilizavam uma cruz pendurada ao pescoço. As representações norueguesas do martelo de Thor possuíam um anel de metal preso ao final do cabo, para facilitar o arremesso (característica preservada nos quadrinhos exatamente com a mesma finalidade, menos no martelo do Thor do universo Ultimate). Outra representação do martelo, e, por conseguinte de Thor, era a cruz suástica, ou cruz gamada. Bem antes de seu uso pelo nazismo na Alemanha, ela já era conhecida em várias partes do mundo desde a mais remota antiguidade (a utilização da suástica nazista se deve, em parte a um retorno a símbolos e práticas pagãs por parte dos nazistas), é provável que exista uma ligação entre a suástica e a roda do sol, conhecida desde a idade do bronze, ou pode ter surgido do uso do machado ou martelo para representar o trovão, que sempre se fazia acompanhar do raio, o fogo celeste. Thor era o deus que mandava o raio e a chuva, e é plausível que a suástica estivesse relacionada a ele. A suástica e o martelo podem ser vistos em pedras com inscrições rúnicas na Noruega e Suécia e algumas delas invocam Thor para proteger o lugar do funeral, a runa Thurisaz, segundo algumas fontes também representa o malho de Thor. Ao que indicam esses e outros indícios, o poder de Thor, simbolizado por seu martelo, se estendia por uma gama ampla de assuntos importantes para a comunidade, ele dizia respeito ao nascimento, casamento, juramentos e ritos fúnebres[2].

A famosa arma de Tor não era apenas símbolo do poder destrutivo da tempestade e do fogo do céu mas também uma proteção contra as forças do mal e da violência. Sem ela, Asgard não poderia mais ser protegida dos gigantes, e os homens contavam com ela também para lhes dar segurança e garantir a regra da lei. (Davidson, 2004, p.70).

Perceba-se que esse aspecto que, mutatis mutandis, pode ser chamado de propriamente “religioso”, está ausente dos filmes, é como se sua divindade não estivesse relacionada ao mundo mortal ou sua adoração, mesmo que pretérita. Nos quadrinhos a maior parte desses aspectos, importantes para formar um quadro mais completo de Thor estão totalmente ausentes. Sua adoração como divindade pelos mortais foi parcamente explorada nos quadrinhos. No malfadado universo 2099, os deuses nórdicos, bem como os heróis, sumiram, e surgiu um culto a Thor, e alguns personagens até mesmo usavam o pingente em forma de martelo para se distinguirem como devotos do deus. Na cronologia normal, quando os deuses passaram a habitar a terra e Thor adquiriu os poderes de Odin, alguns mortais passaram a venerar os deuses nórdicos, todavia, o melhor exemplo de exploração desse aspecto, mesmo que de maneira superficial se dá com o roteiro de The Ultimates, de autoria de Mark Millar, em que Thor passa a congregar ao seu redor um grupo de seguidores new age, que em muito recordava o atual neopaganismo, principalmente em sua versão estadunidense criada por Gerald B. Gardner, a Wicca, com sua crítica difusa ao modo de vida capitalista e tendências ecológicas. Nesse arco de histórias Thor figura entre seus seguidores mais como um “guru new age” do que como um Aesir, um deus do trovão e da tempestade, ligado a fertilidade e a proteção, com uma ritualística e iconografia bem estabelecida.

Thor não é apenas um deus de grandes acessos de fúria e de força descomunal, protetor de Asgard contra a ameaça dos gigantes, ele é igualmente filho da própria terra, e existe uma ligação entre o Aesir e a fertilidade e abundância da terra, pois ele comanda o raio e o trovão, a chuva, governa o ar, os ventos, e as estações do ano (esses poderes se preservam nos quadrinhos em sua maior parte, mas com exceção dos raios estão ausentes nos filmes), de acordo com Jung, com o significado da tempestade como fecundação da terra o relâmpago tem significado fálico. Segundo Ellis Davidson, os primeiros colonizadores islandeses que levaram consigo da Noruega as colunas de cadeiras do templo de Thor, mas igualmente a terra que existia entre essas colunas e consagravam a terra em que iriam construir suas casas e iniciar suas plantações a Thor, a quinta feira (Thursday, puresdaege, Donnerstag), o dia de Thor era guardado como um dia santo. Percebe-se com clareza, pelo mito, pelos poderes a ele relacionados, e pelos rituais e áreas da vida cotidiana a ele dedicadas que Thor, assim como as forças da natureza, que em certa medida personifica, era, ao mesmo tempo, destruidor e protetor. Assim como a chuva pode ser benéfica as plantações, uma tempestade pode causar inundações e catástrofe, o vento traz refrigério, mas um furacão é uma calamidade. Na era Viking, em virtude de seu poder de comandar os elementos e as tempestades (tão temidas pelos marinheiros) ele era o guia definitivo para aqueles que se aventuravam a singrar os mares, e era o deus invocado para proteger aqueles que faziam viagens marítimas. Sendo os Vikings grandes navegadores, pode-se deduzir a importância prática de Thor entre seus devotos. Assim como no estado do Ceará, terra seca e árida a maior parte do ano, o padroeiro das chuvas, são José, e venerado com grande ardor e devoção. Esses aspectos estão ausentes da moderna encarnação do deus do trovão, nos filmes isso surge de maneira ainda mais limitada do que nos quadrinhos, onde ele não passa de um bruto, um guerreiro muito forte com uma arma impressionante, e seu aspecto de protetor fica bastante diluído. Nos quadrinhos há uma ênfase constante em seu papel como campeão de Midgard, e protetor de Asgard, que parece um pouco mais condizente com seu papel originário, apesar de que a maior parte de sua simbólica original estar completamente ausente. Outro aspecto que nunca teve lugar nos quadrinhos diz respeito ao terrível clarão dos olhos incandescentes de Thor, mencionado com frequência na poesia, bem como sua voz potente e tonitruante, ou a ligação de Thor com os grandes carvalhos e seus bosques sagrados.

Thor, um Aesir irascível e tremendamente poderoso, propenso a grandes acessos de cólera, é sempre representado se batendo contra gigantes, algo que se preserva em suas histórias “solo” dos quadrinhos, mas com ênfase em apenas um tipo de gigante, os gigantes do gelo. Nas lendas ele de fato se batia contra vários gigantes do gelo como Hrungnir, Thryn, Hymir, Geirrod e seus descendentes, no Prose Edda, Snorri descreve Thor como o Asa que derrotou todos os gigantes e berserks. Todavia o principal adversário de Thor é a serpente que circunda a terra, Jömungandr, que foi explorada uma vez nos quadrinhos, quando seus ossos ficaram fracos como os de um velho e ele precisou se encerrar numa armadura, além de ter sido privado da possibilidade de morrer Thor encarou a serpente que se disfarçava do Dragão Fing Fang Foo, e ela não o reconheceu, pois Thor estava de barba e armadura, mas ao final ele a matou mesmo antes do Ragnarok. Nessa história é feita uma menção direta ao poema Voluspá que afirma que ambos morrerão em um embate no fim dos dias durante o Ragnarok. Ao que parece em versões mais antigas dessa história, Thor derrota a serpente, como acontece nos quadrinhos, um de seus títulos era “orms einbani”, “o único destruidor da serpente”. É bem conhecida à história em que Thor “pesca” a serpente, e ela era frequentemente retratada em seus templos.

Thor foi visitar o gigante Hymir, disfarçado como um garoto, e pediu para acompanhar o gigante em uma pescaria. O gigante mandou Thor pegar a isca e ele se apoderou do maior machado de Hymir e separou a cabeça do cabo para usar como anzol. Thor remou o barco com tanta velocidade que Hymir ficou estupefato e ambos chegaram num piscar de olhos ao local da pescaria, mas Thor continuou remando, a despeito dos alertas de Hymir, pois este temia perturbar a serpente de Midgard, quando Thor lançou as águas à cabeça do machado foi justamente Jömungandr quem mordeu a isca. Thor usou sua força descomunal para trazer a tona à cabeça da serpente, a tal ponto que seus calcanhares perfuraram o casco do barco e se fixaram no leito do oceano. Quando surgiu a cabeçorra do monstro Ving-Thor ergueu seu malho encantado para esmagar a cabeça da serpente o gigante Hymir foi mais rápido e cortou a linha, permitindo a serpente submergir novamente. Furioso Thor jogou o gigante para fora do barco e retornou sozinho de volta a praia[3].

Nesse conto, como no de sua ida a Utgard, aparecem tanto os gigantes quanto a famigerada serpente, filha de Loki. Como se pode perceber, Thor é um deus de grandes acessos de fúria e um tanto quanto impetuoso (como convém a um deus das tormentas), e bastante impulsivo (intempestivo), mas qual o significado psicológico dessas imagens? As palavras de Von Franz ajudam a esclarecer um pouco mais o que está representado em Thor de nosso drama anímico imorredouro, para que ao olharmos para o deus do trovão, possamos ver, como que em espelho, tudo aquilo que medra em nossos próprios corações.

Em nossa linguagem psicológica, os deuses da mitologia são arquétipos, e os arquétipos têm simultaneamente um aspecto psíquico, que tende a se traduzir em imagens, e um aspecto instintivo. (...) podemos ligar cada deus a um campo biológico instintivo, sendo o primeiro o aspecto psíquico do segundo. Inversamente podemos afirmar que a todo dinamismo instintual corresponde uma imagem, ou um conjunto de imagens e um comportamento específico. (...) Os deuses são, pois, representações de complexos gerais, e Ares-Marte é a imagem na cultura clássica, do instinto de agressividade e de autodefesa, tal como existem na natureza. (Von Franz, 2010, p.102).

Todo arquétipo é bipolar, e comporta ao menos duas interpretações opostas, mas complementares, Thor é tanto guardião e nutridor, deus celeste que controla as chuvas e estações e fecunda a terra, quanto furioso e feroz, que se encarrega de atacar e destruir berserks e gigantes, nesse sentido, menos espiritualizado e mais instintivo, ele, assim como Ares-Marte, é a imagem da cultura Viking do instinto de agressividade e autodefesa, bem como, representa de maneira plástica as possibilidades anagógicas desses instintos. Ao adorar Thor, e conhecer as suas histórias, os antigos Vikings traziam para sua consciência de maneira organizada na forma de imagem esse funcionamento instintivo (agressão/proteção), e Thor, assim como defendia Asgard dos gigantes, protegia psicologicamente seus adoradores dos afetos descontrolados.  Nos atuais filmes da Marvel esse papel parece ter sido ocupado pelo Hulk, baseado no mister Hyde, de Louis Stevenson. Ainda segundo Von Franz, os símbolos arquetípicos possuem uma enorme carga de energia, e liberam emoções avassaladoras, e o que podemos perceber dos arquétipos, que são fundamentalmente fatores desconhecidos, são a imagem e a emoção a eles associadas. Von Franz afiança, e isso é extremamente útil para se compreender do que falo aqui que “o arquétipo é um modo comum de experimentar as coisas de maneira psicológica”(2010/2). Arquétipos são categorias da fantasia, como podemos notar aqui com clareza.

Um afeto violento e intempestivo nos traz um sentimento de poder, o que faz com que muitas pessoas não consigam renunciar ou controlar seus acessos de cólera, e não suportariam se desfazerem deles, nesses momentos elas estão como que possuídas por um deus, capazes de atos que ordinariamente não poderiam. Não à toa, entre os guerreiros o Aesir a ser adorado era Wotan/Odin, deus aparentado com Dionísio, capaz de causar imensos afetos arrebatadores, êxtase e eram a eles que eram dedicados os temidos Berserks, os acessos formidáveis de cólera dos seguidores de Wotan os tornavam guerreiros formidáveis, incansáveis e completamente destemidos. Ao mesmo tempo sem o instinto de autodefesa, de autopreservação e alguma agressividade, a vida entra em estase e não pode mais fluir, estando barrada diante de qualquer obstáculo e muitas vezes, trata-se de uma questão de vida e morte. Em termos do simbolismo objetivo, daquilo que Jung denominou de interpretação “a nível do objeto”, podemos perceber que nos mitos e contos de fadas os gigantes normalmente representam esses afetos descontrolados. No primeiro mito de Thor que apresentei aqui, todavia, os gigantes das montanhas, ou gigantes de pedra, especialmente Skrymir, desempenham outra função, pois têm uma atitude compensatória em relação à impetuosidade de Thor, compensando sua atitude unilateral identificada unicamente com o princípio do poder, mesmo Hymir, na pescaria de Thor, possui uma atitude mais ponderada do que o deus trovejante, evitando o confronto desnecessário com Jömungandr, o que contrasta com a estupidez dos gigantes em outras histórias, o que mostra, ex posistis, que os arquétipos são bipolares.

Um comportamento mais descuidado, impensado e estúpido por parte de um gigante pode-se ver na história do gigante Hrungnir. O tal gigante possuía um aspecto bastante estranho, sua cabeça, bem como seu coração, eram feitos de pedra e lutava usando um enorme escudo de pedra e uma pedra de amolar. Além disso ele possuía um cavalo de crinas douradas muito rápido chamado Gullfaxi, a história principia com Odin (Wotan) vagando com seu magnífico corcel de 8 patas Sleipner e se aventurando pelas terras onde se localizava a fortaleza de Hrungnir, cheio de arrogância o senhor dos Aesir desafiou o gigante para uma corrida de cavalos e apostou a própria cabeça, tendo como certa a invencibilidade de seu corcel, o gigante imediatamente aceitou o desafio e iniciaram a corrida. Odin, em certo momento, pressentiu que o cavalo do gigante poderia realmente vencer Sleipner e valeu-se de um ardil para evitar a derrota, virou seu garanhão e se dirigiu a fortaleza dos deuses Asgard. Quando Odin atravessou os portões, o gigante por prudência desistiu da disputa e parou com sua montaria diante das muralhas da cidade, derrotado. Enfurecido com o estratagema de Odin, e deixando de lado toda a prudência, Hrungnir atravessou a ponte Bifrost e penetrou no reduto dos Asa gritando impropérios contra Odin e se queixando de sua trapaça.

Percebendo a injustiça de seu logro, Odin convidou o gigante para jantar com os deuses, durante esse jantar Hrungnir começou a soltar a língua em virtude dos efeitos do hidromel, e a jactar-se de que comandaria os gigantes no Ragnarok e arrasaria tudo aquilo, não satisfeito gabou-se olhando para Sif e Freya de que elas seriam os mais belos troféus conquistados pelos gigantes quando finalmente esmagassem os deuses. Thor que estava fora de Asgard chegou bem a tempo de presenciar essa cena e ergueu seu martelo encantado para exterminar o falastrão quando Odin o reteve, pois não poderiam quebrar a lei sagrada da hospitalidade e ferir ou injuriar um convidado. Odin então, esclarecendo ao gigante que sua conduta era inapropriada pediu que ele se retirasse e exigiu que ele respondesse por suas injúrias em um duelo contra Thor, o beberrão prontamente aceitou.

Quando o efeito do hidromel se dissipou Hrunginir se deu conta de sua insensatez em aceitar duelar com Thor, por isso levou consigo para o campo de batalha um gigante de barro, um autômato gigantesco para se bater com o segundo de Thor, seu servo Thialfi. Quando começou a luta Thialfi ludibriou Hrunginir sugerindo que Thor poderia atacá-lo por baixo da terra, assim ludibriado ele ficou em pé sobre seu imenso escudo de pedra abrindo mão de sua proteção. O gigante arremessou sua formidável pedra de amolar em Thor, e este ao mesmo tempo lançou seu malho encantado e as duas armas se chocaram em pleno ar. A pedra se partiu em mil pedaços, e Mjölnir prosseguiu em seu trajeto até se chocar contra a cabeça do gigante que morreu instantaneamente, ao mesmo tempo Thialfi com sua grande agilidade dava cabo do autômato de barro. Acontece que Thor foi atingido na cabeça por um dos estilhaços da pedra de amolar que se cravou em seu crânio e caiu desmaiado. Nenhum dos Aesir conseguiu remover o estilhaço e uma bruxa foi chamada para realizar o feito, mas em todas as versões da história ela falha e Thor permanece com o pedaço de rocha firmemente fixado em sua cabeça.

Como vemos, ao encarar o gigante com cabeça de pedra, Thor fica ele mesmo, com um fragmento de pedra em sua cabeça, de uma maneira violenta e indesejada, ele assimila algo do gigante que derrotou, o confronto não é isento de consequências. Afinal Thor é, ele mesmo, presa de muitas das paixões que assolam os gigantes que ele combate.

Nos quadrinhos mais elementos do mito são incorporados, em um movimento de aproximação e afastamento que depende muito do viés escolhido pelo roteirista encarregado de Thor. Alguns roteiristas até mesmo já esboçaram a tentativa de transformar Asgard e os deuses nórdicos em “aliens” cuja ciência é tão sofisticada que parece ser magia (há uma pitada disso nos filmes), mas influência dos roteiros de Mark Millar sobre os filmes parece ser decisiva, mesmo assim elementos cruciais algumas vezes são abandonados de maneira leviana. Como exemplo disso no primeiro filme de Thor, vemos a perda do olho de Odin ser retratada como mera cicatriz de batalha, ao invés de ser um elemento importante de seu mito. Nos filmes o aspecto de Thor que recebe mais ênfase é a sua imensa força e resistência (como atesta sua luta contra o homem de ferro) e seu poder sobre os raios, quase todo o restante dos aspectos relacionados ao mito são abandonados, mesmo Sif, que no mito é sua esposa e nos quadrinhos tem com ele uma relação, digamos, complicada, no primeiro filme não passa de uma guerreira coadjuvante. É certo que estamos diante de algo que não se trata meramente de quadrinhos ou filmes, mas como escreveu um dos editores do Batman, estamos diante do folclore da sociedade pós-industrial.





[1] Davidson, Ellis; Deuses e Mitos do Norte da Europa, 2004, São Paulo, Madras.
[2] Ibidem
[3] Davidson, Ellis; Deuses e Mitos do Norte da Europa, 2004, São Paulo, Madras.