quinta-feira, 13 de junho de 2013

Fortaleza Apavorada

Creio que é o momento de refletir sobre a reação da classe média de minha cidade contra a violência, uma vez mais, ao me dedicar a esse tipo de reflexão, que pode ser feita por diversos pontos de vista, seja da história, sociologia, antropologia, e que realmente necessita desses pontos de vista para ser compreendido, trago apenas a modesta compreensão que a psicologia pode dar, sem descurar da necessidade dos demais pontos de vista e ciente das limitações que a contribuição da psicologia tem a oferecer. Começo pensando no nome que foi escolhido para batizar esse movimento “Fortaleza apavorada”, a mim me parece um nome infeliz, mas profundamente revelador. O que move as pessoas que se unem a esse movimento e que se põem a marchar exigindo as devidas providências do governo é o medo, ou melhor, o pavor. Há uma diferença de grau que não pode ser descurada, não é o mero medo que os move a agir, me parece que já vivem com medo e a ele se acostumaram, bombardeados que são constantemente pela mídia com sua dose diária de medos os mais variados, bem como os medos cotidianos que assolam as pessoas um tantinho mais abastadas, medos não nos faltam, os temos em abundância, e todos eles, em si são reais. Real é tudo aquilo que age que atua, se penso ao entrar em meu quarto escuro que a minha gravata é uma cascavel que se insinuou em minha cama e por isso fujo apavorado, esse medo é real, por mais que a cascavel não passe de uma gravata. Não se pode duvidar desse sentimento que se tornou tão basilar em nossa sociedade, principalmente pelo motivo um tanto prosaico de que, quanto menor for a ligação dele com um fato objetivo, quanto mais ilusório e quimérico, mais potente ele parece se tornar. Uma parcela significativa da população de nossa luminosa e quente cidade vive a sua vida pacata guiada por slogans, desejos quiméricos e preconceitos afetivos, presa de atroz e invencível inconsciência, não é de se espantar que se unam movidos justamente pelo medo, ou melhor pavor. O pavor surge quando ao medo cotidiano de tudo em quanto, seja da comida que pode gerar colesterol ou prisão de ventre, seja do governo que gasta impunemente os impostos daquele que “produzem riqueza” com os pobres, ou mesmo o medo dos pobres, se une a causas menos quiméricas, quando a sensação subjetiva de insegurança – bastante real – se unem dados empíricos assustadores dignos de uma sangrenta guerra civil, mais de 13 assassinatos por dia, dessa mistura explosiva surge o pavor, mas esperem, falta algo.
É sabido que, salvo uma parcela pequena da população, só nos afeta psicologicamente aquilo que nos afeta diretamente, o resto, como disse certa feita Jung, não passa de mitologia jornalística. Pois bem, acontece que em nossa bela e ensolarada cidade vivemos em nossa consciência supraindividual, em nossa cultura, algo que no indivíduo poderia se chamar de “inconsciência artificial”, e nesse ponto devemos lembrar que ao falarmos da psicologia da massa, tudo o que for válido na psicologia individual também o é para  a massa e que, as inconsciências individuais são a porta de entrada do contágio psíquico que leva a condição piscopática que por uma invencível atração magnética cria a massa. A maioria de nós, eu participo tanto do julgamento como da condenação, acostumou-se a ignorar a maior parcela da cidade, os pobres que nos cercam, um oceano de faces anônimas que em número em muito superam as classes abastadas, como se vivêssemos numa bolha, ou em realidades separadas, eles lá e nós cá. A vida não vivida cobra-nos um peço elevado, e a ignorância atua como culpa. Pois dividimos a mesmíssima cidade e ela não pode e não será dilacerada em pedaços que viverão separados, mas procuramos esse estado esquizoide em que a mão direita não sabe nada da esquerda, mas agora à esquerda nos aponta uma arma. Aí então despertamos apavorados de nossa inconsciência e descobrimos que como que por encanto essa cidade cindida é uma só e que nós também somos vítimas de seus males, e que os muros altos não  nos defendem, eles jamais nos defenderam de nossos medos, e agora não nos protegem também da violência. Daí surge o pavor, da retirada das projeções positivas e negativas, do colapso de nossas quimeras, e o que fazemos? Refletimos criticamente? Procuramos assimilar conscientemente, mesmo que de maneira dolorosa? Não, criamos novos slogans e fechamos novamente os olhos, dessa feita, caminhamos cegos guiados por outros cegos, pois a massa é não mais do que isso, uma besta cega.

Pavor, o que o pavor nos traz? Mais inconsciência, pois quando a temperatura dos afetos atinge um ponto crítico perde-se toda a possibilidade de discussão racional e surgem os slogans e desejos quiméricos ocupando o lugar da razão, nesse ponto, quando estamos apavorados surge o desejo de sermos conduzidos, de abdicarmos de nossa decisão moral, de que a voz de nosso coração se torne cada vez mais fraca e se confunda com a voz da sociedade e seus inúmeros “tu deves”, nada de bom pode resultar disso. Pavor não nos leva a nada, compaixão seria melhor, pelos pobres que a classe média ou ignora ou despreza, ou mesmo pelas feras que ela cultiva em seu próprio ceio. Falta-nos compaixão e nos sobra terror, e qual animal ferido reagimos, mas que reação é essa? Está essa reação pautada na consciência moral? Ou somos prisioneiros de uma reação compensatória que nos arrasta como vaga e da qual não temos nenhum controle? Eu desconfio do pavor, afetos como esse sempre nos levam a ações das quais nos arrependemos, eu gostaria sinceramente que mais pessoas desconfiassem do pavor...

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