segunda-feira, 7 de março de 2011

Histeria


Dupré assim definia a histeria: “Estado no qual o poder da imaginação e da sugestibilidade, unido a esta sinergia particular do corpo e do espírito que denominei psicoplasticidade, resulta na simulação mais ou menos consciente de síndromes patológicas, na organização mitoplástica de organizações funcionais, impossíveis de distinguir das dos simuladores.” Esta definição clássica define como sintomas superiores da histeria, a sugestibilidade, e o aparecimento de perturbações como a paralisia, a anestesia, a anorexia, que não têm, na ocorrência, fundamento orgânico, mas uma origem exclusivamente psicológica. (FOUCAULT, 1975, p.6).
Um dos primeiros trabalhos de Freud dedicado às afecções foi justamente sobre a histeria. O trabalho clínico de Freud com os pacientes que padeciam desse mal lhe forneceu material empírico que foi o combustível necessário a vários de seus insights que deram origem a psicanálise. Freud se insere numa longa tradição de autores e pensadores que se debruçaram sobre a miríade aparentemente desconexa de sintomas da histeria. Mesmo o termo possui uma história venerável, histeria é uma palavra de origem grega. Platão no Timeu associa a etiologia da histeria a uma prolongada falta de atividade do útero. Caso o útero esteja em condições favoráveis para gestar um bebê, mas mesmo assim permanecer inativo, esse órgão se tornaria a fonte de inumeráveis males, de angústias a obstruções das passagens de ar (QUINET, 2005).

Galeno, no século II, também relacionava a etiologia da histeria ao útero, mas a diferença de muitos de seus predecessores, ele abandona a idéia de que o deslocamento desse órgão causaria a afecção. Ele cria a hipótese da “retenção da semente feminina”, que seria semelhante ao esperma masculino. Os estados histéricos são o resultado da ausência do escoamento da semente que ocorre durante o coito. Ainda segundo Galeno, mulheres bruscamente privadas de intercurso sexual, como as viúvas, são as mais afetadas. A partir do século III até o renascimento, todos os fenômenos que antes eram identificados como histeria e associados de uma maneira ou de outra ao útero, passam a ser reconhecidos como possessão demoníaca. Os fenômenos identificados como possessão demoníaca, sob a influência da igreja, nesse período, são interpretados no final do século XIX – especialmente pela escola fundada por Charcot – como fenômenos histéricos. Será a prova histórica para Charcot de que a histeria não estava sendo inventada no século XIX, mas que sempre existiu.

O alquimista Paracelso, no século XVI, chamava a histeria de “Chorea Lasciva”, Rabelais, autor do Pantagruel, defendia que a histeria seria passível de controle intelectual voluntário pela pessoa por ela afetada.  Já no século XVII, surge uma nova etiologia para este velho mal. Para Lange, em seu Tratado dos vapores (1689) a histeria seria causada, por exemplo, “vapores seminais”. Ao acumular a “semente” em demasia, por falta de exercício da sexualidade, esse acúmulo geraria vapores que ao chegarem ao cérebro desencadearia toda a sorte de sintomas: convulsões, delírios, manias, etc. Thomas Willis (1621 -1675) é adepto da teoria dos “espíritos animais”, átomos constituídos por partículas minúsculas que sob o efeito do calor e da fermentação se formariam nas cavidades do coração iriam parar no cérebro devido à circulação sanguínea.

Segundo Willis, “o que parece constituir a histeria formal são os movimentos no baixo-ventre e como a ascensão de uma bola, gritos, tentativas de vômitos, a distensão dos hipocôndrios, eructações e borborigmos, a respiração desigual e dificultada, o calor na garganta, a vertigem, a convulsão e a rotação dos olhos, risos e choros desmedidos, palavras absurdas, por vezes a afonia e a imobilidade, a pulsação nula ou fraca, movimentos convulsivos na face e nos membros e por vezes em todo o corpo, ainda que as convulsões generalizadas sejam raras e não sobrevenham senão nos casos graves... As mulheres de todas as idades e de todas as condições são sujeitas a essa doença, ricas ou pobres, virgens, esposas ou viúvas... Eu a vi, mesmo algumas vezes entre homens.” (QUINET, 2005, p.95).

Thomas Sydenham (1624 – 1689) opunha-se a teoria uterina e propunha a teoria da “sede cerebral”, e tinha a histeria como “uma doença enganadora”, em sai variegada sintomatologia ela imitaria várias outras doenças, sendo um Proteu capaz de assumir mil formas, sendo difícil, senão impossível definir um quadro estável de sintomas capaz de definir a histeria. No século XVIII, Phillipe Pinel (1745 – 1826), alienista pioneiro, um dos antecessores de Charcot na Salpêtrière, foi o primeiro a libertar os loucos dos grilhões e não era adepto da teoria da “sede cerebral” de Sydenham, ao contrário, reafirmava a etiologia uterina, e chegava mesmo a recomendar o matrimônio como tratamento. Ele distingue a ninfomania ou “furor uterino”, da histeria, mas classifica a histeria como neurose.

O Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental, de Pinel, publicado em 1801 e republicado em 1809, é a obra que inaugura a psiquiatria como especialidade médica. A concepção teórica de Pinel, exposta em seu já referido livro, considerava a loucura como comprometimento ou lesão do intelecto e da vontade, manifestando-se no comportamento dos pacientes sob as mais variadas formas. Mesmo variedades muito diferentes de sintoma podiam ter em comum um mesmo tipo de lesão da vontade ou do juízo. Estas propriedades comuns poderiam servir como base para a classificação e o diagnóstico. Todavia, para tal coisa ser possível, encontrar essa base comum de variados sintomas se fazia necessária à observação diligente de numerosos pacientes. O critério básico de definição para ele era, portanto, a lesão do intelecto e/ou da vontade. (PESSOTTI, 2001).

Em seu tratado, Pinel salienta que uma das “características físicas” dos alienados é o excesso de excitação sexual, a isso se somavam características físicas como à masturbação e o homossexualismo. Essas perturbações sexuais eram compreendidas como complicadores do processo de tratamento do alienado.  Tratamento este que consistia de certos aspectos simples: um diretor espiritual e um regime físico e moral bastariam para eliminar a alienação mental. (PESSOTTI, 2001).

Ex expositis, percebe-se que a etiologia sexual da histeria e das neuroses em geral proposta por Freud não era, em absoluto, uma grande novidade. Apesar disso, essa tese defendida por ele lhe granjeou muita oposição e não raro seus críticos o acusaram de uma “monomania sexual”. Outros autores, como por exemplo, Adler discordaram de Freud nesse ponto. Adler acreditava que a vontade de poder estava na raiz de todos os fenômenos neuróticos. Jung por sua vez, não considerava a teoria Freudiana ou a Adleriana como equivocadas, elas seriam casos particulares subsumidos por sua teorização de uma energia psíquica geral não substancialista. Não obstante, Freud inova ao propor um modelo psicológico para os mecanismos atuantes nos fenômenos histéricos, bem como na sua teoria de que muitos desses mecanismos desvendados de maneira indireta são inconscientes.

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