sábado, 26 de janeiro de 2019

Jean Willys e os canalhas que comemoram sua partida


Há canalhas de todo o tipo e espécie, mas existe um lugar especial no inferno para aqueles que estão celebrando a partida de Jean Willys e seu infortúnio. Nunca excluí ninguém por pensar diferente de mim, preciso que a minha visão de mundo seja questionada, porém isso às vezes tem um preço. Deparei com uma postagem, de um sujeitinho pusilânime que compartilhou a notícia da renúncia do deputado do Psol com a legenda “coloque aqui sua risada opressora”. É indescritível a raiva, misturada à tristeza e o embrulho no estômago de nojo que isso me causou, minha primeira reação foi a de ter ganas de torcer o pescoço do sujeitinho, mas simplesmente ceder a nossa sanguinolência atávica apenas me faria pior do que ele, não, é preciso refletir, pois ele é legião.
O “homem de bem” é em geral um legalista, que deseja leias draconianas, pena de morte, e nutre um desejo perverso pela destruição do outro, desejo sintetizado na frase “bandido bom é bandido morto”, ele anseia com todo o ardor o retorno da Lex Taliones, todavia, celebra o infortúnio de Jean. O que ele está a celebrar? Em primeiro lugar ele comemora o resultado de muitos crimes: calúnia, difamação, injúria e ameaça, esta última com pena de detenção de um a seis meses ou multa. Jean é vítima há anos de uma enxurrada de calúnias e ataques de ódio apenas pelo fato de defender as suas ideias. Ele é o único homossexual assumido no congresso. É evidente que ele não é o único gay do congresso, há gays à esquerda e a direita entre nossos congressistas, mas eles preferem permanecer no armário, justamente para não passar pelo que Jean sofre, quem pode culpá-los? O espírito do “homem de bem”, jamais abandonou o período colonial, por essa época a lei era decidida por uma assembleia de homens de bem, todos brancos e senhores de engenho, que decidiam assuntos de vida e morte. Por mais de trezentos anos a tortura foi algo normal e cotidiano, negros escravos eram cruelmente torturados e assassinados ao bel prazer desses gentishomens. O homem de bem atual sente em seu íntimo uma saudade inconfessável dessa realidade, pois se fossem realmente legalistas, compreenderiam que o império da lei implica isonomia, igualdade e que mesmo seus oponentes estão amparados pela lei, ela é cega.
O “homem de bem” também não é um democrata, pois se tivesse um pingo de republicanismo saberia que é um golpe duríssimo a nossa democracia um representante eleito do povo não se sentir seguro para debater suas ideias. Jean tem toda razão em termer, Marielle foi morta, brutalmente assassinada, Freixo escapou por muito pouco, e a família do nosso presidente tem ligações intestinas com os milicianos que provavelmente estão implicados nesses crimes. Se não somos capazes de garantir a integridade de um representante eleito do povo, imagine uma pessoa comum? A própria liberdade de expressão sofre um duro golpe, mas o “homem de bem” não quer direitos, a liberdade de expressão conquistada pelas revoluções burguesas soa para ele como um exagero, o direito a voz e a integridade física deve ser um privilégio de uns poucos, e esses poucos devem deter o poder de calar e matar os demais: negros, judeus, gays, esquerdistas... A lista é longa.
O “homem de bem” é uma abominação moral, pois Jean é um homem de carne e sangue, que sofre diariamente calúnias e ameaças por defender um grupo que sofre há décadas sob o jugo desses senhores de engenho redivivos, nem posso começar a imaginar os danos psicológicos que uma dieta diária de ameaças causaram e causam a ele, é preciso ter uma perversidade monstruosa para não lamentar que um outro homem, como eu, que pensa, sente e sofre, seja submetido a tal tortura. Meu primeiro ímpeto, como já lhes disse, foi esganar o sujeitinho, mas não é isso que caracteriza o que nos torna humanos, essa violência está inscrita nos genes de todos os primatas, o que nos faz humanos é a nossa “loucura”, como disse Zizek, a literatura, a arte, poesia, filosofia. A capacidade que temos de amar, de imaginar, de ponderar e enxergar para além de nossa mesquinharia patética e de sentir que o infortúnio de Jean é um mal que nos assola a todos. Jean, você lutou uma luta desigual, sangrou todos os dias, fez mais do que qualquer um de nós faria, vá em paz, e viva, viva bem, essa é a nossa vingança, essa é a nossa resposta: a vida. Viva Jean!