Há
canalhas de todo o tipo e espécie, mas existe um lugar especial no inferno para
aqueles que estão celebrando a partida de Jean Willys e seu infortúnio. Nunca excluí
ninguém por pensar diferente de mim, preciso que a minha visão de mundo seja
questionada, porém isso às vezes tem um preço. Deparei com uma postagem, de um
sujeitinho pusilânime que compartilhou a notícia da renúncia do deputado do
Psol com a legenda “coloque aqui sua risada opressora”. É indescritível a
raiva, misturada à tristeza e o embrulho no estômago de nojo que isso me
causou, minha primeira reação foi a de ter ganas de torcer o pescoço do
sujeitinho, mas simplesmente ceder a nossa sanguinolência atávica apenas me
faria pior do que ele, não, é preciso refletir, pois ele é legião.
O
“homem de bem” é em geral um legalista, que deseja leias draconianas, pena de
morte, e nutre um desejo perverso pela destruição do outro, desejo sintetizado
na frase “bandido bom é bandido morto”, ele anseia com todo o ardor o retorno
da Lex Taliones, todavia, celebra o infortúnio de Jean. O que ele está a
celebrar? Em primeiro lugar ele comemora o resultado de muitos crimes: calúnia,
difamação, injúria e ameaça, esta última com pena de detenção de um a seis
meses ou multa. Jean é vítima há anos de uma enxurrada de calúnias e ataques de
ódio apenas pelo fato de defender as suas ideias. Ele é o único homossexual
assumido no congresso. É evidente que ele não é o único gay do congresso, há
gays à esquerda e a direita entre nossos congressistas, mas eles preferem
permanecer no armário, justamente para não passar pelo que Jean sofre, quem
pode culpá-los? O espírito do “homem de bem”, jamais abandonou o período
colonial, por essa época a lei era decidida por uma assembleia de homens de bem,
todos brancos e senhores de engenho, que decidiam assuntos de vida e morte. Por
mais de trezentos anos a tortura foi algo normal e cotidiano, negros escravos
eram cruelmente torturados e assassinados ao bel prazer desses gentishomens. O homem
de bem atual sente em seu íntimo uma saudade inconfessável dessa realidade,
pois se fossem realmente legalistas, compreenderiam que o império da lei
implica isonomia, igualdade e que mesmo seus oponentes estão amparados pela
lei, ela é cega.
O
“homem de bem” também não é um democrata, pois se tivesse um pingo de
republicanismo saberia que é um golpe duríssimo a nossa democracia um
representante eleito do povo não se sentir seguro para debater suas ideias.
Jean tem toda razão em termer, Marielle foi morta, brutalmente assassinada,
Freixo escapou por muito pouco, e a família do nosso presidente tem ligações
intestinas com os milicianos que provavelmente estão implicados nesses crimes.
Se não somos capazes de garantir a integridade de um representante eleito do
povo, imagine uma pessoa comum? A própria liberdade de expressão sofre um duro
golpe, mas o “homem de bem” não quer direitos, a liberdade de expressão conquistada
pelas revoluções burguesas soa para ele como um exagero, o direito a voz e a
integridade física deve ser um privilégio de uns poucos, e esses poucos devem
deter o poder de calar e matar os demais: negros, judeus, gays, esquerdistas...
A lista é longa.
O
“homem de bem” é uma abominação moral, pois Jean é um homem de carne e sangue,
que sofre diariamente calúnias e ameaças por defender um grupo que sofre há
décadas sob o jugo desses senhores de engenho redivivos, nem posso começar a
imaginar os danos psicológicos que uma dieta diária de ameaças causaram e
causam a ele, é preciso ter uma perversidade monstruosa para não lamentar que
um outro homem, como eu, que pensa, sente e sofre, seja submetido a tal tortura.
Meu primeiro ímpeto, como já lhes disse, foi esganar o sujeitinho, mas não é
isso que caracteriza o que nos torna humanos, essa violência está inscrita nos
genes de todos os primatas, o que nos faz humanos é a nossa “loucura”, como
disse Zizek, a literatura, a arte, poesia, filosofia. A capacidade que temos de
amar, de imaginar, de ponderar e enxergar para além de nossa mesquinharia
patética e de sentir que o infortúnio de Jean é um mal que nos assola a todos.
Jean, você lutou uma luta desigual, sangrou todos os dias, fez mais do que
qualquer um de nós faria, vá em paz, e viva, viva bem, essa é a nossa vingança,
essa é a nossa resposta: a vida. Viva Jean!