Tenho
refletido ultimamente sobre a natureza do amor, mas em termos abstratos, creio
que ele seja impossível de capturar, como Proteus o ancião do mar, que sempre
que era agarrado assumia uma nova forma e escapulia. Tive uma inspiração,
todavia, sobre como tratar desse tema de uma maneira menos fugidia, como de
costume, a fagulha de inspiração veio de fora, ao ler uma reportagem acerca de
uma exposição sobre a vida de Tolkien. Tenho alguns poucos heróis, dentre eles
alguns dos homens que moldaram com suas obras a minha vida e o meu destino,
entre eles, os modelos que tive para a minha vida adulta, estão Joseph Campbell,
Carl Gustav Jung e J. R. R. Tolkien. Por isso resolvi escrever um pouco sobre
as histórias de amor de meus heróis intelectuais, e pais do meu espírito, a
quem devo tudo. Talvez assim ilumine algum recanto obscuro da minha própria
alma e compreenda melhor como o amor me afeta.
Começo
pela que eu acho mais bonita e singela, e que sei de cor, literalmente, como
Joe Campbell conheceu sua esposa Jean. Campbell tinha acabado de voltar da
Europa, tendo desistido de defender sua tese de doutorado, e em seu retorno
teve de lidar com os efeitos da grande depressão de 29. Ele passou dois anos “no
mato”, lendo, tendo apenas dois dólares na carteira. Após esse período, ele
enviou dezenas de cartas com seu currículo em busca de emprego, até que sua
antiga escola o contratou como professor. Um emprego do qual ele não gostava,
lembrem-se, esse ainda não era Joseph Campbell, o autor, apenas Joe Campbell,
nem mesmo seu primeiro livro A Squeleton Key to Finnegans Wake havia sido
publicado ainda. Foi quando recebeu o convite para lecionar no Sarah Lawrence
College, uma escola superior apenas para garotas. Joe não estava lá muito
empolgado, mas em dado momento ao se ver cercado de belas garotas pensou que
não seria mal trabalhar ali.
Campbell
era um professor severo, que para evitar qualquer mal entendido exigia ser
chamado pelo sobrenome por suas alunas, ainda assim muitas se apaixonaram por
ele, sem que jamais o severo professor aceitasse as investidas. Ele conta,
porém, que um dia, depois de algumas semanas, notou que em algumas aulas ele se
sentia acelerado, levou alguns meses até que descobrisse a causa dessa
sensação, era Jean. Enquanto ela foi sua aluna, cultivou uma discreta relação
de amizade e proximidade com ela, sem jamais fugir ao decoro de professor. Apenas
quando ela se formou, antes de sair em um cruzeiro com os pais ele lhe deu um
presente que qualificou de “carregado”, uma cópia do Declínio do Ocidente de
Spengler. Quando ela retornou, ele finalmente a pediu em casamento. Ele narra
que, quando saíram de carro para a lua de mel, cruzaram com um carro fúnebre, e
Campbell interpretou isso como um sinal de que ficariam juntos até a morte, e
assim foi. Jean dividiu a vida com Joseph Campbell até o dia de sua morte, ela
ainda está viva, tem 103 anos e é uma mulher extraordinária. Nunca tiveram
filhos.
Tolkien
tem uma história igualmente interessante e singela, da maneira como conheceu e
casou com sua amada esposa Edith. A verdadeira história de Beren e Lúthien. A
história de amor de John e Edith. Em carta ele escreveu sobre amor e casamento,
eu traduzo:
Quase todos os
casamentos, mesmo os felizes, são equívocos no sentido que quase que certamemte
os parceiros poderiam ter encontrado pares mais adequados, mas a sua verdadeira
alma gêmea é aquela com a qual você se casou.
Nenhum homem, por
mais verdadeiro que tenha amado sua prometida e noiva na juventude, viveu fiel
a ela de corpo e alma sem um esforço deliberado e consciente de vontade, sem
auto renúncia.
Tolkien
acreditava ardentemente no amor verdadeiro e em seu poder, mas sabia que os
homens e mulheres de carne e osso precisavam sempre fazer a sua parte.
John
e Edith se conheceram na adolescência, e se apaixonaram perdidamente um pelo
outro, ele tinha apenas 16 anos e ela 19. Seu tutor legal, devido a morte
prematura de seus pais, o padre Francis Xavier Morgan não estava nada
satisfeito com o romance, pois a jovem era Anglicana e não católica. Ele proibiu
John de ter qualquer contato com ela até que completasse 21 anos. Ele obedeceu
e pacientemente esperou pelos próximos 5 anos. Eu mal posso começar a imaginar
a agonia terrível que foram esses 5 anos, 5 longos anos, e só posso crer que o
apóstolo Paulo estava correto ao afirmar que o amor é paciente. Ele escreveu ao
seu filho Michael contando sobre a extraordinária provação desses longos anos,
de como isso foi terrivelmente duro para ela, e de como ele jamais se queixou
de qualquer ação tomada por Edith, pois não tinham nenhum voto ou juramento. Nos
primeiros 3 anos ele sequer a escreveu, e viveu na mais estrita obediência a
vontade de seu tutor.
Na
noite em que John completou 21 anos ele finalmente se encontrou com Edith sob o
arco de uma ponte, e declarou sou amor a ela novamente, bem como o desejo de
passar o resto da vida ao seu lado. Edith, convencida da sinceridade de John,
devolveu o anel de noivado que recebera de outro pretendente, desmanchando os
planos de casamento, converteu-se ao catolicismo e anunciou publicamente, pouco
tempo depois o seu noivado com o estudante pobretão de Oxford. Quando Tolkien
esteve nas trincheiras da primeira grande guerra, de onde escapou com vida
miraculosamente, todos os seus amigos morreram, ele levava consigo uma carteira
que continha apenas 2 fotos de sua amada Edith.
Finalmente
chegamos a Jung, talvez o mais turbulento e complicado dos meus 3 heróis. Assim
como eles, quando conheceu sua futura esposa, nem de longe era o gigante
intelectual que viria a ser, mas apenas um estudante pobretão de medicina,
tendo que tomar um vultuoso empréstimo de seu tio, e trabalhar como marchand
amador para sua tia para poder custear seus estudos. Não fosse isso o bastante,
ainda tinha que lidar com as excentricidades de sua mãe.
Emma
Rauschenbach era filha de Bertha Rauschenbach-Schenk, que Jung casualmente viu
passando por entre a luz difusa das folhagens de uma árvore e que com seus
olhos azuis e cabelos dourados, nessa época uma bela jovem, lhe causou profunda
impressão. Mal sabia ele que a reencontraria 21 anos depois e que seria a sua
sogra. Muitos anos depois de ter conhecido sua futura sogra, quando ele ainda
estava no Gymnasium, Carl foi visitar seu pai, que estava em Sachseln e
aproveitou a ocasião para visitar o eremitério onde vivera o santo suíço Bruder
Claus. Ele ficou fascinado com a atmosfera do lugar, e ainda sob esse efeito de
fascínio, quando descia da colina se deparou com uma jovem beldade loira,
esguia e vestindo roupas tradicionais de camponesa que lhe causou grande impressão.
Eles desceram o caminho juntos e o jovem Carl tentou conversar com ela, mesmo
que desajeitadamente, pois não havia garotas no colégio. Após algumas
tentativas ele percebeu que “havia uma parede impenetrável entre eles” e
permaneceu calado pelo resto do caminho.
Interiormente
Carl ficou abalado com esse encontro por muito, muito tempo, e parece ter
acordado do estado infantil de sono inconsciente acerca de sua própria alma. Como
ele mesmo afirmou, como ele poderia perceber os fios do destino que ligavam
Bruder Klaus aquela bela jovem e a ele mesmo? Ele não podia, mas eles estavam
lá.
Tempos
depois, Carl ainda era um estudante em Basel, no seu segundo semestre, e estava
prestes a visitar um amigo em Schaffhausen, justamente o local onde passara sua
infância. Ao saber desses planos, sua mãe sugeriu que visitasse a senhora
Bertha Rauschenbach, a jovem de belos olhos azuis que ele conhecera na
infância. Carl tinha 21 anos e não a via há pelo menos 20 anos, e iria apenas
cumprimentar a senhora Rauschenbach e levar os cumprimentos de sua mãe. Quando ele
chegou a casa da rica família, ele viu de relance uma garota loira com os
cabelos presos em dois rabos de cavalo e de súbito soube que se tratava de sua
futura esposa. Emma Rauschenbach contava nessa época 14 anos. Em suas memórias
ele escreveu,
Eu estava
completamente trêmulo, pois eu a tinha visto por apenas um breve instante, mas
eu soube imediatamente, com absoluta certeza de que ela seria a minha esposa.
Quando
Jung contou isso a um amigo ele riu a valer, especialmente pela família Rauschenbach
ser muito bem situada socialmente e financeiramente, ainda por cima, Jung não
trocou nenhuma palavra com Emma. Seis anos depois, já com um diploma de
medicina nas mãos, e ainda profundamente convencido do poder avassalador de sua
intuição ao vê-la, Carl pediu Emma em casamento, mas ela o rejeitou. Jung não desistiu, e lhe
escreveu inúmeras cartas apaixonadas, todas carregadas de grande beleza e
sensibilidade. Emma não resistiu ao charme do jovem Jung e na sua segunda
proposta de casamento ela aceitou. Quando ele viajou para estudar em Paris com
Pierre Janet em 1902 eles já estavam noivos e se casaram em 14 de fevereiro de
1903.
Emma
era brilhante, linda e rica, era uma mulher quieta e de forte personalidade,
muito observadora e de uma aguda inteligência. Seus livros sobre a psicologia
feminina e as lendas do Graal são um testemunho de seu brilhantismo e profunda
compreensão da Psicologia criada pelo seu marido. De acordo com Aniella Jaffe,
a calma e tranquilidade interior, que Emma emanava compensava o temperamento
vulcânico do marido.
O
que eu posso aprender com os meus mestres no que diz respeito ao amor e aos
sentimentos, além de seu imenso legado intelectual? Todos eles tiveram uma
formidável paciência e persistência, e não duvidaram da verdade e intensidade
do seu amor. Todos eles foram arrebatados pelo inconsciente, como Jung
acreditava, decisões realmente importantes, como a escolha de uma parceira para
a vida toda, não devem ser simplesmente ponderadas conscientemente, mas sim
emergir do inconsciente e serem guiadas pelas mais profundas necessidades de
nosso ser, de nossa totalidade e não apenas da consciência. Os três tão
similares, todos intelectuais, professores e escritores, interessados em
filologia e mitologia, todos grandes criadores imensamente criativos e intuitivos.
No campo do amor se deixaram guiar pelo fio do destino traçado desde as
profundezas de suas almas, sem que o soubessem ou pudessem explicar, foram
persistentes e pacientes, suportando o sofrimento da rejeição e da separação,
mas sem jamais desistir daquilo que emanava de seu ser mais profundo. Assim como
em tudo o mais na minha vida, me resta me inspirar nos gigantes que moldaram o
meu espírito, talvez haja aqui lições importantes a serem aprendidas, me resta
o esforço de compreendê-las.
Adorei. Cada ser e sua intensidade!
ResponderExcluirobrigado, sim, muito em comum, mas cada um a seu modo
Excluir