O título desse escrito é uma evidente referência a Machado
de Assis e seu Quincas Borba com o impagável aforismo das batatas. “Ao vencido,
ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.”. Temos aqui, no que concerne a
mercantilização crescente do ensino superior, algo ainda pior do que a alegoria
de Machado, os alunos hoje, vão a universidade como se fossem ao mercado
comprar bananas: uma mercadoria barata, abundante e ordinária (mas que engorda
e faz crescer). Da universidade eles conseguem exatamente o mesmo: bananas.
Quando voltei, recentemente, a lecionar me impus à prazerosa
releitura do Talks to Teachers
de Willian James, para me inspirar a retomar o gosto por ensinar e a preocupação
com a qualidade desse ensino e com o desempenho dos meus alunos. Essa minha
atitude só revela o acentuado grau de desajustamento em que me encontro em
nossa sociedade. Meu ideal de ensino não se afigura mais em nosso campo de
possibilidades nem mesmo como ideal, mas apenas como quimera. O discurso
pernicioso que é engolido por alunos e professores com anzol, linha, chumbada e
tudo é aquele que fala exclusivamente do mercado de trabalho e atende as
exigências deste, e de mais ninguém.
Esse discurso possui elementos insidiosos que podem, e
realmente passam, despercebidos. Enquanto uma das engrenagens que movimenta o
mercado, mera roda dentada, a universidade se converte ela mesma em uma
empresa, e a finalidade de toda empresa é o lucro. Como empresa a Universidade
perde o seu papel contestador e transformador, perde o papel de gerar indivíduos
capazes de pensar criticamente o seu fazer e a sociedade, de compreenderem a
dimensão política de seus trabalhos, bem como a dimensão ética, ao contrário,
ela se torna um lugar onde se reproduz os mesmo velhos preconceitos que
sustentam a nossa sociedade e nenhuma metanóia é buscada. Os estudantes entram
e saem os mesmos, com a diferença sutil de um diploma e a possibilidade de
gerar lucros a outrem.
Zizek já de algum tempo acusa as universidades no ocidente
de serem fábricas de técnicos. Quando o governo ou o capital necessita de
alguém para consertar uma ponte ou uma barragem procura alguém na universidade,
esse mesmo técnico, não possui nenhum cabedal para além desse saber. Não
compreende as dimensões políticas e éticas do que faz e não é capaz de
contestar. Nessa mesma linha, Umberto Eco, em Não Conte com o Fim do Livro, conta uma anedota engraçada e
esclarecedora. Quando foram construir no Egito uma enorme barragem que iria inundar
uma região repleta de sítios arqueológicos o governo constituiu uma comissão de
engenheiros, arquitetos, políticos e outros técnicos para avaliar o impacto da
obra. Eco fazia piada ao dizer que nessa comissão faltava um filósofo, pois ele
seria capaz de apontar que eles precisavam de um arqueólogo. Pois bem, é esse
tipo de filosofia que nos falta.
Cada vez mais as universidades são grandes negócios com
muito pouca preocupação pedagógica, quando muito, com modismos travestidos de
pedagogia empurrados goela a baixo por burocratas ignorantes e presunçosos. Em
geral esses modismos são mais jogadas de marketing
do que uma real filosofia de ensino. Esses burocratas se cercam de idiotas úteis,
em geral incapazes de pensar por eles mesmos, que serão seus sabujos. Esses cães
de fila do capital irão recrutar professores os mais incompetentes possíveis
para que não contestem suas jogadas rocambolescas tiradas de algum almanaque da
moda, professores que devem servir a esse sistema de massificação do ensino, e
mais nada. Na ponta temos os alunos, clientes dessas instituições. Muitos desses
clientes querem justamente o que elas vendem: sucesso, acesso ao mercado de
trabalho, um currículo diferenciado, ou qualquer outro bordão imbecil. Alguns
desses clientes ainda se sentem alunos, e por isso padecem. A lógica mercadológica
é avessa à lógica epistemológica e científica, impenetrável a essa, e, com
isso, se perpetram barbaridades.
Não se deve fazer ciência dentro dos muros da
universidade, pois a ciência é algo perigoso à ideologia de almanaque desses
burocratas ignorantes, e quem resolve fazer tal coisa se torna um anátema à
missão da instituição. O trabalho de ter um diploma de mestre é doutor é
enorme, acompanhado de um sofrimento desproporcional as vantagens concedidas
por esses papéis, pois o emprego de professor é cada vez mais precário. Tudo piora
se o professor em questão for um cientista (como se espera que seja), pois ele é
visto como algo hostil aos interesses meramente comerciais das universidades.
Assim, vemos diariamente a ação de coordenadores de cursos
que são pouco mais do que cães de fila de seus patrões, designados por sua cara
de pau e falta de pudor em mentir e enganar os alunos, bem como por seu pendão
em oprimir os professores que “saem da linha”. Em geral eles precisam ser
ignorantes em ciência, para que não haja chance alguma de se sensibilizarem com
qualquer argumento coerente epistemologicamente. Dessa forma os clientes podem
comprar tranquilamente suas bananas, alguns até mesmo creem que sejam realmente
diplomas. Assim, caminhamos resolutamente em direção ao abismo. Não somos professores
nem clientes, somos lêmingues.