De
quando em vez deparo com exclamações como “essa juventude está perdida!”, “não leem
mais!”, “perdem tempo jogando videogames!”. A lista é longa, e enfadonha,
sempre há algum reformista – alguns mais sérios outros mais caricatos – com a
excelente intenção de salvar a juventude, mas de quem?
Eu
mesmo cresci jogando videogames, e os considero uma narrativa tão ou mais
válida quanto um romance ou um filme, passei momentos memoráveis jogando Zelda, ou Breath of Fire, que ajudaram a construir o meu caráter e o meu amor por boas
histórias. Quando eu era bem mais jovem, a televisão era a grande vilã, hoje é
a internet, quem será o vilão de amanhã? É comum lamentar pelo fato dessas “crianças
de hoje” não terem infância, bem, aqui vai uma novidade, elas têm sim! O fato
de não ser a infância dos “bons e velhos tempos” não quer dizer que seja melhor
ou pior, é diferente.
Deixe
eu lhes dar um exemplo, outro dia, estava em uma padaria com meu amigo Filipe
Jesuíno e meu filho Ícaro, de dez anos. Eu e o Filipe conversávamos sobre
modelos de sociedade, e eu falava sobre o neo-liberalismo em sua versão mais
radical de anarco-capitalismo, com ausência de estado e o mundo controlado por
corporações, após eu explicar um pouco, meu filho atalhou “isso não é bom não,
é igual ao mundo de Bioshock, lá é assim o mundo é comandado por corporações e
igrejas e é bem ruim”. A visão de mundo do meu filho pequeno era um pouco mais
ampla graças a narrativa de um jogo de videogame – por sinal um jogo com uma
história fenomenal – eu espero que ele um dia leia Um Conto de Duas Cidades, ou
1984, mas o jogo já cumpriu um papel importante, e não alienante como se pensa.
Por sinal, ler e jogar não são mutuamente excludentes, ao contrário, o mesmo
impulso humano básico do brincar, do lúdico está presente nas duas atividades,
bem como o uso da imaginação e a narração de boas histórias.
Se
é que os jovens precisam ser salvos de alguém, não é deles mesmos, mas de nós,
velhos. Independente de nossas aspirações passadistas, de nossos anseios pelo
que se foi, as coisas mudam. Como historiador não posso deixar de enxergar com um
olhar de crítica para esse tipo de memória. A memória é um território repleto
de armadilhas e descaminhos, o que retorna não é o que foi, mas o que
imaginamos que foi, o passado, res gestae,
está para sempre perdido. Não é debalde que a história é “imaginação sobre
aquilo que já foi imaginado”. Nossas memórias são reconstruções daquilo que se
passou, que retornam para nos alegrar ou nos assombrar, mas elas existem em
relação com o presente, com quem somos hoje, não são nem podem ser absolutas.
Como historiador, me interessa o dia de hoje o presente, e ele pertence aos
jovens.
Então,
aos outros velhotes como eu, olhemos com dignidade e atenção para o dia de
hoje, não viremos as costas ao presente em busca da fantasia do paraíso
perdido, afinal, mesmo que tenha existido, ele foi perdido! Sempre que nos
debruçarmos sobre a Atlântida afundada nas profundezas do mar, mesmo com sua
sociedade maravilhosa, sejamos lúcidos, essas águas em que suas ruínas repousam
são as águas turvas de nossa própria alma, é ali que ela se esconde com todas
as suas maravilhas. Deixem os jovens em paz, deixem que eles construam suas
próprias lembranças. Penso até, que são eles que podem nos salvar e não o
contrário.