Ultimamente me deparei com uma reação
inusitada a minha “persona pública”, que pode ser resumida de duas maneiras: a primeira
é a percepção de que quando eu falo, minha fala representa o pensamento do PT,
a segunda é a de que o PT fala por meu intermédio (há uma sutil diferença),
nenhuma das duas é verdadeira.
O PT não possui um pensamento
unívoco, pra começo de conversa, é um partido de massas, com milhares de
filiados e centenas de militantes, partido em diversas correntes com ideias e
concepções de política e sociedade diferentes. Além disso, não se trata de um
partido Stalinista, em que seus membros são vigiados e orientados a falar
apenas o que a direção do partido permite e aprova. Em termos subjetivos, eu
nunca procurei saber sequer se existe uma opinião do partido sobre os assuntos acerca
dos quais me manifesto. Por certo, se sou um militante, eu compreendo que
existe um projeto de nação, de sociedade, e que comungo com diversas das ideias
expressas nesse projeto, todavia, até mesmo para o bem desse projeto, devo
criticá-lo quando necessário e não me furto de fazê-lo (pensando na ironia
erótica de Mann), assim como não me furto de defendê-lo quando o vejo ser
achincalhado (o que é frequente). Além disso, não sou e nem nunca fui um
dirigente partidário e, mesmo que o fosse, a minha opinião estaria sempre
sujeita ao debate interno e a democracia partidária.
Especialmente no período eleitoral
essa percepção míope parece se acirrar, e, apesar de ter me furtado ultimamente
de fazer militância digital, isso ainda me persegue. Acontece que, além de ser
um militante do PT, sou também um professor e pesquisador e alguém que estuda e
pensa (nessa ordem) e, algumas vezes, me coloco na incômoda posição de
intelectual público. Quando o faço, entretanto, falo eu, com minha bússola
moral, meus estudos e minhas reflexões, e só. Eu estou envolvido diariamente
com a política, minha família esteve e está envolvida com política, mas,
pasmem, eu já escrevi e ministrei palestra sobre: Zumbis, Star Wars, Dragon
Ball, mitologia grega, epistemologia, literatura, psicanálise freudiana,
Naruto, desenhos animados, quadrinhos, hermenêutica, psicologia complexa,
mitologia comparada e política.
Já
percebi que as redes sociais são um local um tanto inadequado para debates mais
sérios, como me disse um amigo, basta você saber escrever com correção e
conseguir encadear uma ideia depois da outra pra ser acusado de “pseudointelectual”,
acusação das mais interessantes e que, no fundo, não passa da velha falácia do
ad hominem (atacar o caráter do interlocutor ao invés do seu argumento) assim
como a identificação com a minha persona pública e o PT cai na mesma falácia. As
pessoas não se furtam a generalizar apressadamente, assumir imediatamente que
suas premissas são verdadeiras, acreditar que por que ignoram determinado
argumento ele deve ser falso, ou acreditar que por que uma premissa é popular
ela deve ser verdadeira. Diante dessa realidade tão sinistra para o pensamento,
um debate honesto é sempre incrivelmente cansativo e difícil (um dos motivos
que me levou a parar de “arengar” com o povo no facebook), realmente cansativo.
Eu
tenho orgulho do meu partido e do que ele realizou, comparado com os governos
anteriores parece uma enormidade, todavia, comparado ao que ainda precisa
urgentemente ser feito, foi muito pouco. É evidente que não é um partido
perfeito, se o fosse, seria algo desumano e demoníaco e, fundamentalmente
incompleto, bidimensional. É lidando com nossas imperfeições – e não virando as
costas a elas – que caminhamos, algumas vezes para frente, outras para trás,
mas caminhamos. Mudar a sociedade é algo extremamente difícil, há resistências
e atritos de todos os tipos e, mesmo que tenhamos operado poucas mudanças
significativas, isso já foi o bastante para livrar 36 milhões de pessoas da
miséria. Eu acredito sinceramente que o bom debate é feito no campo das ideias –
se você as tem – aceito críticas, desde que não sejam clichês, preconceitos ou
falácias, mas fundamentalmente, eu não sou um porta-voz do meu partido, se
querem me rotular seguem as seguintes sugestões: o cara que estuda Jung, o cara
que estuda Campbell, o sujeito que fala de Naruto, aquela cara que leu uns
livros do Tolkien que ninguém leu, aquele judeu chato metido a budista, o
fulano do Kung Fu, quem? O sujeito gatinho que anda de suspensórios, aaan tá!
Podem
inventar outros, mas, por gentileza, não confundam a minha “persona pública”
comigo, há muito de mim nela, algumas coisas eu nem mesmo sei que estão lá (mas
estão), ao mesmo tempo em que me revelo com as coisas que escrevo também me
escondo – o máximo que eu posso – por isso, deixem o julgamento acerca da minha
personalidade aos meus amigos e entes queridos, que compartilham dos meus
sonhos e projetos, e que já presenciaram o que tenho de melhor e pior. Lembrem
do que afirmava, por exemplo, Dilthey, que um texto não pode ser traduzido
apenas como uma expressão da personalidade de seu autor, mas como algo que pode
dizer da condição humana. Se meus textos tiverem essa qualidade um dia o jogo
de luz e sombra que faço aqui, mesmo com seus dissabores terá valido a pena.
Mesmo
com todos os problemas, eu me sinto feliz em viver nesse nosso “admirável mundo
novo”, e não o trocaria por nada, essa é a aventura de nosso tempo e me sinto
feliz por viver hoje. Quem quiser partilhar dessa jornada comigo, acredito que
vai ser interessante, aos demais, me excluam e sejam felizes.