http://www.watchcartoononline.com/the-looney-tunes-show-season-2-episode-10-a-christmas-carol
O
desenho animado Looney Tunes “A christmas
Carol” (deixei em inglês, pois, do contrário, perde o sentido), apresenta
uma excelente oportunidade para exemplificar alguns aspectos da hermenêutica de
Schleiermacher. Esse autor, um teólogo, com forte influência romântica, foi o
primeiro a propor uma hemenêutica universal, e foi uma importante influência no
pensamento de Jung, especialmente em seu método, que é justamente o interesse
do nosso curso. Para Schleiermacher a hermenêutica, ou interpretação, passa por
uma interpretação gramatical e, por outro lado, uma interpretação psicológica. A
interpretação é psicológica, pois a linguagem (especialmente a escrita) é o
aspecto comunitário do pensamento e, ao se interpretar um texto, o que se busca
é justamente descobrir o pensamento do autor, aquilo que ele desejava
transmitir por meio de suas palavras, mas a interpretação hermenêutica permite
que se conheça o pensamento do autor melhor do que este próprio conhecia, pois
supõe que há fatores inconscientes que se manifestam na linguagem, fatores esses
que, obviamente, não são do conhecimento do autor. No caso do desenho, e do
erro interpretativo, podemos ver com destaque o valor do aspecto gramatical da
interpretação.
O
mote do episódio é que está na época natalina, porém não há neve e o ânimo de
todos na cidade não está nada bom. Para resolver isso, Lola – a namorada de
Bugsbunny – resolve fazer uma montagem da peça natalina “A christmas Carol”, que ela desconhece completamente. Pelo título,
que no nosso vernáculo é normalmente traduzido como “Um conto de Natal”, Lola
supõe que seja a história de uma garota chamada Carol. Carol em inglês, todavia, significa “hino de natal”, mas se escreve
exatamente como o nome próprio Carol, por isso, ao ler o texto e não encontrar
nada sobre a Carol, Lola resolve escrever e estrelar sua própria versão da história
de Carol. Lola desconsidera completamente o chamado princípio hemenêutico da
caridade, que parte da suposição de que o texto, ou o que quer que seja, que se
está tentando interpretar possui um sentido. Como ela não encontrou o sentido
que desejava, abandonou completamente a famosa peça natalina.
Vejam,
para Schleiermacher, o objetivo da hermenêutica é compreender de forma correta
aquilo que foi expressado por outra pessoa, em especial na forma escrita. Sendo
a hermenêutica o processo de descobrir os pensamentos por trás das expressões. A
hermenêutica possui, ergo, duas
partes, sendo uma delas a gramatical que interpreta o enunciado como algo
derivado da linguagem. O que Lola faz, que é um grosseiro mal-entendido, é algo
pressuposto pela hermenêutica tal como proposta por Schleiermacher, para ele o
mal-entendido é um resultado costumeiro, a regra e não a exceção (os leitores
de Jung são a prova viva disso...). No que concerne ao aspecto gramatical da
hermenêutica (que é onde Lola escorrega), nos colocamos objetivamente na posição
do autor ao compreendermos a sua linguagem. Isso parece ser uma parte simples
da interpretação, mas não o é. A linguagem muda com o tempo, e mesmo a nossa
linguagem atual é eivada de polissemia e metáforas, compreender a linguagem do
autor significa, entre outras coisas, compreender o contexto da linguagem da plateia
ao qual ele se dirigia, o que, em sua época e em seu contexto, significavam
aquelas palavras. O círculo hemenêutico é justamente a percepção de que não se
pode compreender a parte sem compreender o todo, mas, paradoxalmente, não se
pode compreender o todo sem se compreender a parte. Lola escorrega na parte,
como para ela Carol é um nome próprio e não um hino natalino, ela interpreta
todo o texto incorretamente. Para compreendermos os escritos de um determinado
autor, é preciso compreender a linguagem e a história de seu tempo, isso é um
lado do círculo hemenêutico.
O
que Lola fez? Bom ela ignorou que as palavras perdem e ganham significados, que
existe uma polissemia nas palavras e que, como o autor deseja comunicar algo a
alguém, pressupomos uma linguagem comum. O que a coelhinha maluca faz – em certo
sentido – se assemelha ao erro de interpretar a o enunciado a partir da
compreensão contemporânea da linguagem, mesmo que esse enunciado venha de um
uso anterior, o que leva a mal-entendidos. No caso de Lola, para ser mais preciso,
se assemelha mais ao que Bachelard chamava de “obstáculo verbal”, ou seja, uma
falsa explicação obtida com a ajuda de uma palavra explicativa, uma tendência de
se associar uma palavra concreta a uma abstrata. Como se pode perceber, é muito
comum que ocorram mal-entendidos, e nem todos eles são tão engraçados qanto o
cometido por Lola...