Pain
(ペイン)
é um dos personagens de Naruto com um dos simbolismos mais ricos e
interessantes, que bebe diretamente da fonte do budismo – uma das três
religiões mais importantes do continente asiático. Quando surgiu pela primeira
vez, Pain era o misterioso líder da organização criminosa Akatsuki, e aparecia
apenas como uma silhueta quando os membros se reuniam para selar os Bijus
capturados. O único detalhe que chamava atenção eram seus estranhos olhos,
brancos com círculos concêntricos.
Mais
sobre o mistério envolvendo a personagem foi revelado quando Jiraya se
infiltrou na Vila da Chuva para obter informações sobre a Akatsuki. Em uma
batalha épica, Jiraya descobriu que Pain, assim como sua aliada Konan, eram na
realidade seus três antigos discípulos. Durante a grande guerra ninja, Jiraya
se apiedou de três jovens órfãos e resolveu adiar seu retorno a Vila da Folha
para treiná-los e, ao mesmo tempo, incutir neles seus valores, na esperança de,
um dia, mudar a realidade cheia de guerras e sofrimento.
Durante
o treinamento, Nagato – que viria a se tornar o vilão Pain – demonstrou uma
habilidade ocular lendária: o Rinnengan. De acordo com as lendas dos ninjas, o
primeiro e mais poderoso de todos os ninjas, o Rikudo Sennin, o eremita dos
seis caminhos, possuía esses olhos que lhe conferiam habilidades
extraordinárias. Após um período de dois anos, Jiraya concluiu o treinamento de
Nagato, Yahiko e Konan e partiu, deixando os órfãos entregues ao seu destino.
Quando
se deparou novamente com seus antigos pupilos, Jiraya teve que lutar com eles,
mas dessa vez, Pain controlava perfeitamente os lendários seis caminhos e todos
os seis poderes. Jiraya derrotou três dos caminhos, mas ainda assim foi morto
de maneira impiedosa por seu ex-aluno. Antes de morrer, ele enviou uma mensagem
em código ao seu discípulo, Naruto, explicando o segredo por trás do poder
avassalador de Pain.
Quando
Pain aparece novamente, o vemos atacando sozinho a Vila da Folha e a destruindo
completamente, para obter a Kyubi selada no estômago de Naruto. Nessa luta, em
que os ninjas da folha travam uma batalha desesperada e presenciam,
horrorizados, sua vila ser reduzida a escombros, os seis caminhos são mostrados
e seus poderes revelados. Pain na verdade eram seis ninjas, todos com o
Rinengam, cada um deles com um poder específico. Uma podia invocar os mais
variados monstros, outro era um tipo de robô cheio de armas de destruição em
massa, um ninja capaz de devorar qualquer tipo de jutsu direcionado a ele, um
ninja com o poder de arrancar a alma das pessoas e com isso extrair toda a
informação de suas mentes e matá-la no processo, um deles com o poder
ressucitar os demais e, por fim, o mais terrível de todos, e responsável pela
obliteração de Konoha, com o poder de atrair ou repelir objetos.
Naruto
desvenda a mensagem em código enviada por seu falecido mestre e descobre que
nenhum dos seis ninjas com quem estivera pelejando era o verdadeiro Nagato,
todos eram cadáveres animados pelo poder do Rinengam que compartilhavam o mesmo
campo de visão. Com uma ajudinha de seu falecido pai, e dos sapos do monte Myoboku
(妙木山),
Naruto derrota os seis caminhos e encontra com Nagato e Konan cara a cara. Ao
invés de lutar, Naruto o convence a retomar os antigos ideiais de seu mestre,
Jiraya. Arrependido e já muito debilitado, Nagato se sacrifica para resuscitar
todos os ninjas mortos em Konoha.
Pain
é uma referência à palavra inglesa que significa dor, sofrimento, e a
personagem é mostrada como alguém que experimentou, desde a mais tenra idade,
grandes sofrimentos em virtude das guerras. A ideia do sofrimento é central no
pensamento budista, e, como disse antes, o rico simbolismo de Pain é oriundo do
pensamento budista. A primeira das quatro nobres verdades descobertas por Buda
foi a verdade da existência do sofrimento (Dukka). Sidarta Gautama, por meio de
incontáveis renascimentos e, em sua última encarnação, ao sentar-se para
meditar sobre a árvore Bodhi, percebeu que viver é sofrer. As demais nobres
verdades são: a verdade da origem do sofrimento, da cessação do sofrimento e o
caminho para a cessação do sofrimento. Há, no pensamento budista uma
centralidade da noção de sofrimento, assim como da noção de impermanência. O
sofrimento tradicionalmente é divido em três tipos. O primeiro é Dukka-Dukka: o
sofrimento decorrente do nascimento, envelhecimento, doença e morte. O segundo
é Viparinama-Dukka: a ansiedade decorrente do apego, de tentar manter algo num
universo sujeito perpetuamente à mudança. A terceira é Samkhara-Dukka: o
sofrimento inerente e a todas as formas de existência em virtude da
impermanência, pois todos os fenômenos compostos são impermanente e vazios de
existência intríseca e, cessadas as causas e condições desses fenômenos eles
também desaparecem.
Para
o pensamento budista, a origem do sofrimento são as Kleishas, emoções aflitivas
que possuem suas raízes na ignorância. Existem três Kleishas, comumento
conhecidas como “os três venenos” (alguns textos se referem a 5 venenos). O
primeiro desses venenos é a ignorância (avidya), a incompreensão da natureza da
realidade dos fenômenos, essa incompreensão se baseia na ideia de que os
fenômenos são sólidos e realmente existentes por eles mesmos. O que a
filosofia budista sustenta é que os fenômenos não simplesmente existem por eles
mesmos de forma independente, eles existem de maneira dependente. Para que um
fenômeno exista ele necessita de que certas causas e condições ocorram e quando
elas desaparecem, ele também se extingue, além disso, todos os fenômenos
dependem de um observador para existir, para o budismo nós projetamos
constantemente nossa realidade e nos agarramos avidamente a ela. A ilusão de um
eu que observa depende da ilusão de que há um objeto a ser observado, assim,
constantemente criamos nossa realidade. É interessante comparar isso a noção
junguiana de sombra/inconsciente como exposta no Aion, de acordo com essa
concepção, a sombra é, a princípio, o inconsciente como um todo e representa um
dilema moral, além de representar um problema de outra ordem, pois se não
conhecemos a nós mesmos, no sentido de conhecer o fato psicológico real, não
somos capazes de conhecer o mundo. Ele se torna um fator subjetivo, porém
desconhecido.
Os
dois outros venenos são apego e aversão. Só é possível ter apego ou aversão
tendo por base a ignorância, a não percepção de que tudo é impermamente, vazio
de realidade intrínseca e não existente por si mesmo. Logo, ao vermos algo
belo, acreditamos que a beleza está no objeto, e que ele existe de maneira
independente de nossa percepção, e logo sentimos o desejo de possuir essa coisa
bela, o que reforça a ilusão do eu. Sentimos que não poderemos ser felizes a
não ser que possamos ter essa pessoa ou objeto, e ficamos frustrados e
sorumbáticos quando não podemos possuir tal coisa, projetamos nossa felicidade
nesse objeto, sem perceber que a beleza que vemos nele depende de nossa
percepção e de nossas fabricações mentais. O mesmo se dá com a aversão, ao
percebermos algo como feio ou repulsivo nós queremos nos afastar dessa pessoa
ou objeto e nos sentimos tristes e miseráveis se somos obrigados a permanecer
próximos disso que sentimos aversão. No budismo tibetano há um ditado que diz
que para não ferir os pés, ao invés de tentar cobrir o mundo com couro, basta
calçar sapatos. Nesse sentido, o budismo apregoa uma mudança de percepção, ao
invés de tentarmos mudar os objetos, ao sentir desejo e aversão, começamos a
perceber como nossa percepção, e nossas fabricações mentais funcionam e criam a
nossa realidade e nosso sofrimentos. Minha mestra de budismo tibetano diz com
frequência que “a nossa confusão mental é o nosso caminho espiritual”, aos nos
familiarizarmos com nossas fabricações mentais e nossas tendências e hábitos
neuróticos, podemos perceber como essa confusão mental funciona e o que nos
prende a ela. Isso é feito por meio do estudo da filosofia budista e da
meditação. Como se pode notar, Pain não deseja alterar sua atitude, sua
percepção dos fenômenos, mas dirige toda a sua atenção a um esforço de amealhar
poder para afetuar uma mudança forçosa no mundo e nas pessoas que o cercam, ele
está preso à ilusão de controle.
Nagato
encarna vários desses sofrimentos, ele perdeu seus pais e seu melhor amigo nas
chamas da guerra, e teve seu corpo devastado pelo uso de um jutsu proibido
tornando-se inválido e sujeito a constante sofrimento, o que corresponde as
duas primeiras categorias budistas de sofrimento. Seu cinismo e pessimismo, bem
como vários traços de sua personalidade decorrem de sua percepção dessa
insatisfação imanente ao samsara, ao mundo dos fenômenos, que por serem
impermamentes, ilusórios, trazem perpétua insatisfação. Pain é uma encarnação
viva do sofrimento em seu aspecto negativo, da ignorância na perspectiva
budista. A perspectiva de Buda é centrada na percepção da existência do
sofrimento e de suas causas, mas também na possibilidade de transcender o
sofrimento e na ideia da compaixão, para que todos os seres possam se ver
livres do sofrimento e das causas do sofrimento. Naruto, por seu lado, encarna
esse aspecto do ensinamento do sofrimento, pois ele também perdeu seus pais e
teve uma vida repleta de todo o tipo de dores e dissabores, porém sua atitude não
é cínica, como a de Nagato, mas compassiva. Pain é alguém que se afundou na
ignância em virtude de seu intenso sofrimento e da percepção da universalidade
desse sofrimento no acontecer humano. Para o budismo, diferente das religiões
levantinas, que possuem um mito de um paraíso perdido e uma queda e perda da
graça, a dicotomia não é entre bem e mal, mas sim entre ignorância e
iluminação. Para o budismo é bom tudo aquilo que lhe aproxima das quatro nobres
verdades e de sua plena realização, e mau tudo o que lhes afasta dela e traz
mais ignorância. Além disso, a manifestação da sabedoria fundamental que está
em todos os seres, e que está apenas obscurecida pela ignorância, é a
compaixão. O que Pain encarna é uma percepção do sofrimento unilateral e
excessivamente intelectual, racional, que exclui todos os aspectos irracionais
da vida, em que o intelecto procura substituir o sentimento. Naruto, ao
contrário, é o tolo, e, como bem ensina Von Franz, ele simboliza o caráter
genuíno básico e a integridade da personalidade. Onde a dor trouxe para Nagato
separação, isolamento e solidão, Naruto traz integração, amizade e
companheirismo. A resposta de Nagato ao seu sofrimento foi à busca desenfreda
de poder, e onde há poder não existe Eros. A resposta de Naruto ao
questionamento de Nagato, sobre como colocar um fim ao sofrimento, foi aquilo
que Jung denominava de pistis,
palavra grega que significa lealdade confiante a própria lei, um tipo de fé no
próprio caminho e na própria designação. Naruto não deu uma resposta
intelectual e racional a Nagato, mas ele mesmo se ofereceu como resposta, sua
resposta, ao Pain alquebrado e fragmentado, foi o vislumbre da integridade da
personalidade.
Outro
aspecto interessante do simbolismo de Pain são os seus seis caminhos. Esses
seis caminhos, que são os seis cadáveres animados pelo poder do Rinengan, cada
um com uma habilidade específica, correspondem às seis possibilidades de
reencarnação que existem na filosofia budista, com base na ideia dos bardos.
Existe
um equívoco muito comum no que diz respeito à percepção do que sejam os bardos
da filosofia do budismo tibetano. É comum que se pense que o bardo é um estádio
intermediário entre a vida e a morte, que a consciência atravessa depois da
morte em direção a uma nova encarnação, essa é, no entanto, uma ideia tola e
uma incompreensão grosseira. Existem, na perspectiva budista, seis bardos. A
palavra bardo, em tibetano, pode ser traduzida como transição, estado intermediário.
Quando pensamos na impermanência, que é uma noção central no budismo, a ideia
de bardo se torna mais clara, pois sendo tudo impermanente, todos os estados
também o são. Há o bardo natural dessa vida, visto todos morremos e a vida ser
um estado finito, logo impermanente; o bardo do sonho, o bardo da meditação, o
bardo da morte – que é descrito em detalhes pelo budismo tibetano – o quinto
bardo é chamado em tibetano de Chönyid, onde se experimenta a luminosidade da
verdadeira natureza da mente e, por fim, o bardo do vir a ser, em que o karma
leva a uma nova encarnação em um dos seis reinos. São justamente esses seis
reinos que dão nome aos seis caminhos de Pain.
Os
seis caminhos de Pain (ペイン六道) são: o caminho do Deva (天道, tendo na pronuncia
japonesa), O caminho do Asura (修羅道, shurado), caminho humano (人間道, ningendo), caminho dos
animais (畜生道, chikushodo), o caminho dos espíritos famintos/pretas (餓鬼道, gakido), e o caminho do
naraka/inferno (地獄道, Jigokudo). Cada um desses caminhos possui uma habilidade:
habilidade de comandar as forças de atração e repulção, invocar uma armadura
mecânica com seis braços e três rostos, ler a mente e arrancar a alma do corpo
causando morte instantânea, o poder de invocar diversos tipos de animais e
monstros, a habilidade de absorver chackra em qualquer forma em que ele se
manifeste, e por fim, o Narakado pode saber quando alguém fala a verdade bem
como devolver a vida de alguém.
Os
seis caminhos são, precisamente, as seis possibilidades de reencarnação no
budismo, cada uma ligada a um estado de mente ou emoção que acompanha a
consciência nos estágios que procedem depois da morte e no exato momento da
morte. Existem na tradição budista vívidas descrições dos sofrimentos
associados aos seis reinos que possuem o intuito de despertar compaixão por
todos os seres presos nos seis reinos e inspirá-los a atingir a iluminação para
trabalhar sem cessar para guiar esses seres para a iluminação.
O
caminho Deva, ou reino dos deuses, é uma projeção kérmica da mescla de virtude
com orgulho, existem dois tipos de Devas: os deuses sensuais ou mundanos e os
deuses dos reinos da não forma. No reino dos Devas, ou deuses, podem manifestar
qualquer coisa que desejem por meio de suas mentes. Vivem por milhares de anos
em meio a incríveis prazeres sensuais, em um ambiente repleto de beleza, luxo,
onde a mais bela mulher humana pareceria não mais do que uma bruxa horrenda.
Acima dos deuses mundanos existem os deuses da não-forma que não necessitam de
substância para ter bemaventurança, que deriva de estados mentais meditativos. Podem
viver por eras intermináveis, sendo muito mais longevos do que os deuses
mundanos.
Mesmo
podendo viver por muitos séculos eles são mortais e sua morte é fonte de grande
sofrimento. Para os deuses da não forma a morte significa um aprisionamento na
matéria e a queda de um estado meditativo sublime. A aproximação de sua morte
se manifesta por distrações que começam a afastá-los de seus estados
meditativos. Os sinais de que a morte se aproxima para os deuses mundanos é o
ressecamento das flores de suas guirlandas, e seus corpos passam a exalar um
odor desagradável, os outros deuses ao perceberem com sua clarividência que a
morte está se cercando os escoltam até os jardins mais distantes, fazem votos
de que renasçam como seres humanos e os esquecem ali, onde passam por 350 anos
de doença e aflição até finalmente morrerem. Sua virtude, que os levou a um
renascimento como deuses se esgotou e, seu orgulho e egoísmo os impediu de
acumular mais virtudes e desperdiçaram suas vidas sem buscar a iluminação. Os
mais afortunados renascem como humanos, mas os demais, ao passarem pelo bardo
sentem muita raiva e descem mais, tornando-se Asuras.
Ocaminho
ou reino dos Asuras, ou titãs, ou deuses invejosos, é uma projeção cármica de
virtude misturado com inveja. Seu reino possui deslumbrantes palácios e muitas
maravilhas mágicas, e seus poderes lhes permitem feitos assombrosos com seus
corpos e mentes, mas eles não são capazes de experimentar a felicidade genuína
e duradoura, pois são movidos pela competitividade, malícia e cobiça. Eles
travam intermináveis guerras entre si e com os deuses mundanos que vivem acima
deles. Suas guerras contra os Devas são movidas pela inveja, mas mesmo com seus
incríveis poderes não são páreos para os devas. Muito maiores que os Asuras e
capazes de curar qualquer ferimento instantaneamente, os Devas só podem ser
mortos por decapitação. Os Asuras, assim como os humanos, morrem caso algum
golpe os fira em qualquer ponto vital. Para piorar sua situação, as armas dos
arsenais dos Devas são muito mais poderosas.
Mesmo
sabendo que serão derrotados e massacrados, os Asuras declaram uma guerra
depois da outra contra os Devas em um ciclo de morte, destruição e devastação
interminável, tombando futilmente diante das armas encantadas dos deuses em
meio ao caos e ao sofrimento.
O
caminho humano, ou reino humano, ou renascimento humano, é uma mistura de
karmas, de várias virtudes combinadas com os 3 venenos. Como não existe a
predominância de nenhum veneno, há uma fluidez e liberdade desconhecidas em
qualquer outro reino. Além disso, o renascimento humano é considerado o único
renascimento realmente auspicioso, pois apenas na forma humana se pode atingir
a liberação do samsara e do interminável ciclo de reencarnações. No budismo
existem diversas meditações que visam conscientizar os adeptos do “renascimento
humano precioso”, pois é tido como uma rara e valiosa oportunidade, que pode
levar éons até que se tenha essa oportunidade novamente, com milhões de
encarnações nos outros reinos. Uma dessas interessantes meditações é: imagina
um oceano tão extenso quanto o universo. Imagine que sobre esse oceano flutua
uma argola e que no fundo dele vive uma tartaruga cega. A cada dez mil anos
essa tartaruga aleatoriamente coloca a cabeça para fora da água. A chance dessa
tartaruga colocar sua cabeça exatamente na argola que flutua sore esse mar cósmico
é idêntica a chance que os seres têm de renascer no reino humano.
O
caminho humano proporciona uma grande variedade de sensações e sentimentos, que
se alternam initerruptamente. Aqueles que renascem nos infernos estão sempre
sofrendo, e isso por incontáveis eras, enquanto os deuses da não forma
experimentam êxtase por milhares de anos, e os deuses mundanos sempre
experimentam prazer e contentamente vivendo despreocupados por séculos e séculos.
Os humanos podem sentir todo o espectro de emoções e sensações, em uma rápida
sucessão, podendo em instantes ir do pior tormento do inferno ao êxtase. Isso porporciona
aos seres humanos uma grande liberdade e a possibilidade de experimentar nessa
vida a felicidade genuína e alcançar a liberação, cortando as raízes do
sofrimento.
O
caminho animal, ou o reino animal, é um resultado direto do karma da estupidez,
da ignorância. Os animais vivem uma vida brutal, como predadores famintos ou
presas amedrontadas. Incapazes de se comunicar, são tratados pelos humanos como
objetos, e sua vida e dignidade raramente é valorizada. Suas vidas são curtas e
violentas, e podem ser tornadas ainda piores pelos humanos, que os encarceram
em zoológicos e os utilizam como cobaias em experimentos. Ao renascer nesse
caminho, repentimamente vemo-nos privados de consciência, o que barra
completamente a possibilidade de elevar o sofrimento à purificação. Aos animais
resta apenas esperar que seu karma se esgote completamente e eles possam
renascer em outro reino, pois nesse reino sua inteligência e compreensão
torna-se necessariamente muito limitada e insuficiente para compreender os
habilidosos caminhos que podem levar a liberação.
O
caminho ou reino dos espíritos famintos, pretas, ou espíritos carentes é
causado pelo karma da avidez, mesquinharia e roubo. Eles vivem em um ambiente
completamente devastado e seco, e são acossados por uma fome e sede implacável,
que os comsomem e atormentam em cada minuto de suas vidas. Seus tormentos são
terríveis, e sempre relacionados à comida e bebida, e a impossibilidade de
comer e se saciar. Sua fome nunca pode ser aplacada e alguns deles só conseguem
enxergar a comida como substancias revoltantes e nojentas, em outros casos não
conseguem se alimentar em virtude de seus corpos horrivelmente desfigurados ou
por seus bloqueios e aflições mentais. Não há nada que possam fazer nessa
condição para escapar dela ou buscar a iluminação, apenas esperar que seu karma
se esgote e possam renascer em algum outro reino.
O
caminho do inferno, ou reino dos infernos é uma projeção da raiva e do ódio. Os
seres no inferno sofrem interminavelmente e não conhecem nada a não ser dor e
sofrimento, o que impede a sua consciência de buscar a liberação. Na perspectiva
budista existem oito infernos quentes que são projeções da cólera, e são a consequência
karmica de ações cometidas sob o efeito da raiva. Nesses infernos os condenados
sofrem torturas pelo fogo e não podem morrer. Mesmo após serem cortados em pedaços,
assados, fervidos, afogados, queimados, espetados eles revivem para que seu tormento
possa se reiniciar em um ciclo que parece ser interminável. Os oito infernos
gelados são um reflexo da raiva fria, e neles os corpos dos condenados congelam
até se partir em pedaços e sofrem tormentos inimagináveis por milhares de anos.
Quando um dos condenados consegue finalmente morrer em um desses infernos ele
renasce imediatamente em um inferno diferente, até esgotar completamente o seu
karma.
A
alegoria budista utilizada pro Kishimoto ao criar o complexo vilão Pain mostra
com clareza o profundo caráter metafórico do pensamento budista. Nagato é um
ser humano mortal, mas ele vive preso aos tormentos ligados aos 3 ou 5 venenos,
sua cólera, inveja e ignorância o agrilhoam a um inferno na terra, e ao seu
redor tudo o que se vê é desolação e destruição onde nada pode crescer e
florescer. São seus estados de espírito que engendram o mundo em que ele vive,
e suas emoções aflitivas condicionam a maneira como ele enxerga e vivencia o
mundo. Nesse ponto, tanto Kishimoto, quanto a filosofia budista na qual ele se
inspira, guardam semelhança com o pensamento psicológico de Jung. Para o
psiquiatra suíço, sem uma atitude psicológica não pode haver o processo de
apercepção ativa. Junto do processo quase que puramente físico de percepção há
um processo psíquico de apercepção, em que por meio das 4 funções da consciência
formamos uma imagem psíquica do mundo. O mundo por ele mesmo é inacessível, só
temos acesso imediato ao mundo às imagens da alma, que são condicionadas pela
nossa atitude, para Jung a psique é a própria existência, e, em consonância com
o pensamento budista, ele afirma que importam menos os objetos e mais a forma
de apetecer.