quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

PAIN - ペイン

Pain (ペイン) é um dos personagens de Naruto com um dos simbolismos mais ricos e interessantes, que bebe diretamente da fonte do budismo – uma das três religiões mais importantes do continente asiático. Quando surgiu pela primeira vez, Pain era o misterioso líder da organização criminosa Akatsuki, e aparecia apenas como uma silhueta quando os membros se reuniam para selar os Bijus capturados. O único detalhe que chamava atenção eram seus estranhos olhos, brancos com círculos concêntricos.

Mais sobre o mistério envolvendo a personagem foi revelado quando Jiraya se infiltrou na Vila da Chuva para obter informações sobre a Akatsuki. Em uma batalha épica, Jiraya descobriu que Pain, assim como sua aliada Konan, eram na realidade seus três antigos discípulos. Durante a grande guerra ninja, Jiraya se apiedou de três jovens órfãos e resolveu adiar seu retorno a Vila da Folha para treiná-los e, ao mesmo tempo, incutir neles seus valores, na esperança de, um dia, mudar a realidade cheia de guerras e sofrimento.

Durante o treinamento, Nagato – que viria a se tornar o vilão Pain – demonstrou uma habilidade ocular lendária: o Rinnengan. De acordo com as lendas dos ninjas, o primeiro e mais poderoso de todos os ninjas, o Rikudo Sennin, o eremita dos seis caminhos, possuía esses olhos que lhe conferiam habilidades extraordinárias. Após um período de dois anos, Jiraya concluiu o treinamento de Nagato, Yahiko e Konan e partiu, deixando os órfãos entregues ao seu destino.

Quando se deparou novamente com seus antigos pupilos, Jiraya teve que lutar com eles, mas dessa vez, Pain controlava perfeitamente os lendários seis caminhos e todos os seis poderes. Jiraya derrotou três dos caminhos, mas ainda assim foi morto de maneira impiedosa por seu ex-aluno. Antes de morrer, ele enviou uma mensagem em código ao seu discípulo, Naruto, explicando o segredo por trás do poder avassalador de Pain.

Quando Pain aparece novamente, o vemos atacando sozinho a Vila da Folha e a destruindo completamente, para obter a Kyubi selada no estômago de Naruto. Nessa luta, em que os ninjas da folha travam uma batalha desesperada e presenciam, horrorizados, sua vila ser reduzida a escombros, os seis caminhos são mostrados e seus poderes revelados. Pain na verdade eram seis ninjas, todos com o Rinengam, cada um deles com um poder específico. Uma podia invocar os mais variados monstros, outro era um tipo de robô cheio de armas de destruição em massa, um ninja capaz de devorar qualquer tipo de jutsu direcionado a ele, um ninja com o poder de arrancar a alma das pessoas e com isso extrair toda a informação de suas mentes e matá-la no processo, um deles com o poder ressucitar os demais e, por fim, o mais terrível de todos, e responsável pela obliteração de Konoha, com o poder de atrair ou repelir objetos.

Naruto desvenda a mensagem em código enviada por seu falecido mestre e descobre que nenhum dos seis ninjas com quem estivera pelejando era o verdadeiro Nagato, todos eram cadáveres animados pelo poder do Rinengam que compartilhavam o mesmo campo de visão. Com uma ajudinha de seu falecido pai, e dos sapos do monte Myoboku (妙木山), Naruto derrota os seis caminhos e encontra com Nagato e Konan cara a cara. Ao invés de lutar, Naruto o convence a retomar os antigos ideiais de seu mestre, Jiraya. Arrependido e já muito debilitado, Nagato se sacrifica para resuscitar todos os ninjas mortos em Konoha.


Pain é uma referência à palavra inglesa que significa dor, sofrimento, e a personagem é mostrada como alguém que experimentou, desde a mais tenra idade, grandes sofrimentos em virtude das guerras. A ideia do sofrimento é central no pensamento budista, e, como disse antes, o rico simbolismo de Pain é oriundo do pensamento budista. A primeira das quatro nobres verdades descobertas por Buda foi a verdade da existência do sofrimento (Dukka). Sidarta Gautama, por meio de incontáveis renascimentos e, em sua última encarnação, ao sentar-se para meditar sobre a árvore Bodhi, percebeu que viver é sofrer. As demais nobres verdades são: a verdade da origem do sofrimento, da cessação do sofrimento e o caminho para a cessação do sofrimento. Há, no pensamento budista uma centralidade da noção de sofrimento, assim como da noção de impermanência. O sofrimento tradicionalmente é divido em três tipos. O primeiro é Dukka-Dukka: o sofrimento decorrente do nascimento, envelhecimento, doença e morte. O segundo é Viparinama-Dukka: a ansiedade decorrente do apego, de tentar manter algo num universo sujeito perpetuamente à mudança. A terceira é Samkhara-Dukka: o sofrimento inerente e a todas as formas de existência em virtude da impermanência, pois todos os fenômenos compostos são impermanente e vazios de existência intríseca e, cessadas as causas e condições desses fenômenos eles também desaparecem.

Para o pensamento budista, a origem do sofrimento são as Kleishas, emoções aflitivas que possuem suas raízes na ignorância. Existem três Kleishas, comumento conhecidas como “os três venenos” (alguns textos se referem a 5 venenos). O primeiro desses venenos é a ignorância (avidya), a incompreensão da natureza da realidade dos fenômenos, essa incompreensão se baseia na ideia de que os fenômenos são sólidos e realmente existentes por eles mesmos. O que a filosofia budista sustenta é que os fenômenos não simplesmente existem por eles mesmos de forma independente, eles existem de maneira dependente. Para que um fenômeno exista ele necessita de que certas causas e condições ocorram e quando elas desaparecem, ele também se extingue, além disso, todos os fenômenos dependem de um observador para existir, para o budismo nós projetamos constantemente nossa realidade e nos agarramos avidamente a ela. A ilusão de um eu que observa depende da ilusão de que há um objeto a ser observado, assim, constantemente criamos nossa realidade. É interessante comparar isso a noção junguiana de sombra/inconsciente como exposta no Aion, de acordo com essa concepção, a sombra é, a princípio, o inconsciente como um todo e representa um dilema moral, além de representar um problema de outra ordem, pois se não conhecemos a nós mesmos, no sentido de conhecer o fato psicológico real, não somos capazes de conhecer o mundo. Ele se torna um fator subjetivo, porém desconhecido.

Os dois outros venenos são apego e aversão. Só é possível ter apego ou aversão tendo por base a ignorância, a não percepção de que tudo é impermamente, vazio de realidade intrínseca e não existente por si mesmo. Logo, ao vermos algo belo, acreditamos que a beleza está no objeto, e que ele existe de maneira independente de nossa percepção, e logo sentimos o desejo de possuir essa coisa bela, o que reforça a ilusão do eu. Sentimos que não poderemos ser felizes a não ser que possamos ter essa pessoa ou objeto, e ficamos frustrados e sorumbáticos quando não podemos possuir tal coisa, projetamos nossa felicidade nesse objeto, sem perceber que a beleza que vemos nele depende de nossa percepção e de nossas fabricações mentais. O mesmo se dá com a aversão, ao percebermos algo como feio ou repulsivo nós queremos nos afastar dessa pessoa ou objeto e nos sentimos tristes e miseráveis se somos obrigados a permanecer próximos disso que sentimos aversão. No budismo tibetano há um ditado que diz que para não ferir os pés, ao invés de tentar cobrir o mundo com couro, basta calçar sapatos. Nesse sentido, o budismo apregoa uma mudança de percepção, ao invés de tentarmos mudar os objetos, ao sentir desejo e aversão, começamos a perceber como nossa percepção, e nossas fabricações mentais funcionam e criam a nossa realidade e nosso sofrimentos. Minha mestra de budismo tibetano diz com frequência que “a nossa confusão mental é o nosso caminho espiritual”, aos nos familiarizarmos com nossas fabricações mentais e nossas tendências e hábitos neuróticos, podemos perceber como essa confusão mental funciona e o que nos prende a ela. Isso é feito por meio do estudo da filosofia budista e da meditação. Como se pode notar, Pain não deseja alterar sua atitude, sua percepção dos fenômenos, mas dirige toda a sua atenção a um esforço de amealhar poder para afetuar uma mudança forçosa no mundo e nas pessoas que o cercam, ele está preso à ilusão de controle.

Nagato encarna vários desses sofrimentos, ele perdeu seus pais e seu melhor amigo nas chamas da guerra, e teve seu corpo devastado pelo uso de um jutsu proibido tornando-se inválido e sujeito a constante sofrimento, o que corresponde as duas primeiras categorias budistas de sofrimento. Seu cinismo e pessimismo, bem como vários traços de sua personalidade decorrem de sua percepção dessa insatisfação imanente ao samsara, ao mundo dos fenômenos, que por serem impermamentes, ilusórios, trazem perpétua insatisfação. Pain é uma encarnação viva do sofrimento em seu aspecto negativo, da ignorância na perspectiva budista. A perspectiva de Buda é centrada na percepção da existência do sofrimento e de suas causas, mas também na possibilidade de transcender o sofrimento e na ideia da compaixão, para que todos os seres possam se ver livres do sofrimento e das causas do sofrimento. Naruto, por seu lado, encarna esse aspecto do ensinamento do sofrimento, pois ele também perdeu seus pais e teve uma vida repleta de todo o tipo de dores e dissabores, porém sua atitude não é cínica, como a de Nagato, mas compassiva. Pain é alguém que se afundou na ignância em virtude de seu intenso sofrimento e da percepção da universalidade desse sofrimento no acontecer humano. Para o budismo, diferente das religiões levantinas, que possuem um mito de um paraíso perdido e uma queda e perda da graça, a dicotomia não é entre bem e mal, mas sim entre ignorância e iluminação. Para o budismo é bom tudo aquilo que lhe aproxima das quatro nobres verdades e de sua plena realização, e mau tudo o que lhes afasta dela e traz mais ignorância. Além disso, a manifestação da sabedoria fundamental que está em todos os seres, e que está apenas obscurecida pela ignorância, é a compaixão. O que Pain encarna é uma percepção do sofrimento unilateral e excessivamente intelectual, racional, que exclui todos os aspectos irracionais da vida, em que o intelecto procura substituir o sentimento. Naruto, ao contrário, é o tolo, e, como bem ensina Von Franz, ele simboliza o caráter genuíno básico e a integridade da personalidade. Onde a dor trouxe para Nagato separação, isolamento e solidão, Naruto traz integração, amizade e companheirismo. A resposta de Nagato ao seu sofrimento foi à busca desenfreda de poder, e onde há poder não existe Eros. A resposta de Naruto ao questionamento de Nagato, sobre como colocar um fim ao sofrimento, foi aquilo que Jung denominava de pistis, palavra grega que significa lealdade confiante a própria lei, um tipo de fé no próprio caminho e na própria designação. Naruto não deu uma resposta intelectual e racional a Nagato, mas ele mesmo se ofereceu como resposta, sua resposta, ao Pain alquebrado e fragmentado, foi o vislumbre da integridade da personalidade.

Outro aspecto interessante do simbolismo de Pain são os seus seis caminhos. Esses seis caminhos, que são os seis cadáveres animados pelo poder do Rinengan, cada um com uma habilidade específica, correspondem às seis possibilidades de reencarnação que existem na filosofia budista, com base na ideia dos bardos.

Existe um equívoco muito comum no que diz respeito à percepção do que sejam os bardos da filosofia do budismo tibetano. É comum que se pense que o bardo é um estádio intermediário entre a vida e a morte, que a consciência atravessa depois da morte em direção a uma nova encarnação, essa é, no entanto, uma ideia tola e uma incompreensão grosseira. Existem, na perspectiva budista, seis bardos. A palavra bardo, em tibetano, pode ser traduzida como transição, estado intermediário. Quando pensamos na impermanência, que é uma noção central no budismo, a ideia de bardo se torna mais clara, pois sendo tudo impermanente, todos os estados também o são. Há o bardo natural dessa vida, visto todos morremos e a vida ser um estado finito, logo impermanente; o bardo do sonho, o bardo da meditação, o bardo da morte – que é descrito em detalhes pelo budismo tibetano – o quinto bardo é chamado em tibetano de Chönyid, onde se experimenta a luminosidade da verdadeira natureza da mente e, por fim, o bardo do vir a ser, em que o karma leva a uma nova encarnação em um dos seis reinos. São justamente esses seis reinos que dão nome aos seis caminhos de Pain.

Os seis caminhos de Pain (ペイン六道) são: o caminho do Deva (天道, tendo na pronuncia japonesa), O caminho do Asura (修羅道, shurado), caminho humano (人間道, ningendo), caminho dos animais (畜生道, chikushodo), o caminho dos espíritos famintos/pretas (餓鬼道, gakido), e o caminho do naraka/inferno (地獄道, Jigokudo). Cada um desses caminhos possui uma habilidade: habilidade de comandar as forças de atração e repulção, invocar uma armadura mecânica com seis braços e três rostos, ler a mente e arrancar a alma do corpo causando morte instantânea, o poder de invocar diversos tipos de animais e monstros, a habilidade de absorver chackra em qualquer forma em que ele se manifeste, e por fim, o Narakado pode saber quando alguém fala a verdade bem como devolver a vida de alguém.

Os seis caminhos são, precisamente, as seis possibilidades de reencarnação no budismo, cada uma ligada a um estado de mente ou emoção que acompanha a consciência nos estágios que procedem depois da morte e no exato momento da morte. Existem na tradição budista vívidas descrições dos sofrimentos associados aos seis reinos que possuem o intuito de despertar compaixão por todos os seres presos nos seis reinos e inspirá-los a atingir a iluminação para trabalhar sem cessar para guiar esses seres para a iluminação.

O caminho Deva, ou reino dos deuses, é uma projeção kérmica da mescla de virtude com orgulho, existem dois tipos de Devas: os deuses sensuais ou mundanos e os deuses dos reinos da não forma. No reino dos Devas, ou deuses, podem manifestar qualquer coisa que desejem por meio de suas mentes. Vivem por milhares de anos em meio a incríveis prazeres sensuais, em um ambiente repleto de beleza, luxo, onde a mais bela mulher humana pareceria não mais do que uma bruxa horrenda. Acima dos deuses mundanos existem os deuses da não-forma que não necessitam de substância para ter bemaventurança, que deriva de estados mentais meditativos. Podem viver por eras intermináveis, sendo muito mais longevos do que os deuses mundanos.

Mesmo podendo viver por muitos séculos eles são mortais e sua morte é fonte de grande sofrimento. Para os deuses da não forma a morte significa um aprisionamento na matéria e a queda de um estado meditativo sublime. A aproximação de sua morte se manifesta por distrações que começam a afastá-los de seus estados meditativos. Os sinais de que a morte se aproxima para os deuses mundanos é o ressecamento das flores de suas guirlandas, e seus corpos passam a exalar um odor desagradável, os outros deuses ao perceberem com sua clarividência que a morte está se cercando os escoltam até os jardins mais distantes, fazem votos de que renasçam como seres humanos e os esquecem ali, onde passam por 350 anos de doença e aflição até finalmente morrerem. Sua virtude, que os levou a um renascimento como deuses se esgotou e, seu orgulho e egoísmo os impediu de acumular mais virtudes e desperdiçaram suas vidas sem buscar a iluminação. Os mais afortunados renascem como humanos, mas os demais, ao passarem pelo bardo sentem muita raiva e descem mais, tornando-se Asuras.

Ocaminho ou reino dos Asuras, ou titãs, ou deuses invejosos, é uma projeção cármica de virtude misturado com inveja. Seu reino possui deslumbrantes palácios e muitas maravilhas mágicas, e seus poderes lhes permitem feitos assombrosos com seus corpos e mentes, mas eles não são capazes de experimentar a felicidade genuína e duradoura, pois são movidos pela competitividade, malícia e cobiça. Eles travam intermináveis guerras entre si e com os deuses mundanos que vivem acima deles. Suas guerras contra os Devas são movidas pela inveja, mas mesmo com seus incríveis poderes não são páreos para os devas. Muito maiores que os Asuras e capazes de curar qualquer ferimento instantaneamente, os Devas só podem ser mortos por decapitação. Os Asuras, assim como os humanos, morrem caso algum golpe os fira em qualquer ponto vital. Para piorar sua situação, as armas dos arsenais dos Devas são muito mais poderosas.

Mesmo sabendo que serão derrotados e massacrados, os Asuras declaram uma guerra depois da outra contra os Devas em um ciclo de morte, destruição e devastação interminável, tombando futilmente diante das armas encantadas dos deuses em meio ao caos e ao sofrimento.

O caminho humano, ou reino humano, ou renascimento humano, é uma mistura de karmas, de várias virtudes combinadas com os 3 venenos. Como não existe a predominância de nenhum veneno, há uma fluidez e liberdade desconhecidas em qualquer outro reino. Além disso, o renascimento humano é considerado o único renascimento realmente auspicioso, pois apenas na forma humana se pode atingir a liberação do samsara e do interminável ciclo de reencarnações. No budismo existem diversas meditações que visam conscientizar os adeptos do “renascimento humano precioso”, pois é tido como uma rara e valiosa oportunidade, que pode levar éons até que se tenha essa oportunidade novamente, com milhões de encarnações nos outros reinos. Uma dessas interessantes meditações é: imagina um oceano tão extenso quanto o universo. Imagine que sobre esse oceano flutua uma argola e que no fundo dele vive uma tartaruga cega. A cada dez mil anos essa tartaruga aleatoriamente coloca a cabeça para fora da água. A chance dessa tartaruga colocar sua cabeça exatamente na argola que flutua sore esse mar cósmico é idêntica a chance que os seres têm de renascer no reino humano.

O caminho humano proporciona uma grande variedade de sensações e sentimentos, que se alternam initerruptamente. Aqueles que renascem nos infernos estão sempre sofrendo, e isso por incontáveis eras, enquanto os deuses da não forma experimentam êxtase por milhares de anos, e os deuses mundanos sempre experimentam prazer e contentamente vivendo despreocupados por séculos e séculos. Os humanos podem sentir todo o espectro de emoções e sensações, em uma rápida sucessão, podendo em instantes ir do pior tormento do inferno ao êxtase. Isso porporciona aos seres humanos uma grande liberdade e a possibilidade de experimentar nessa vida a felicidade genuína e alcançar a liberação, cortando as raízes do sofrimento.

O caminho animal, ou o reino animal, é um resultado direto do karma da estupidez, da ignorância. Os animais vivem uma vida brutal, como predadores famintos ou presas amedrontadas. Incapazes de se comunicar, são tratados pelos humanos como objetos, e sua vida e dignidade raramente é valorizada. Suas vidas são curtas e violentas, e podem ser tornadas ainda piores pelos humanos, que os encarceram em zoológicos e os utilizam como cobaias em experimentos. Ao renascer nesse caminho, repentimamente vemo-nos privados de consciência, o que barra completamente a possibilidade de elevar o sofrimento à purificação. Aos animais resta apenas esperar que seu karma se esgote completamente e eles possam renascer em outro reino, pois nesse reino sua inteligência e compreensão torna-se necessariamente muito limitada e insuficiente para compreender os habilidosos caminhos que podem levar a liberação.

O caminho ou reino dos espíritos famintos, pretas, ou espíritos carentes é causado pelo karma da avidez, mesquinharia e roubo. Eles vivem em um ambiente completamente devastado e seco, e são acossados por uma fome e sede implacável, que os comsomem e atormentam em cada minuto de suas vidas. Seus tormentos são terríveis, e sempre relacionados à comida e bebida, e a impossibilidade de comer e se saciar. Sua fome nunca pode ser aplacada e alguns deles só conseguem enxergar a comida como substancias revoltantes e nojentas, em outros casos não conseguem se alimentar em virtude de seus corpos horrivelmente desfigurados ou por seus bloqueios e aflições mentais. Não há nada que possam fazer nessa condição para escapar dela ou buscar a iluminação, apenas esperar que seu karma se esgote e possam renascer em algum outro reino.

O caminho do inferno, ou reino dos infernos é uma projeção da raiva e do ódio. Os seres no inferno sofrem interminavelmente e não conhecem nada a não ser dor e sofrimento, o que impede a sua consciência de buscar a liberação. Na perspectiva budista existem oito infernos quentes que são projeções da cólera, e são a consequência karmica de ações cometidas sob o efeito da raiva. Nesses infernos os condenados sofrem torturas pelo fogo e não podem morrer. Mesmo após serem cortados em pedaços, assados, fervidos, afogados, queimados, espetados eles revivem para que seu tormento possa se reiniciar em um ciclo que parece ser interminável. Os oito infernos gelados são um reflexo da raiva fria, e neles os corpos dos condenados congelam até se partir em pedaços e sofrem tormentos inimagináveis por milhares de anos. Quando um dos condenados consegue finalmente morrer em um desses infernos ele renasce imediatamente em um inferno diferente, até esgotar completamente o seu karma.

A alegoria budista utilizada pro Kishimoto ao criar o complexo vilão Pain mostra com clareza o profundo caráter metafórico do pensamento budista. Nagato é um ser humano mortal, mas ele vive preso aos tormentos ligados aos 3 ou 5 venenos, sua cólera, inveja e ignorância o agrilhoam a um inferno na terra, e ao seu redor tudo o que se vê é desolação e destruição onde nada pode crescer e florescer. São seus estados de espírito que engendram o mundo em que ele vive, e suas emoções aflitivas condicionam a maneira como ele enxerga e vivencia o mundo. Nesse ponto, tanto Kishimoto, quanto a filosofia budista na qual ele se inspira, guardam semelhança com o pensamento psicológico de Jung. Para o psiquiatra suíço, sem uma atitude psicológica não pode haver o processo de apercepção ativa. Junto do processo quase que puramente físico de percepção há um processo psíquico de apercepção, em que por meio das 4 funções da consciência formamos uma imagem psíquica do mundo. O mundo por ele mesmo é inacessível, só temos acesso imediato ao mundo às imagens da alma, que são condicionadas pela nossa atitude, para Jung a psique é a própria existência, e, em consonância com o pensamento budista, ele afirma que importam menos os objetos e mais a forma de apetecer.


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Feliz Aniversário Tolkien!

Tolkien faria hoje 122 anos se vivo fosse. Ele se foi, após uma vida longa e repleta de pequenos gestos de bondade e grandes realizações. Dentre seus pequenos gestos de bondade alguns ficaram para a posteridade, pois foram escritos feitos para atiçar a chama da imaginação no coração de seus filhos. Todos os anos, ele pedia aos filhos que escrevessem cartas a Papai Noel e escrevia respostas, na forma de narrativas imaginativas das aventuras dos habitantes do Pólo-Norte. 

Outro desses pequenos gestos de bondade foi um livro sobre as aventuras de um cãozinho de brinquedo, perdido por seu filho em uma viagem à praia. Para consolá-lo pela perda de seu companheiro de folguedos, cão de brinquedo, mas real em sua imaginação. 

Tolkien foi um homem religioso, mas não intolerante; amigo dedicado, estudioso brilhante, poliglota e marido apaixonado. Sua vida pacata, mas repleta de um vigor que se originava de sua brilhante imaginação, nos legou obras inesquecíveis, que tiveram o condão de, por várias gerações, instilar esse mesmo vigor nos corações de seus leitores, como ele fez em vida com seus pequenos gestos de bondade para com seus filhos. 

Creio que o maior legado de Tolkien não sejam suas obras, não, certamente esse não é seu maior legado. Aquilo que de mais importante ele nos deixou foram seus fãs, seus leitores, e todos àqueles em quem a magia de suas palavras acendeu uma chama imorredoura. Pessoas como J. R. R. Martin, ou seu dileto amigo C. S. Lewis. Em cada coração em que as palavras de Tolkien depositaram essa centelha, ali está o seu verdadeiro legado, somos nós, seus fãs, sua herança para esse mundinho cinzento, que não acredita mais em elfos e magia, e que se esqueceu de que a amizade e a alegria valem mais do que montanhas de ouro, esse mundinho estranho em que a fantasia é vista com desdém, pois, em cada um de nós, seus leitores, seus discípulos, ele semeou a dúvida contra as certezas sisudas que transformam nossa sociedade em uma terra árida. Nós somos as fontes, cavadas pelas mãos desse gênio nesse mundo ressequido, não nos esqueçamos jamais disso, pois somos o legado de Tolkien, os continuadores de sua fantasia e magia, num mundo que parece ter esquecido de sonhar...