Este
texto é algo bastante atípico em minha produção, normalmente trato de temas da
cultura sob a ótica da psicologia complexa ou debato a própria psicologia
complexa por um viés epistemológico, e aqui não se trata de uma coisa nem
outra. Normalmente eu me furto de tentar explicar os conceitos de Jung, a não
ser quando isso se faz necessário no interior de alguma outra discussão, como
já o fiz em outros escritos, mas nunca me dediquei a deitar a pena ao papel
para falar especificamente sobre algum de seus conceitos, isso por dois
motivos. O primeiro é que considero fundamental e indispensável à leitura da
obra de Jung, que é um desconhecido no meio dos que se dizem junguianos, e por
que desconfio de dicionários de conceitos, raramente eles são bons e
costumeiramente servem à preguiça daqueles que desejam tomar atalhos. Em nosso
caso atalhos só levam ao abismo ou aos piores descaminhos. O segundo motivo é
que desconfio seriamente de “didatismos”, ou seja, a tentativa de tornar mais
simples e rápido o entendimento de autores complexos e densos como o próprio
Jung ou Kant, esse tipo de atitude sempre me cheira a contrafação.
Infelizmente, em nossos tempos de instantaneidade, e da entronização da opinião
banal favorecida pelo alcance mundial da internet, a maioria das pessoas parece
não suportar não compreender imediatamente algo. É preciso ter em mente que, no
caso de gigantes da ciência e da filosofia como Jung, Kant, James e tantos
outros é normal não compreendê-los e, após um grande esforço, compreendê-los de
maneira equivocada, o que exige um novo esforço para se chegar a uma
compreensão acertada.
Logo,
o intuito desse escrito, não é tornar didático, ou facilitar a compreensão dos
tipos propostos por Jung, talvez, na melhor das hipóteses, possa ser uma
introdução a esse estudo. Mas se trata fundamentalmente de minhas próprias
notas de estudo sobre o tema e que pretendo organizar e compartilhar, pelo
prosaico motivo de considerar o meu saber sobre essa temática da obra de Jung
ainda pouco sistemático e, o ato de escrever, funciona para mim também como uma
aprendizagem e um esforço de sistematização. Tendo em vista de início do que se
trata esse escrito, peço parcimônia ao leitor e que o aspecto necessariamente
lacunar desse texto seja encarado como um convite à leitura da obra de Jung. Na
minha modesta opinião, os últimos vinte anos do movimento junguiano não viram avanços,
mas apenas retrocessos. Tratou-se de tentar corrigir Jung, de subestimá-lo,
datá-lo, muito antes sequer de terem-no compreendido, o próprio termo
pós-junguianos – que considero presunçoso e odioso – dá conta desse espírito,
quase freudiano, em que se trata de matar e se banquetear com a carne do pai
para depois não saber muito bem o que fazer com a recém-adquirida liberdade. Em
meu caso, se é que me curvo diante de algum afã classificatório – todos os que
vi até agora são tolos – eu me diria junguiano e, mesmo após quase quinze anos
debruçado diariamente sobre a obra de Jung, ainda não pude compreendê-la totalmente
o que dirá superá-la ou a ela fazer reparos. O que meu estudo me proporcionou
foi aquilo de que fala Eco, da possibilidade de fazer um autor falar sobre um
tema da qual ele jamais tratou. Me utilizando do método de Jung (ainda acho
incrível a incompreensão desse método pelos pretensos junguianos) e de seus
conceitos, pude discorrer sobre temas como cartoons,
comics, mangás e outros aspectos da cultura pop. Isso não significa um
avanço teórico, mas apenas um alargamento dos temas tratados por esta ciência.
Dando
por encerrado esses prolegômenos, uma última palavra de cautela. Espero que as
pessoas que vierem a ler esse modesto escrito se despojem da presunção a que me
referi anteriormente, de que há uma compreensão rápida e que o saber da ciência
é intercambiável ao do senso comum. Eu não pretendo que esse seja um texto
simples, ou fácil, na melhor das hipóteses, mais sucinto do que o tratado
escrito por Jung acerca dessa temática, daí a possibilidade de servir como uma
introdução. Fundamentalmente procurarei responder ao longo de todo o texto as
perguntas: o que é um tipo psicológico? E para que serve falar em tipos?
Nunca
é ocioso sublinhar que Jung nunca foi e nem jamais pretendeu ser filósofo[1] ou
racionalista, mas reiteradas vezes se declarou empirista e sempre se utilizou
do método empírico, Jung era um empirista[2].
Sobre os tipos ele declara uma vez mais o seu método e maneira pela qual chegou
a eles, como princípios obtidos a partir da observação da totalidade dos fatos
individuais, não é algo a priori, mas
“uma descrição dedutiva de impressões conseguidas empiricamente”. A teoria em Jung está incluída na
fenomenologia, é preciso ter claro que um método descritivo qualitativo não
pode ser sobrecarregado com pressupostos teóricos e filosóficos. Em cada caso
singular, cientificamente observado, deve-se considerar o fenômeno anímico em
sua totalidade. Ao tratarmos dos tipos, e do método aqui aludido, é fundamental
nos recordarmos que os conceitos de Jung são empíricos, trata-se de um conceito
experimental que, ao invés de ser uma invenção teórica, tem por único objetivo
nomear um grupo de fenômenos análogos e afins. Os tipos psicológicos designam
grupos fenomenológicos.
Devido à enorme complexidade dos fenômenos psíquicos, um ponto de vista puramente fenomenológico é sem dúvida o único possível e que promete êxito a longo prazo. "De onde" vêm as coisas e o "o que" são constituem perguntas que no campo da psicologia suscitam tentativas de interpretação inoportunas. (Jung, 2002, p.183).
O
uso dessa terminologia, tipos, está associado ao método empírico descritivo,
como aludido acima, em certo sentido o termo tipos diz respeito à possibilidade
de classificação em virtude de características similares obervadas na descrição
dos fenômenos que a princípio parecem infinitamente multifacetados, mas que
guardam similaridades entre si. O termo tipos,
em sentido latto, também se aplicam
aos materiais psíquicos oriundos do inconsciente como sonhos, visões, fantasias
e delírios, a observação permite que se reconheça uma certa regularidade de tipos nos fenômenos, existem tipos de situações e tipos de figuras que se repetem
frequentemente. Mas os tipos, nesse
sentido como resultado do método empírico, o conceito de tipo é intercambiado
pelo conceito de tema ou motivo para designar essas repetições,
da mesma maneira que no estudo comparado dos mitos, pois a linguagem do mito é
a mesma linguagem do sonho e do inconsciente.
O campo das manifestações psíquicas, provocadas por processos inconscientes, é tão rico e múltiplo, que prefiro descrever o fato observado e quando possível classificá-lo, isto é, subordiná-lo a determinados tipos. Trata-se de um método científico, empregado sempre que nos encontramos diante de um material variado e ainda não organizado. Podemos ter dúvidas quanto à utilidade e oportunidade das categorias ou tipos de ordenamento empregados, mas não quanto ao acerto do método. (Jung, 2002, p.183).
Os
tipos, no sentido que estamos tratando aqui, não no de temas ou motivos, mas no
de tipos psicológicos são, assim como
os temas e motivos presentes nos sonhos, fantasias, visões e delírios,
repetições que se observam no todo dos fenômenos individuais. Os tipos são uma
descrição dedutiva de impressões empíricas, ou seja, registram essas
recorrências típicas observadas ao se agrupar os fenômenos. Paradoxalmente, em
resposta a crítica de que arquétipos não existem, Jung respondeu em nota de
rodapé das mais interessantes e elucidativas que eles não existem mesmo, assim
como na natureza não existe um sistema botânico, mas nem por isso é possível
negar a ocorrência e contínua repetição de certas semelhanças morfológicas e
funcionais nas plantas. Aqui, como nota de advertência, é preciso que se diga
que tipos puros também não existem e que os fatos reais evidenciam-se em sua individualidade,
e o indivíduo é uma exceção e irregularidade relativa, e o que o caracteriza é
o único e não o universal e o regular. A realidade absoluta caracteriza-se pela
irregularidade.
Ainda
sobre o método empregado para definir os tipos por meio da observação do
material empírico, que é essencial para a sua compreensão segue um citação um
tanto longa de Jung, todavia necessária.
O único método que nos pode levar a resultados mais ou menos seguros, no presente, é o método tipológico, utilizado por Kretschmer com relação à constituição fisiológica, e que eu apliquei à atitude psicológica. Em ambos os casos, o método se baseia em uma grande quantidade de material empírico no qual as variações individuais se anulam reciprocamente, em larga medida, enquanto certos traços típicos fundamentais emergem com maior evidência, dando-nos a possibilidade de construir um certo número de tipos ideais. Naturalmente, jamais ocorrem, em realidade, sob sua forma pura, mas sempre e unicamente como variações individuais do princípio que rege o seu aparecimento, da mesma forma como os cristais, em geral, são variantes individuais de um mesmo sistema. A tipologia fisiológica procura, antes e acima de tudo determinar as características exteriores graças às quais seja possível classificar os indivíduos e investigar suas demais qualidades.
(...) A tipologia psicológica procede exatamente da mesma maneira, mas seu ponto de partida, por assim dizer, não é exterior, mas interior. Sua preocupação não é determinar as características exteriores, mas descobrir os princípios íntimos que governam as atitudes psicológicas genéricas. Enquanto a tipologia fisiológica é obrigada a empregar, essencialmente, métodos científicos para obter seus resultados, a natureza invisível e imensurável dos processos psíquicos nos constrange a empregar métodos derivados das ciências humanas, ou, mais precisamente, à crítica analítica. Como já tive ocasião de acentuar, não temos aqui uma diferença de princípio, mas tão somente uma nuança, determinada pela natureza diferente do ponto de partida. (Jung, 1986, p.43, grifo meu).
Ao
se falar em tipo devemos ter clareza que juntamente com as diferenças de
psicologia individual existem também uma diferença de tipos. O grupo
fenomenológico mais amplo diz respeito aos tipos introvertidos e extrovertido.
Os últimos têm o seu destino mais determinados pelos objetos de seu interesse e
o dos primeiros mais por seu interior. A relação entre sujeito e objeto é
sempre uma relação de adaptação que implica efeitos modificativos recíprocos,
justamente essas modificações constituem a adaptação. É fundamental perceber
desde o inicio que a par de um interesse clínico prático há um interesse
epistêmico em se pensar em tipos, pois estamos todos naturalmente inclinados a
entender tudo sob a ótica de nosso próprio tipo.
Parece-me
que esse é o momento de lembrar ao leitor do óbvio, pelo prosaico motivo de que
ele frequentemente queda esquecido, estamos tratando aqui de uma psicologia do
inconsciente. Ao falarmos em introversão e extroversão, estamos falando de uma
dinâmica psicológica que foi corretamente denominado por Goethe como “sístole e
diástole”, o que denota um processo cíclico em que os dois movimentos estão
presentes e se alternam no caso harmonioso ideal. Toda pessoa possui os dois
mecanismo, e mesmo que a adaptação leve a preponderância de um movimento sobre
o outro no que concerne a atitude consciente, isso necessariamente
corresponderá a uma atitude compensatória inconsciente. “A todo tipo mais
declarado corresponde uma tendência especial a compensar a unilateralidade do
seu tipo” tendência essa que tem por objetivo a manutenção do equilíbrio
psíquico, em virtude dessa compensação aparecem tipos secundários. Todo indivíduo possui os dois mecanismos, e
apenas a relativa preponderância de
um ou de outro define o tipo.
Mas
o que é um tipo? Circunstâncias externas e disposições internas frequentemente
favorecem um dos mecanismos e estorvam o outro, com isso temos a predominância
de um dos mecanismos. Quando essa situação se torna crônica então surge um tipo. Logo um tipo é:
(...) uma atitude habitual onde predominará um dos mecanismos, sem contudo poder suprimir totalmente o outro, pois este faz parte necessária da atividade psíquica. Por isso não pode ser haver um tipo puro no sentido de possuir apenas um dos mecanismos (...) Uma atitude típica significa sempre e tão-somente a predominância relativa de um dos mecanismos. (Jung, 1991, p.22).
Um
tipo é um modelo que reproduz de forma característica o caráter de uma espécie
ou de uma generalidade. Como aludi anteriormente ao tratar do método descritivo
qualitativo, são como princípios obtidos a partir da observação da totalidade
dos fatos individuais. Trata-se de um conceito experimental, ergo, oriundo da experiência que designa
grupos fenomenológicos. Um tipo é um
modelo característico de uma atitude.
Segundo
Jung, atitude é uma disposição da psique de agir ou reagir em determinada
direção. Ter atitude significa estar pronto para algo determinado ainda que
seja algo inconsciente. Sem atitude é impossível uma apercepção ativa, no que
concerne ao problema dos tipos isso explica em certa medida o aspecto
epistemológico com que se depara ao se tratar dos diversos tipos, no sentido de
como é possível conhecer. Uma atitude possui sempre um ponto direcional seja
ele consciente ou inconsciente. É frequente haver duas atitudes: uma consciente
e outra inconsciente. É preciso ter sempre em mente que a consciência é um
processo momentâneo de adaptação enquanto o inconsciente – que é anterior,
simultâneo e posterior à consciência – possui tudo aquilo que foi esquecido e
também os traços funcionais herdados, bem como todas as fantasias que ainda não
ultrapassaram a intensidade liminar e que em condições favoráveis podem entrar
no campo da consciência. A consciência possui uma natureza determinada e
dirigida, que funciona pelo circuito de: direção, seleção e exclusão, essas
funções dirigidas exercem uma censura sobre todo o material incompatível que
cai no inconsciente. Isto tudo e mais todas as percepções subliminares explicam
a atitude complementar/compensatória do inconsciente em relação à consciência.
É de crucial importância para se compreender o problema dos tipos entender que
os processos determinados e dirigidos da consciência se tornam necessariamente
unilaterais. A importância da compreensão desse fato basilar essencial do
funcionamento consciente para se compreender a tipologia se Jung se dá pelo
fato, que deveria ser evidente, de que a classificação tipológica não é uma
classificação caracteriológica. É
preciso sublinhar que a unilateralidade é uma característica inevitável do
processo dirigido, pois direção implica unilateralidade. Por mais que isso
possa parecer um inconveniente, é absolutamente necessário para o processo
consciente que a atitude seja dirigida. A psique é um sistema auto-regulador e
é no inconsciente que surge compensação que visa a regulação, se a consciência
não fosse dirigida todas as influências opostas do inconsciente poderiam se
manifestar livremente. Paradoxalmente, por mais que existe uma homeostase
psíquica, o sintoma é algo da ordem da greve, quando a reação reguladora
compensatória/complementar do inconsciente é reprimida ela perde sua influência
reguladora e passa a ter efeito intensificador e acelerador no sentido do processo
consciente, o que leva Jung a seguinte constatação.
(...) a psique do homem civilizado não é mais um sistema auto-regulador, mas pode ser comparado a um aparelho cujo processo de regulagem automático da própria velocidade é tão imperceptível, que pode desenvolver sua atividade a ponto de danificar-se a si mesma, enquanto, por outro lado, está sujeita às interferências arbitrárias de uma vontade orientada unilateralmente. (Jung, 1986, p.11).
Das
variadas atitudes possíveis encontradas na observação do fenômeno vivo, Jung
salienta quatro, são aquelas que se orientam pelas quatro funções psicológicas
básicas: pensamento, sentimento, intuição e sensação. Quando uma dessas atitudes se torna habitual pode-se falar em um tipo.
Esses tipos podem ser divididos de acordo com a qualidade da função psicológica
em duas classes: racionais (pensamento e sentimento) e irracionais (sensação e
intuição). Os tipos também podem ser classificados de acordo com o movimento
dominante da libido como Introvertido ou extrovertido. Estes, que se distinguem
pelo movimento de sua libido, são chamados de tipos gerais de atitude. Aqueles, que se caracterizam pelo fato do
indivíduo se orientar principalmente pela função mais diferenciada nele são
chamados de tipos funcionais.
De
acordo com Jung, a introversão expressa uma relação negativa entre sujeito e
objeto. Na introversão há um movimento do interesse que sai do objeto e se
volta para o sujeito e seus próprios processos psicológicos. É preciso ter
claro que as funções psíquicas possuem um sujeito que é tão importante quanto o
objeto, pois o mundo não existe apenas em si mesmo, mas igualmente enquanto o
que representa para mim. A atitude introvertida é aquela que procura sobrepor o
eu e o processo subjetivo ao objeto e ao processo objetivo, o enfoque
introvertido dá mais valor ao sujeito do que ao objeto, o introvertido se
reserva uma opinião que se interpõe entre ele e o dado objetivo e normalmente a
atitude introvertida se orienta pela estrutura psíquica hereditária. Na
introversão o objeto recebe valor apenas secundário. A forma típica de neurose
do tipo introvertido é a psicastenia,
que se caracteriza por uma grande sensibilidade e grande esgotamento e cansaço
crônico. A introversão pode ser ativa ou passiva. Quando o sujeito quer um
isolamento em relação ao objeto temos uma introversão ativa. Por outro lado,
quando o sujeito não consegue reintegrar no objeto a libido que dele reflui,
temos uma introversão passiva. Caso exista uma atitude introvertida habitual,
podemos falar em um tipo introvertido.
A
extroversão, por outro lado, é um voltar-se para fora da libido. Há uma relação
manifesta e um movimento positivo do interesse do sujeito para com o objeto,
neste caso o objeto atua como um imã, ele atrai e condiciona em larga medida o
sujeito, isto o torna alheio a si mesmo e o assimila ao objeto como se houvesse
uma determinação absoluta do sujeito pelo objeto, correndo até mesmo o risco de
perder-se completamente no objeto. A neurose mais comum no extrovertido é a histeria. A extroversão é, mutatis mutandis, uma transferência do interesse do sujeito para o objeto.
O extrovertido vive de uma maneira que corresponde imediatamente às condições
objetivas, seu interesse e atenção seguem os acontecimentos
objetivos assim como o seu agir se
orienta pelas influências externas, nesse sentido o extrovertido é bem ajustado, pois acompanha harmoniosamente
as condições da ambiência imediata. Existe uma extroversão ativa quando ela é
intencional, e passiva quando o objeto atrai por conta própria o interesse do
sujeito, eventualmente contra a sua vontade. Sendo habitual o estado de
extroversão podemos falar de um tipo extrovertido.
Introversão
e extroversão são atitudes típicas em relação ao objeto, o introvertido se
comporta abstrativamente e o extrovertido comporta-se de modo positivo em
relação ao objeto e orienta sua atitude subjetiva pelo objeto, as duas atitudes
típicas em relação ao objeto são processos
de adaptação.
Temos
então várias psicologias possíveis, nessa perspectiva, para Jung, é “uma
tirania intolerável pensar que existe apenas uma psicologia ou apenas um
princípio psicológico fundamental”, isto tem uma repercussão ainda maior, pois
afeta mesmo a noção de realidade, ainda segundo Jung “também se fala da realidade como se existisse apenas
esta única realidade. Realidade é o que atua na alma, e não o que alguns acham
que lá atue, fazendo generalizações preconcebidas”. Ao discutir os tipos Jung
debateu extensamente oposições clássicas na história do pensamento, como
Tertuliano e Orígenes, Scoto Erígena e Radberto, o nominalismo e o realismo, o
problema dos universais na antiguidade e na escolástica (que pode ser visto
como um problema de inerência e predicação), a controvérsia entre Lutero
e Zwínglio sobre a Ceia, além de uma longa preleção sobre outras ideias acerca
dos tipos em outros pensadores como Schiller, verbi gratia. Nessas
querelas o pano de fundo, os elementos fundamentais são o ponto de vista
abstrato que rejeita a mistura com o objeto concreto, e o concretista que está
voltado para o objeto. Do antagonismo típico entre aqueles para qual o valor
essencial está no processo de pensar em si, e o pensamento e sentimento do
individuo que recebem a sua orientação do objeto.
Neste
ponto, creio eu, é de suma importância esclarecer o significado de empiria para
Jung, o que está intimamente relacionado à sua ideia de ciência e as suas
concepções psicológicas. Para um empírico a afirmação da existência de mais de
uma realidade, ou a afirmação de que o que é real é o que atua na alma, soa descabida
e certamente, não empírica. De uma
maneira muito sucinta, o empirismo é uma posição filosófica que toma a experiência como guia e critério de
validade, e rejeita a noção de ideias inata (o que Jung também rejeita) ou de
um conhecimento anterior ou independente da experiência. Existem, de fato,
inúmeras semelhanças entre as posições dos empiristas clássicos e seus métodos
e Jung, o que difere fundamentalmente é a noção do que seja experiência. Muito do que discorri
anteriormente, sobre não sobrecarregar a descrição qualitativa com pressupostos
teóricos ou filosóficos por certo seria aprovada por Bacon, bem como a rejeição
de debates metafísicos ou especulativos certamente encontraria o assentimento
de Locke, mas Jung é um empirista peculiar. Ele nos adverte sobre sua
perspectiva peculiar “As únicas coisas que podemos experimentar diretamente são
os conteúdos da consciência”.
Jung duvidava do ponto de vista realista do
pensamento científico, é justamente o ponto de vista psicológico que
permite-nos duvidar da perspectiva realista. É necessário ter claro, de início,
de que os conteúdos da consciência aos quais ele se refere, como na citação
anterior, são imagens. A psique é constituída essencialmente de imagens, nesse
sentido a psique é uma estrutura riquíssima de sentido e uma objetivação das
atividades vitais expressa por meio de imagens, imagem aqui, nota bene,
no sentido de representação.
(...) a respeito da natureza da matéria temos apenas suposições teóricas obscuras, que, por sua vez, nada mais são do que imagens produzidas pela alma. É minha percepção que traduz os movimentos ondulares ou as emanações solares em luz. É minha alma, com sua riqueza de imagens, que confere cor e som ao mundo; e aquela certeza racional sumamente real que chamamos experiência é um aglomerado complicadíssimo de imagens psíquicas, mesmo em sua forma mais simples. Assim, em certo sentido, da experiência imediata só nos resta a psique mesma. Tudo nos é transmitido através da psique: traduzido, filtrado, alegorizado, desfigurado e mesmo falsificado. (Jung, 1986, p.269, grifo meu).
O
objetivo da ciência, como afiança Jung em seu Tipos Psicológicos, não é dar a
descrição mais exata possível dos fatos, “a ciência não pode competir com a
câmara fotográfica ou com o gravador de som”, mas estabelecer leis, que são a
expressão abreviada de processos múltiplos, mas que mantêm uma certa unidade.
Não se trata do puramente empírico, mas de sobrepor a este o
objetivo de estabelecer leis por meio da concepção.
Esta concepção, por mais que tenha
uma validade geral comprovada será sempre e inevitavelmente um produto da
constelação psicológica subjetiva do pesquisador. Mais radicalmente ainda,
nenhum pesquisador pode se abstrair de sua constelação psicológica subjetiva,
os complexos gozam de autonomia mesmo no médico ou no cientista, eles fazem
parte da constituição psíquica, e é a
constituição psíquica que decide inapelavelmente a pergunta de saber que concepção psicológica terá um
determinado observador. Qualquer observação psicológica para ser válida
pressupõe a equação pessoal do observador. Há uma equação psicofísica no
processo de saber, visto que não vemos cores, mas o comprimento de onda da luz
e não ouvimos sons, mas ondas sonoras que o complicado processo psicofísico da
percepção permite que percebamos, mas simultaneamente a esse processo ocorre o
processo psíquico da apercepção, e nesse ponto entra a equação pessoal
psicológica, e o efeito dessa equação psicológica se inicia já na percepção “vemos aquilo que melhor podemos ver a partir
de nós mesmos”. Jung se utiliza de uma interessante alegoria, encontrada
nas escrituras, para ilustrar a importância desse fenômeno. Ele faz uma
paráfrase de Mateus 7:3 “"Por que você repara no cisco que está no olho do
seu irmão e não se dá conta da trave que está em seu próprio olho?” O que de
fato é muito elucidativo e psicologicamente preciso. Vemos primeiro o cisco no
olho do próximo e, sem dúvida, há um cisco, mas a trave está no nosso olho e
essa trave perturbará o ato de ver. A equação pessoal psicológica aparece com
ainda mais força quando se trata de comunicar o que se observou sem falar da
concepção que se abstrai do material da experiência. Jung vai mais adiante e
afirma que “(...) é exatamente a trave no nosso próprio olho que nos
possibilita ver o cisco no olho do irmão”. A perturbação de nossa visão, a
“trave” leva facilmente “a uma teoria geral de que todos os ciscos são traves”.
Torna-se indispensável, em psicologia, reconhecer e levar em consideração o
condicionamento subjetivo do conhecimento psicológico, pois essa é a condição
essencial da valorização científica de uma psique diferente do sujeito que
observa.
Vê-se
como o problema dos tipos toca em um debate epistemológico fundamental. Em
primeiro lugar em virtude de, como afirmou Jung “(...) a alma é o único
fenômeno imediato deste mundo percebido por nós e por isto mesmo a condição
indispensável de toda experiência em relação ao mundo.” E, em segundo lugar,
pelo motivo de que nossa disposição psíquica irá influenciar decisivamente em
nossa concepção psicológica, como Jung demonstra nos debates sobre nominalismo
e realismo e as posições influenciadas pela perspectiva introvertida ou
extrovertida.
Prosseguindo
com nossa discussão sobre tipos, é mister falar sobre as 4 funções psicológicas
básicas, pensamento/sentimento e sensação/intuição. No processo de apercepção,
que acompanha quase simultaneamente o processo de percepção, pode-se perceber a
cooperação de vários processos psíquicos. O processo de percepção não nos
possibilita reconhecer os dados sensoriais que chegam a nossa consciência, esse
reconhecimento é feito pela função pensamento, segundo Jung “É o pensamento que
nos diz o que a coisa é em si.”.
Vejamos,
vamos supor que eu esteja na África em um safári e por algum motivo me ache por
um instante sozinho na selva, noto uma movimentação estranha a minha frente na
mata fechada e logo percebo se tratar de um assustador elefante. O que me diz
que tenho a minha frente é um elefante e não um leão ou um gorila é a função
pensamento. O pensamento é o processo de comparação e diferenciação com o
auxílio da memória.
Quando
digo que havia um movimento “estranho” ou que o elefante é “assustador”, todos
esses qualificativos fazem referência a uma tonalidade afetiva. A tonalidade
afetiva implica uma avaliação. Talvez se eu estivesse num zoológico pudesse
achar o elefante simpático, mas sozinho na selva um bicho de várias toneladas é
assustador. O mesmo objeto pode ter avaliações distintas, posso gostar de ver
um elefante num passeio ao zoológico, mas certamente não me sentiria tão
contente ao ver um elefante feroz correndo em minha direção na selva. O
sentimento é um tipo de julgamento que visa uma aceitação ou rejeição
subjetivas, quando aumenta a intensidade do sentimento surge um afeto. O
sentimento ordena os conteúdos da consciência de acordo com o seu valor, e é
uma função racional, pois os valores em geral são atribuídos segundo leis da
razão.
Antes
de me dar conta de que se trata de um elefante ou mesmo avaliar se eu gosto
dele ou não, faz-se necessário percebê-lo. A sensação é uma das funções
psicológicas básicas, e é idêntica à percepção. A sensação pode se associar o
sentimento na forma de uma tonalidade afetiva, mas são funções diversas. No
sentido dado por Jung à sensação, essa função escapa da noção de senso comum,
entre outras coisas, pois ela não se relaciona apenas com os estímulos
externos, mas também com as sensações dos órgãos internos, por isso ela é em
primeiro lugar percepção pelos órgãos dos sentidos. Por um lado possui caráter
de representação, pois fornece a imagem percebida pelo objeto externo, e
por outro, é o elemento de sentimento que dá o caráter de afeto. No caso do meu
elefante, ao vê-lo a sensação me fornece a imagem do elefante, ao mesmo tempo
em que percebo o meu coração disparar, minha boca ficar seca e o suor frio que
começa a cobrir o meu corpo, o que fornece a tonalidade afetiva de “assustador”
ao elefante e que me leva a avaliar que preferia não ter me deparado com ele. A
sensação nesse sentido descrito, do fatídico encontro com o elefante na selva,
é uma sensação concreta que é sempre um fenômeno reativo. A sensação caracteriza a
psicologia da criança e do primitivo, pois predomina sobre o pensamento e o
sentimento, mas não necessariamente sobre a intuição.
Pois
bem, diante do elefante eu penso/sinto/vejo que “se eu permanecer aqui parado
as coisas podem acabar mal para mim”, nesse momento entra em ação a minha
intuição. No meu caso é provável que a frase fosse “penso que se eu permanecer
aqui...”, mas em todo caso, a intuição é “a percepção das possibilidades
inerentes a uma dada situação”. Intuição vem de intueri “olhar para dentro”, ela é uma das funções psicológicas
básicas e é a função que transmite a percepção via inconsciente. Assim como a
sensação, a intuição é uma função perceptiva irracional, seus conteúdos têm o
caráter de dados, em oposição ao caráter de derivado dos conteúdos do
pensamento e do sentimento, derivando daí seu caráter de certeza e exatidão. A
intuição se comporta em relação à sensação de maneira compensatória. Da mesma
maneira que a sensação, a intuição caracteriza a psicologia infantil e
primitiva.
As
funções são divididas em dois grupos, a sensação e a intuição que são
irracionais – para Jung este conceito é empregado no sentido de extra-racional, ou seja, o que não se
pode fundamentar com a razão – e o pensamento e o sentimento que são as funções
racionais. Racional corresponde à razão e esta por sua vez é “(...) uma atitude
que tem por princípio conformar o pensamento, o sentimento e a ação com valores
objetivos.” Quando uma pessoa orienta sua atitude global pelo princípio do
pensamento pode-se falar que ela pertence ao tipo pensamento. O mesmo se dá,
respectivamente com o sentimento, a sensação e a intuição.
As funções psicológicas básicas raras vezes ou
quase nunca têm o mesmo grau de desenvolvimento num indivíduo, normalmente
prepondera uma das funções, por esse motivo na tipologia proposta por Jung, se
fala em uma função principal, que é oposta a uma função inferior, ao mesmo
tempo, nota bene, não existem tipos puros, a não ser em caso de unilateralidade
extremamente acentuada e, mesmo nesses casos, a atitude da personalidade
consciente intervém no seu agir de
maneira compensatória/complementar (ou em oposição nos casos de neurose), a tal ponto que dependendo da atitude
do observador (judicativo ou perceptivo), pode-se pensar até mesmo
que se trate do tipo oposto.
Não se suponha que o inconsciente esteja enterrado sob muitas camadas e que só possa daí ser retirado após penosa escavação. O inconsciente, ao contrário, flui sempre para o evento psicológico e em tão grande quantidade que se torna difícil às vezes ao observador distinguir quais propriedades de caráter atribuir à personalidade consciente e quais atribuir à personalidade inconsciente (Jung, 1991, p.326).
Caso
o pensamento seja a função principal, necessariamente o sentimento será a
função inferior, e vice versa. Se tivermos a sensação como função superior, a
intuição será certamente a função inferior, isto é, menos desenvolvida e mais
primitiva, caso a intuição seja a função mais favorecida, a sensação será a
função inferior. A função superior é a expressão da personalidade consciente de
sua intenção e vontade, já as funções menos diferenciadas, principalmente a
função inferior, fazem parte das coisas que nos acontecem. Há igualmente uma
função auxiliar, que também está sob o controle consciente, mas é menos
submetida ao arbítrio consciente do que a função principal, a experiência
demonstra que essa função é sempre de natureza diversa, mas nunca oposta à função
principal. Já tratei anteriormente das funções, agora passo a tratar dos tipos
em que prepondera uma ou outra função, a começar pelo pensamento. Vale lembrar
que, segundo Jung.
Por razões de clareza, vamos repetir: conscientes podem ser os produtos de todas as funções; mas só falamos de conscientização de uma função quando não apenas seu exercício está à disposição da vontade, mas também seu princípio é decisivo para a orientação da consciência. (Jung, 1991, p.381).
O
tipo pensamento pode ser extrovertido ou introvertido. O pensar extrovertido é
determinado em grau mais elevado pelos dados objetivos das percepções
sensíveis, o critério determinante para o seu julgamento deriva, sobretudo das
condições objetivas, não importando se externa ou interna. A orientação do
julgamento de um pensar extrovertido normalmente provém de fora, assim como a
orientação para sua conclusão que também se origina de fora, é um tipo de
pensar positivo, isto é ele cria, pois possui um julgamento predicativo. O tipo
pensamento extrovertido se esforçará por colocar toda a sua atividade na
dependência de conclusões intelectuais baseadas em dados objetivos, sua moral
não tolera exceções, seu ideal precisa ser realizado custe o que custar. Pode,
no melhor dos casos ter um papel social importante como reformador, conscientizador
ou propagador de inovações, no pior dos casos será um resmungão, sofista e
crítico. O tipo pensamento extrovertido é encontrado, sobretudo em homens, pois
em geral o pensamento é uma função que predomina mais nos homens.
O
pensar introvertido se orienta principalmente pelo sujeito e pelo fator
subjetivo, os dados externos não são causa ou meta deste pensar, mas ele começa
no sujeito e reconduz ao sujeito. Tal pensar proporciona, em primeiro lugar,
novas concepções, os fatos têm
importância meramente secundária o que realmente interessa é o desenvolvimento
e apresentação da ideia subjetiva, sua força criadora se manifesta quando é
capaz de produzir uma ideia que não se encontrava originalmente nos fatos
externos, mas que é sua expressão abstrata mais adequada. Em seu aspecto
negativo, apresenta uma tendência a forçar os fatos à sua ideia subjetiva ou a
ignorá-los completamente, e pode perder-se totalmente na verdade do fator
subjetivo e se levado ao extremo chega à evidência de seu ser subjetivo. Kant
foi escolhido por Jung como o representante do tipo normal do pensamento
introvertido, o filósofo que fez uma crítica do conhecimento em geral e efetuou
uma “epistemologização” da filosofia. O tipo pensamento introvertido se
caracteriza por se basear prioritariamente no fator subjetivo, em virtude de lhe
faltar a intensa relação com os objetos ele busca o aprofundamento e não a
ampliação de horizontes. Tal indiferença e até rejeição com o objeto, que
caracteriza a introversão em geral torna difícil à descrição desse tipo. O
pensamento do tipo introvertido é positivo e sintético no desenvolvimento de
suas ideias que sempre se acercam da validade universal das imagens primitivas,
mas por isso mesmo, correm o risco de tornarem-se mitológicas, tornando-se
assim irrelevantes e esgotadas nelas mesmas.
O
tipo sentimento pode ser extrovertido ou introvertido, no sentimento
extrovertido o objeto é o determinante indispensável do modo de sentir, que
está em concordância com valores objetivos. O sentimento extrovertido se
liberta o quanto possível de influências subjetivas, a esse tipo de sentimento
devemos a moda e a manutenção positiva de empreendimentos de cunho culturais e
filantrópicos. Sem ele seria inconcebível uma convivência social harmoniosa. Em
seu aspecto negativo, caso o objeto receba uma influência exagerada,
tornando-se assimilado ao objeto, torna-se algo frio e impessoal, material e
não confiável, trazendo a impressão de não passar de pose ou encenação. O sentimento é indiscutivelmente uma
peculiaridade mais frequente na psicologia feminina e por esse motivo no sexo
feminino se encontram os tipos sentimentais mais pronunciados. No tipo
sentimento extrovertido os sentimentos estão em sintonia com os valores aceitos
em geral, e por mais que o fator subjetivo tenha sido reprimido ele mantém o
caráter pessoal em casos não extremos de assimilação ao objeto o que faz com
que a personalidade pareça ajustada às condições objetivas. O tipo sentimento
extrovertido reprime ao máximo o seu pensamento, pois é o pensamento que mais
pode perturbar o sentimento (e vice-versa), o pensamento é tolerado apenas como
servo do sentimento, o que não significa que esse tipo não pense ou não possa
ser esperto, pelo contrário, mas seu pensar nunca é original, mas sim um
acessório do sentimento.
O
sentimento introvertido é dificílimo de apresentar teoricamente ou mesmo
descrevê-lo, é um sentimento que na aparência não valoriza o objeto e por isso
traz consigo um aspecto negativo. Como esse tipo de sentimento é determinado
principalmente pelo fator subjetivo e só se ocupa secundariamente com o objeto
ele se manifesta pouco e de maneira equívoca, para tentar ao menos descrevê-lo
de maneira aproximada é preciso um talento artístico incomum, do contrário não
se pode nem imaginar sua riqueza. É de uma profundidade insuspeita, mas que não
se pode captar com clareza, torna o indivíduo alguém quieto e que se retrai da
brutalidade do objeto lançando julgamentos negativos ou recaindo na
indiferença. Como característica, ele não procura se adaptar ao objeto, mas
dominá-lo e pode facilmente, em seu aspecto negativo, aprofundar-se numa paixão
sem conteúdo e egocêntrica. O tipo sentimento introvertido é discreto e seus
verdadeiros motivos costumam permanecer encobertos, o que lhe impõe uma
suspeita de frieza. Em virtude de sempre permanecer reservado e parecer
indiferente um julgamento superficial lhe nega qualquer sentimento, esta
impressão é falsa, pois ele possui sentimentos intensivos e muito profundos,
diferente dos sentimentos extensivos do tipo sentimento extrovertido. A forma
de neurose mais comum a esse tipo é neurastêmica.
O
tipo sensação pode ser extrovertido ou introvertido, como percepção dos
sentidos a sensação tem uma evidente relação com os objetos externos que
percebe e uma dependência do sujeito, existindo uma sensação subjetiva que é
bem diferente da sensação objetiva. Na extroversão o componente subjetivo da
sensação é conscientemente reprimido. Em certo sentido a função sensação é absoluta,
mas nem tudo possui o valor liminar que necessita para ser aceita. A sensação extrovertida é determinada,
sobretudo pelos objetos e aqueles que emanam a sensação mais forte são
determinantes para a psicologia do indivíduo, isso gera uma vinculação sensível
com os objetos, que apreende o ser momentâneo e manifesto das coisas. A
sensação é uma função vital com a mais poderosa ligação com os instintos. Seu
critério de valor não é o julgamento racional, mas a força da sensação
manifestada por suas qualidades objetivas. O indivíduo desse tipo é orientado
somente pela realidade que cai nos sentidos. O tipo sensação extrovertido
possui um extraordinário senso objetivo dos fatos, para ele sensação significa
plenitude devida real. Pode se tornar um sensualista ou um esteta, em um
aspecto inferior, esse tipo é o homem da realidade palpável sem queda pela
reflexão ou gosto pela dominação, seu objetivo é ter sensações, em geral tem
disposições alegres e vivazes. Nada existe além do concreto e do real tudo o
que vem de dentro lhe parece mórbido e suspeito. Sendo normal, estará
incrivelmente ajustado à realidade existente de maneira visível e patente.
Quando
a vinculação ao objeto é levada a extremos torna-se uma pessoa grosseira ou um
esteta sem escrúpulos, nesse caso a tendência compensatória do inconsciente
surge, por meio da intuição, e pode tornar-se oposição aberta a atitude
consciente gerando estados de angústia, desenvolvem-se todo tipo de fobias e,
em casos extremos, sintomas de obsessão de acentuada irrealidade.
Também
a sensação está sujeita ao fator subjetivo, pois ao lado do objeto que é sensualizado há um sujeito que sensualiza. Na atitude introvertida a
sensação se baseia de maneira mais acentuada na parcela subjetiva da percepção.
O fator subjetivo é uma disposição inconsciente que modifica a percepção dos
sentidos, tirando assim o seu caráter de pura influencia do objeto. É na arte
que vemos a força extraordinária do fator subjetivo na sensação, e disso dá
testemunho eloquente a arte impressionista. Algumas vezes o objeto não passa de
mero estímulo que possibilita a percepção do fator subjetivo, nesse caso o
sujeito ocupa-se mais com a percepção subjetiva causada pelo estímulo do
objeto. Faz parte da percepção subjetiva o caráter significativo, a para a
sensação subjetiva a realidade do objeto não é decisiva, mas a realidade do
fator subjetivo, as imagens primordiais que em sua totalidade apresentam um
mundo psíquico espelhado, que reflete os conteúdos da consciência sub specie
aeternitatis. O momento atual é
inverossímil para essa consciência, a sensação introvertida transmite uma
imagem que cobre o objeto com sedimento antiquíssima e futura experiência
subjetiva.
O
tipo sensação introvertido se orienta pela intensidade da parcela subjetiva da
sensação, suscitada pelo estímulo objetivo. Visto de fora parece que a
influência do objeto não penetra no sujeito, e esta impressão é correta na
medida em que um conteúdo subjetivo, nascido do inconsciente, se interpõe a
influência do objeto. Nesse tipo encontramos uma espécie de subjetividade
alienada, caso seja motivado a agir pelo objeto, ou quando esta influência não
consegue penetrar, temos uma neutralidade benevolente, tudo para manter a
influência do objeto nos devidos limites. Se for benevolente poderá ser
facilmente vítima da agressividade e despotismo dos outros, nesses casos deixam
em geral, que se abuse deles e vingam-se disso em ocasiões inoportunas com
redobrada teimosia. Este tipo normalmente se fecha a compreensão objetiva e, em
geral, não se compreende a si próprio. Seu desenvolvimento se afasta da
realidade dos objetos e se entrega as suas percepções subjetivas que possuem um
caráter arcaico e mitológico. Normalmente o indivíduo se contenta com um
fechamento em si mesmo e com a banalidade do mundo real. A neurose mais
característica desse tipo, que surge em vista da compensação inconsciente caracterizada
pela natureza arcaica da intuição extrovertida, é em geral uma neurose
obsessiva onde os traços histéricos se escondem atrás de sintomas de
esgotamento.
O tipo intuitivo pode ser extrovertido ou
introvertido. Na atitude extrovertida, a intuição se volta completamente para
os objetos exteriores, na consciência é representada por uma certa atitude de
contemplação e penetração, mas a intuição não é mera contemplação, mas um
processo criador que incute no objeto tanto quanto dele retira. Em primeiro
lugar a intuição fornece impressões que não poderiam ser conseguidas por meio
das demais funções. Caso a intuição tenha a primazia, as demais funções são
relativamente reprimidas, com especial ênfase na sensação por ser a função que
mais estorva a intuição, pois a sensação dirige o olhar exatamente para as
coisas além das quais a intuição quer chegar, por isso, para a intuição
funcionar a sensação deve ser fortemente reprimida. Esse tipo possui sensações,
mas não se orienta por elas, são apenas pontos de partida, sua impressão e as
suas sensações são selecionadas por pressupostos inconscientes, pouco
importando a sensação fisiologicamente mais forte. A intuição procura abranger
as maiores possibilidades, pois o pressentimento é melhor satisfeito pela contemplação
das possibilidades. A intuição se esforça por descobrir possibilidades nos
dados objetivos. Ela sempre procura saídas e novas possibilidades na vida
exterior, um fato só vale enquanto abrir novas possibilidades que o ultrapassem
e dele libertem o indivíduo. A psicologia do intuitivo é inconfundível, o
intuitivo sempre está lá onde se encontram as possibilidades, possui um “faro”
para o que promete futuro, nunca se encontra em situações estáveis, duradouras,
mas limitadas, estas o sufocam, pois está sempre em busca de novas
possibilidades, com as quais se fixa com força fatídica. Quanto mais forte sua
intuição tanto mais o sujeito se confunde com a possibilidade vislumbrada. Após
algum tempo, a nova possibilidade em que se fixou passa a ser vista como
prisão, e contra toda a razão ou bom senso, irá impiedosamente destruir ou se
livrar do que construiu para se desembaraçar da estabilidade e partirá uma vez
mais em busca de novas possibilidades. O intuitivo possui sua própria moral que
não se pauta pelo sentimento ou pensamento, mas que é uma fidelidade as suas
impressões e uma submissão a elas, pouco importando o bem-estar dos outros ou o
seu próprio. Da mesma maneira não respeita costumes ou convenções passando uma
impressão de aventureiro. Muitos homens de negócios, empresários,
especuladores, agentes políticos etc pertence a este tipo, todavia ele parece
ser mais frequente entre mulheres. Caso não seja excessivamente egocêntrico,
este tipo pode ter grande valor cultural e econômico, ele é o sujeito arrojado
que inicia novos empreendimentos, ou que consegue pressentir nas pessoas seu
valor e capacidades ocultas, encorajando-as a atingir seu potencial. O
intuitivo extrovertido corre o risco de fragmentar a sua vida ao trazer energia
e força vital a pessoas e coisas ao seu redor, espalhando abundância, mas
jamais aproveitando essa abundância. A neurose característica desse tipo
normalmente o prende de maneira coercitiva a um parceiro altamente
inconveniente, por meio de uma vinculação inconsciente, em um sintoma obsessivo
típico do intuitivo extrovertido. Sua neurose o torna presa de compulsão
inconsciente e da vinculação compulsiva à sensação do objeto, bem como toda
forma de fobias, ideias hipocondríacas compulsivas e toda sorte de sensações
corporais absurdas.
A
intuição introvertida se volta para os objetos interiores que se comportam para
a consciência como se fossem exteriores. O sujeito se volta para o conteúdo do
inconsciente, em última análise para os conteúdos do inconsciente coletivo. Assim
como os objetos exteriores, os objetos interiores não são, em sua essência,
diretamente acessíveis. Como disse Jung no Aion, o complexo do eu vive entre
duas grandes obscuridades que não pode conhecer completamente e nem em sua essência:
o mundo dos objetos físicos e os objetos interiores, os elementos do
inconsciente. As formas de aparecer dos objetos internos são relativas, produto
de sua essência inacessível e da peculiaridade da função intuitiva. A intuição introvertida
se detém em seu fator subjetivo e se dirige ao que foi internamente liberado
pelo exterior. A sensação introvertida se detém nos fenômenos peculiares de
inervação causados pelo inconsciente enquanto a intuição introvertida reprime
fortemente este fator e percebe a imagem causada por esta inervação. A intuição
introvertida percebe com nitidez os processos de fundo da consciência, todavia,
essas imagens provenientes do inconsciente parecem existir por si mesmas, sem
relação com a pessoa que as contempla, este não chega a perceber que essas
imagens percebidas podem se referir a ele. O intuitivo introvertido também
possui uma eterna ânsia de mudança, que não liga para o bem ou o mal e
menospreza qualquer consideração humana, bem como apresenta uma grande
indiferença com relação aos objetos internos que percebe, o intuitivo
introvertido vai de imagem em imagem perseguindo todas as possibilidades,
normalmente incapaz de estabelecer a conexão do fenômeno consigo mesmo. O mundo
das imagens inconscientes não se constitui em problema moral, mas em um
problema estético fazendo assim desaparecer em si a consciência de seu próprio
corpo bem como o de sua influência sobre as pessoas que o cercam.
O
intuitivo introvertido é o sonhador e visionário místico, o aprofundamento da
intuição leva naturalmente o indivíduo a um afastamento da realidade que o
torna um enigma até mesmo para aqueles que lhe são mais próximos. No inconsciente
do tipo intuitivo introvertido reprime a sensação do objeto ao máximo, por isso
torna-se característico de seu inconsciente uma função sensação extrovertida
compensadora de caráter arcaico. No caso de uma unilateralidade extremada da
função intuitiva, uma completa subordinação a imagem interior, o inconsciente
abandona seu caráter compensador e passa a oposição aberta dando origem a
sensações compulsivas que geram dependência do objeto externo. Sua neurose mais
comum é uma neurose obsessiva, podendo apresentar hipocondria,
hipersensibilidade dos órgãos sensoriais e ligações compulsivas com objetos e
pessoas.
Chega
então ao fim esta minha tentativa de introdução ao problema dos tipos, se o
estimado leitor chegou até este ponto na leitura creio que é de capital importância
ressaltar alguns pontos acerca do método por mim empregado. De propósito e de
maneira meticulosa omiti pontos importantes, bem como demonstrações de pontos
de vista de Jung que permitiriam uma leitura mais desembaraçada, isto com o
intuito deliberado de gerar mais dúvidas do que fornecer respostas. A dúvida
nos leva adiante enquanto a resposta coloca um fim a busca iniciada pela
pergunta. Existem certezas em demasia no mundo Junguiano, normalmente essas
certezas se constituem em estorvo e ignorância do método. Para Jung o
inconsciente jamais se dá a conhecer e sua psicologia é sempre um “como se”
conseguido por vias as mais indiretas, além disso, certezas destroem essa
psicologia prática, pois a certeza na clínica violenta e destrói o outro,
causando um tipo de transferência que só pode ser eliminada com brutalidade em
virtude do caráter de dependência compulsiva que cria em relação ao médico e a
alienação consequente do sujeito para consigo mesmo. Os fenômenos do
inconsciente que surgem na análise são Deo
concedente, acontecem eo ipso,
e qualquer tentativa de forçá-los a se enquadrar em certezas vãs só resulta
em desastre e demonstra apenas que o médico já sucumbiu a influencia perniciosa
de seu próprio inconsciente. Precisamos urgentemente da dúvida, mas não da dúvida
insidiosa que procura simplesmente desautorizar Jung sem conhecer seus
argumentos e demonstrações, isso não passa de má fé e burrice, que infelizmente
grassa nesse meio, não! Precisamos da dúvida que nos retira de nosso
egocentrismo, da dúvida que surge do conhecimento de si e de nossos abismos de
desconhecimentos, da dúvida que representa nosso assombro diante da natureza
maravilhosa, estranha e sublime da alma. Dúvida essa que surge ao contemplarmos
os nossos semelhantes, cientes de nossa própria escuridão e certos de que
fundamentalmente não sabemos o que Deus quer para ele. Felizes aqueles que
podem ouvir seu próprio coração e serem livres para obedecer seu próprio
destino, não importando a que dores ou sacrifícios isso leve. Infelizmente, ao
invés da labuta em busca de nós mesmos em nosso meio grassa a mais ridícula
contrafação desse fenômeno raro e maravilhoso, a tal ponto se vulgarizou essa
compreensão que parece aos mais banais e tolos dentre os junguianos que a meta
de toda análise só pode ser a individuação, como se um mero homem de carne e
sangue pudesse forçar a natureza, ou desvelar por um ato enérgico de vontade a
ignorância de outrem. Não, ninguém pode, e se pudesse não deveria. Se você
estimado leitor tiver terminado essas linhas mal traçadas com dúvidas,
perguntas, ou espanto diante de algumas das afirmações aqui contidas me dou por
satisfeito, se tiver se ofendido com a minha sinceridade, só posso lhe afirmar
que sou um empirista e falo daquilo que observo, mesmo que me deixe com o coração
pesado.