domingo, 2 de setembro de 2012

Sobre a Paixão


Por incrível que pareça existem pessoas que não conseguem reconhecer o mais pujante dos sentimentos humanos, e ficam perplexas ao perceber que já foram, há tempos, tomadas por ele mesmo sem terem ciência desse fato. Ao que parece, algumas pessoas vivem como se não tivessem sentimentos, mas isso não impede os sentimentos e as possuírem, talvez até mais facilmente do que o normal nesses casos.

Confesso que por longos anos vivi assim, negligenciando uma parte das mais importantes da vida, racionalizando ou ignorando o que se passava em meu peito, um jeito estranho de seguir vivendo. Certamente a mudança não me converteu em poeta, ou bardo, mas me tornou mais humano, e mais completo. Longe de ter me tornado senhor de meus sentimentos, algo que ninguém é, apenas me tornei mais atento a eles e a seus efeitos sobre mim e sobre os outros. O amor, a paixão, é tema onipresente na música, poesia e romance, na verdade, é um tema onipresente na cultura, mesmo que sua presença seja demarcada por sua ausência.

A despeito de meus desejos, de minha vontade ou de meus planos, já me apaixonei por três vezes em 33 anos. Não sei exatamente quantas vezes isso pode acontecer, ou quantas vezes é aconselhável que aconteça, mas esse é o meu caso. A primeira coisa que compreendi sobre a paixão é que não há nada a ser compreendido, a paixão é algo irracional, uma força da natureza que simplesmente acontece. Quem poderia explicar os motivos de dois seres humanos se apaixonarem? Por que ela e não qualquer outra? Nada mais irracional que a paixão, tentar entender suas causas é como tentar elucubrar os motivos de termos sido pegos por uma chuva sem qualquer guarda-chuva a mão. Simplesmente não nos é dado saber, não perca tempo. Mas, para aqueles como eu fui outrora, que são cegos e surdos, convém explicar ao menos como reconhecer a paixão.

Você, meu caro amigo, está apaixonado por alguém quando a mera presença dessa pessoa o intoxica, como um copo de vinho forte tomado de um só trago, na presença dela todas as suas dúvidas e medos se esvaem como fumaça, toda a sua confusão desaparece e por um instante glorioso você se sente um e inteiro. Sem perguntas tolas, sem divagações ou racionalizações. Você está apaixonado quando passa rapidamente ao lado de outra mulher e seu delicado perfume o faz lembrar dela e num instante se vê assaltado por recordações e imagens que se prolongam por mais tempo do que a fragrância. A paixão é algo insistente, inconveniente e não tem qualquer consideração pelo que é correto, justo ou adequado. Você está apaixonado quando o mais simples dos gestos, ou algo de banal lhe faz pensar nela de uma forma que nada consegue exorcizar essa lembrança e, mesmo quando isso o entristece, a tristeza lhe traz algum alento.

Não saber que está apaixonado não priva a paixão de sua força, há algo de primevo e indômito na paixão que não pode ser contido e toda a tentativa nesse sentido é vã. A paixão não pode ser fabricada, ela é um dom, ou maldição, mas seja o que for, é algo espontâneo. Não depende de nossas escolhas ou gostos, é livre e feroz como jamais seremos ou talvez como jamais fomos um dia. Você caro amigo, está apaixonado quando se sente mais confuso e todas as suas certezas se esvaem, e você consegue contemplá-las como as quimeras que realmente são, pois no fundo há poucas certezas nessa vida. Você, caro leitor, está apaixonado quando, repentinamente, ao ouvir uma música de amor que achava tola e sem propósito, consegue entendê-la. Ou ao ler uma poesia, repentinamente é atingido por uma compreensão do que ela significa pelo simples motivo de que você sabe exatamente o que se passava no coração do poeta, o mesmo tumulto a mesma agonia se passa nesse instante no seu peito, você sabe.

Quando mesmo os defeitos dela o fazem sorrir, e uma estranha confusão de sensações toma o seu corpo a mera lembrança do som do sorriso dela, amigo você está perdido, já não há mais volta e mesmo que houvesse, acredite, você iria preferir estar perdido. Agora que você descobriu que está apaixonado, bem vindo ao gênero humano, a dor, a bagunça e a confusão que é isso aqui, e seja como for, é perfeito do jeito que é. 

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