Em
japonês, o kanji utilizado para sonho é 夢 (ゆめ) esse
caractere chinês é formado por 4 radicais, um dos mais significativos é 夕 (ゆう) -
noite, pois é mais comum que sonhemos a noite – horário mais corriqueiro para o
sono
– além da noite estar fortemente associada a natural baixa de tensão da
consciência em virtude do sono, cansaço e fadiga, e, associado com frequência a
inconsciência e outros estados visionários ou delirantes pela ausência de luz e
o conhecido temor a escuridão. A noite é o momento em que as forças da luz
(grande metáfora para a consciência) deixam o palco do mundo e as trevas
reinam, onde falta visibilidade e os temores que estavam afastados pela
presença da luz retornam com toda a força. É o tempo em que estamos mais
propensos à imaginação e em que ocorre, em certa medida, uma natural
introversão da libido. É o momento de contar e ouvir histórias, e do
afastamento dos diversos afazeres domésticos e do trabalho. Na mitologia grega
a noite é personificada pela deusa Nix (Νύξ), ela é descrita na Teogonia como
um dos primeiros seres a surgirem, filha do Caos, e irmã de Gaia, Tártaro, Eros
e Érebo , a escuridão e seu irmão gêmeo. Nix é a mãe de Hipnos, o sono, e de
Thanatos, a morte. A morte e o sono estão sempre simbolicamente associados,
visto a consciência desaparecer – ou ao menos diminuir – durante o sono. Na epopeia
de Gilgamesh, para provar sua mortalidade ele foi desafiado a não dormir e
falhou no teste, adormecendo. Ela também é mãe de Oneiroi (o sonho), Moros
(destino), Momus (a culpa), Oyzis (a dor), as Moirai (fatalidades), Nemesis (a
vingança), Geras (a velhice), Eris (o conflito). Assim como o caos, o seu poder
gerador é muito grande e dela surgem diversas personificações de estados de
ânimo que a observação empírica mostram serem tão extravagantes e caprichosos
como se realmente representassem personalidades próprias capazes de subjugar
aqueles a quem acometem.
Para os egípcios o céu noturno estrelado
era o corpo da deusa Nut, a mais velha deusa do panteão egípcio e mãe de cinco
filhos: Osiris, Set, Isis, Nephthys e Hórus. Seu ornato de cabeça, o hieróglifo
com o significado de pote, ou útero, também era parte de seu nome. Na mitologia
nórdica a noite é a deusa Nótt, avó do poderoso Thor, que, de maneira
significativa, era a mãe do deus que personificava o dia. Jung afirmou que a
verdadeira psique é o inconsciente, e que a consciência do eu só pode ser
encarada como um epifenômeno temporário. A consciência do eu é gestada pela
matriz inconsciente e a ela retorna, o inconsciente é anterior, simultâneo e
posterior à consciência do eu.
O kanji
mais arcaico para sonho, muito menos em voga hoje, é bem mais simples e é a
junção de apenas dois outros kanjis: acima floresta e abaixo noite - 梦. Pode parecer uma etimologia das mais estranhas, mas,
psicologicamente, é prenhe de significado.
De
acordo com M. l. von Franz, a floresta é uma região de visibilidade limitada,
muitas vezes a copa das árvores impede a entrada da luz e há em seu interior
uma noite eterna ou um perpétuo estado crepuscular, nesse local existem animais
selvagens e perigos inesperados e, assim como o mar, a floresta é um símbolo do
inconsciente. O inconsciente é uma natureza selvagem e indômita, que, assim
como a floresta, pode engolir o homem se ele não estiver atento. A floresta
também possui o nume da vegetação, e o mundo vegetal extrai a vida diretamente
do solo, transformando a matéria inorgânica em matéria orgânica, a matéria
inerte e bruta se torna viva. Pode-se traçar um paralelo entre a vida do corpo
e sua íntima conexão com o inconsciente. A floresta possui um significado
materno, como a árvore. A árvore tem o significado de origem, como a mãe,
representa a fonte da vida o início. Em japonês a palavra livro (本 -ホン/もと) literalmente é
uma árvore com um traço no seu “pé” para indicar raiz, pois também significa
origem, fonte, e o livro é tido como a fonte do conhecimento. Árvore representa
essa força vital mágica, origem de toda a vida.
A
imagem chinesa do sonho como a “floresta da noite” é de uma imensa fecundidade
simbólica. Essa floresta escura, repleta de perigos e mistérios, tantas e
tantas vezes representada nos mitos e contos de fadas, de chapeuzinho vermelho
sendo abordada pelo lobo na floresta, passando pelos irmãos João e Maria
abandonados a própria sorte na floresta, até Frodo adentrando em Mirkwood (a
floresta negra) no Hobbit – onde existia um rio enfeitiçado que provocava sono
e esquecimento. Assim como os cavaleiros do rei Arthur em sua busca pelo Graal,
entrando na floresta em busca de aventuras, ali onde não existia qualquer
caminho ou mesmo rastro, estamos prestes a adentrar nessa floresta noturna, mas
trazemos em nossas mãos um pálida e frágil chama que talvez nos auxilie nessa
jornada.
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