Antes de mais nada, preciso
confessar que, a despeito do título, este não é um escrito sobre viadutos. Não se
trata de uma arenga técnica sobre modelos de viadutos, ou que tipo de concreto
se usa ou quais equações são mais adequadas para calcular o que quer que se
calcula ao se construir os tais monstrengos. Tão pouco uma reflexão urbanística
sobre seus efeitos no entorno, sua ação paradoxal, pois deveria evitar
engarrafamentos, mas os cria. Não, estimado leitor, não se trata de nada disso.
Se seu interesse for sobre algum desses tópicos sugiro que os vá procurar
alhures, todavia isso não significa que não falarei coisa alguma sobre
viadutos, mas, para além do concreto de sua realidade concreta me interessa a ideia
de viaduto.
Há certamente nas pessoas não um,
mas muitos viadutos, todos eles muito diferentes entre si. Certamente há na
cabeça do político o viaduto que conduz votos e não carros, que existe mais nas
propagandas e cartazes do que nas ruas, que é feito menos de asfalto do que
satisfação de seus eleitores. Há, por certo, no coração dos donos de
construtoras um viaduto que é feito de dinheiro, cujas cifras e cálculos dizem
respeito não ao seu peso, distância e ângulos, mas a cifrões e valores que,
certamente, já calculavam ao doar, generosamente, seu dinheiro as campanhas dos
dois candidatos com possibilidade de vitória nas urnas. Creio existir também,
na mente dos que dirigem carros, ou dos que desejam possuir um, ou mais de um
carro, um viaduto que, como que por mágica, os transportará a uma cidade sem
carros, ou sem transito, onde podem usufruir do prazer que sempre sonharam ao
ver as propagandas de automóveis e que pensam que a cidade com seus
engarrafamentos lhes roubou. Há, e estou bem certo disso, o viaduto dos
arquitetos e urbanistas, quem sabe esse um pouco mais real, ou, quiçá, o menos
real de todos, que é feito de pensamentos sobre mobilidade urbana, efeitos
causados ao entorno, e exclusão de ciclistas e pedestres. Devem existir muitos
outros viadutos, tanto quanto existem corações, ou tantos quanto existam
motores.
Existe igualmente uma cidade onde
se vai construir esses viadutos, todos eles de uma só vez, há apenas uma
cidade? Disso já não estou bem certo, é a mesma cidade a Fortaleza de nosso milionário
vice-prefeito e a do ambientalista que vem conhecendo a truculência da polícia?
É a mesma cidade a cidade onde vive o policial que mora na periferia, ganha mal
e se desloca de ônibus? Vivem sob o mesmo céu e as mesmas estrelas o menino que
pede esmolas no sinal e o governador que degusta caviar e escargot? Eu me
pergunto qual cidade eles sonham, todos eles, ou antes, será que sonham essa
nossa cidade? Não seria mais correto dizer que nosso vice-prefeito sonha Miami,
e nossos ambientalistas sonham Estocolmo com suas intermináveis e paradisíacas
ciclovias? E quem sonha Fortaleza? Isto eu não sei, mas assim como o viaduto,
devem existir muitas cidades nos muitos corações que batem em suas vias de
asfalto repletas de carros e de pessoas indesejadas que atrapalham o trânsito.
De todos esses viadutos e cidades
que medram no coração das pessoas, será possível que uns possam compreender os
outros? Disso é que estou menos certo. Nosso pomo da discórdia, feito de votos,
dinheiro, cálculos, ideias e, pasmem, até mesmo asfalto e concreto, nos revela
e nos desnuda. Desnuda nossa incompreensão, desnuda nossa ignorância, não sobre
política, cidade ou urbanismo, mas sobre aquilo que deveria importar mais,
sobre nossos vizinhos, nosso próximo, nosso outro e, fundamentalmente, sobre
nós mesmos.
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