segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Sobre Viadutos


Antes de mais nada, preciso confessar que, a despeito do título, este não é um escrito sobre viadutos. Não se trata de uma arenga técnica sobre modelos de viadutos, ou que tipo de concreto se usa ou quais equações são mais adequadas para calcular o que quer que se calcula ao se construir os tais monstrengos. Tão pouco uma reflexão urbanística sobre seus efeitos no entorno, sua ação paradoxal, pois deveria evitar engarrafamentos, mas os cria. Não, estimado leitor, não se trata de nada disso. Se seu interesse for sobre algum desses tópicos sugiro que os vá procurar alhures, todavia isso não significa que não falarei coisa alguma sobre viadutos, mas, para além do concreto de sua realidade concreta me interessa a ideia de viaduto.

Há certamente nas pessoas não um, mas muitos viadutos, todos eles muito diferentes entre si. Certamente há na cabeça do político o viaduto que conduz votos e não carros, que existe mais nas propagandas e cartazes do que nas ruas, que é feito menos de asfalto do que satisfação de seus eleitores. Há, por certo, no coração dos donos de construtoras um viaduto que é feito de dinheiro, cujas cifras e cálculos dizem respeito não ao seu peso, distância e ângulos, mas a cifrões e valores que, certamente, já calculavam ao doar, generosamente, seu dinheiro as campanhas dos dois candidatos com possibilidade de vitória nas urnas. Creio existir também, na mente dos que dirigem carros, ou dos que desejam possuir um, ou mais de um carro, um viaduto que, como que por mágica, os transportará a uma cidade sem carros, ou sem transito, onde podem usufruir do prazer que sempre sonharam ao ver as propagandas de automóveis e que pensam que a cidade com seus engarrafamentos lhes roubou. Há, e estou bem certo disso, o viaduto dos arquitetos e urbanistas, quem sabe esse um pouco mais real, ou, quiçá, o menos real de todos, que é feito de pensamentos sobre mobilidade urbana, efeitos causados ao entorno, e exclusão de ciclistas e pedestres. Devem existir muitos outros viadutos, tanto quanto existem corações, ou tantos quanto existam motores.

Existe igualmente uma cidade onde se vai construir esses viadutos, todos eles de uma só vez, há apenas uma cidade? Disso já não estou bem certo, é a mesma cidade a Fortaleza de nosso milionário vice-prefeito e a do ambientalista que vem conhecendo a truculência da polícia? É a mesma cidade a cidade onde vive o policial que mora na periferia, ganha mal e se desloca de ônibus? Vivem sob o mesmo céu e as mesmas estrelas o menino que pede esmolas no sinal e o governador que degusta caviar e escargot? Eu me pergunto qual cidade eles sonham, todos eles, ou antes, será que sonham essa nossa cidade? Não seria mais correto dizer que nosso vice-prefeito sonha Miami, e nossos ambientalistas sonham Estocolmo com suas intermináveis e paradisíacas ciclovias? E quem sonha Fortaleza? Isto eu não sei, mas assim como o viaduto, devem existir muitas cidades nos muitos corações que batem em suas vias de asfalto repletas de carros e de pessoas indesejadas que atrapalham o trânsito.


De todos esses viadutos e cidades que medram no coração das pessoas, será possível que uns possam compreender os outros? Disso é que estou menos certo. Nosso pomo da discórdia, feito de votos, dinheiro, cálculos, ideias e, pasmem, até mesmo asfalto e concreto, nos revela e nos desnuda. Desnuda nossa incompreensão, desnuda nossa ignorância, não sobre política, cidade ou urbanismo, mas sobre aquilo que deveria importar mais, sobre nossos vizinhos, nosso próximo, nosso outro e, fundamentalmente, sobre nós mesmos.

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