terça-feira, 25 de setembro de 2012

Às vezes é chato...


Hoje eu vou me permitir algumas coisas as quais eu normalmente não me permito, uma delas é autopiedade, é preciso haver exceções, mas veja trata-se aqui justamente de uma queixa a exceção.

Nessa sexta, em meu grupo de estudos sobre Psicologia Analítica, aproveitei para conversar sério sobre o compromisso de estudo dos meus “alunos”, não como um “rela” ou “esparro”, mas por que genuinamente me preocupa que eles não encontrem um caminho individual e genuíno no que concerne a teoria. Não quero discípulos, até porque não sou mestre de nada... Mas o universo se vingou de mim de maneira implacável.

Estava eu em meu calvário cotidiano de retornar a faculdade depois de velho, assistindo a aula mais tediosa (em cujo assunto em considero quase um expert por ter feito meu mestrado nisso e ter estudado por anos a fio) quando ao final, motivado por uma pergunta meio ingênua o professor aproveitou para fazer algo parecido com o que eu fizera na sexta. Ele pediu a todos que assumissem uma postura de alunos de ensino superior, que soubessem ao menos falar inglês, entre outras coisas, como que lessem mais... Isso me remeteu ao meu último semestre do curso de História. Fazia uma disciplina de Epistemologia da História e a professora, Adelaide Gonçalves (ótima professora por sinal) nos passou um texto fenomenal de um autor português chamado Fernando Catroga. Eu conhecia a maioria das referências, já tinha lido os autores que ele citava, e sabia de onde ele tirava as ideias mesmo quando não estava explícito no texto, por sinal um texto fenomenal! Li com entusiasmo. Na aula seguinte encontrei meus colegas conversando sobre o tal texto e eu compartilhei com eles meu entusiasmo, eles me olharam como seu eu fosse um marciano... Todos estavam perplexos com a leitura, não compreenderam patavina, bom isso foi só o começo...

Começa a aula e a professora pergunta quem entendeu, eu levanto o braço e começo a falar, ela me interrompe “agora não querido”, eu trouxera três dos livros que o Catroga citava, tinha percebido conexões para além do texto, mas sempre que eu falava era interrompido com um “agora não querido”. Enquanto isso ela esculachava a turma por não ter entendido nada, nem ter se esforçado e etc, e eu lá, com cara de tacho. Até que por fim, em virtude da minha insistência em realmente debater o texto ela se virou para mim e disse “Querido, eu sei que você leu e entendeu, mas fique quietinho um pouco, tá?”, e continuou passando um sabão na turma... Semanas depois, ao me emprestar um livro ela disse “querido, procure não ler demais, eu sei que você é inteligente, mas é preciso ter um foco”, dias antes, ela havia instado meus colegas a lerem mais...

Hoje, novamente eu me vi em situação semelhante, mas pior, eu acho. Confesso que nem sei ao certo o que me entristeceu tanto, me senti mais do que com a Adelaide, completamente excluído e extemporâneo... Creio que esse episódio com a Epistemologia da História foi há uns dez anos, posso estar errado, mas é mais ou menos esse tempo. O fato é que esse episódio não me preparou para o que aconteceu hoje, principalmente a minha reação, não consegui ser cínico como sempre... Diabos eu falo inglês e mais uma pá de outros idiomas, eu leio alucinadamente... Mas lá estava eu, escutando o sermão que não se dirigia a mim, tendo acabado de ler um complicadíssimo capítulo de um livro sobre epistemologia Freudiana para uma disciplina que estou lecionando... E mesmo achando a aula tediosa, não gostando da postura do professor, eis que sou tomado de estranha tristeza...

Onde estou eu em meio aos outros? Quem são meus pares? Onde eles estão? Já dizia Jung que a todo conhecimento temos associado uma culpa prometeica, que todo conhecimento leva a algum grau de isolamento... Meu cinismo de velho caiu por terra com um discurso dos mais bobos, será o instinto gregário assim tão forte? Não sei, só sei que já não posso mais viver na ilusão de que eu sou apenas a minha inteligência, não sou, sou parvo em muitas coisas, mais parvo até do que os medíocres, ainda assim permaneço no meu Cáucaso, na minha ilha particular, tristemente contemplando as ondas em silêncio... O resto é complicado, pois sempre há um resto nisso tudo, e o tom sentimental desse escrito é prova inconteste de que a sombra que eu projeto não pode ser negligenciada, mas os fatos me mostram que eu ainda a negligencio, ou não estaria assim tão sentido com um discurso bobo que não era pra mim...

Meu silêncio auto-imposto tem se mostrado um tanto útil em me ensinar, a duras penas, paciência (se bem que normalmente eu tenho isso de sobra) e um pouco de humildade (isso me falta, a despeito do judaísmo e do budismo), e no processo de lidar com as demandas da alma, somente os humildes progridem, lenta e penosamente, em meio às pequenas e grandes tragédias... Essa foi minha pequena tragédia de hoje, ser ferido por essa farpa tão insignificante... Dizem os chineses “atiça uma abelha e ela te atacará com fúria de dragão”, imagino que pequenos demônios eu tenho atiçado em meu peito para que meu humor mudasse de maneira tão repentina... Como disse certa feita Jung, “que temos complexos todos sabemos, o que parecemos não saber é que os complexos podem nos ter”...

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