quinta-feira, 6 de setembro de 2012

De volta à escola


Estou de volta à faculdade, dessa vez a faculdade de Psicologia. Nunca parei de estudar, seja no sentido da minha busca pessoal por conhecimento e erudição, minhas pesquisas, leituras e escritos, seja no sentido institucional, pois depois da graduação fiz mestrado e estou fazendo doutorado. Os franceses tem um ditado dos mais interessantes “plus ça change plus c'est la même chose”, muita coisa mudou desde que eu deixei os bancos universitários após a minha primeira faculdade, mas muita coisa permaneceu a mesma.

Antes de falar da minha experiência presente, não consigo resistir a me perder um pouco em reminiscências e lembranças dos meus “tempos de faculdade”, expressão que agora se torna ambígua, no mínimo. Minha primeira faculdade foi veterinária, cursei por três anos e depois desisti. Foi um período intenso, fiz muitas coisas, fui presidente do centro acadêmico, representante estudantil no departamento de veterinária, monitor, bolsista de iniciação científica, eu praticamente morava no campus. A veterinária era um curso exigente, algumas vezes tinha aulas o dia inteiro, conheci muita gente bacana, muitos dos quais perdi totalmente o contato, nessa época eu andava sempre de botas, nunca mais usei botas depois da veterinária.

Quando desisti da veterinária, fiquei em dúvida sobre que curso fazer, História ou Psicologia, bem, optei por História. Quando lembro dessa época é sempre com um sorriso no lábios, eu me diverti muito. Adorava ficar pelos corredores batendo papo, jogando conversa fora. Nessa época eu não bebia e era vegetariano, e costumava brincar dizendo que existiam dois tipos de alunos de história: os maconheiros e eu. Tinha poucos, mas bons amigos, tínhamos a nossas piadas particulares, as pessoas com quem fazíamos essas piadas (hoje seria bullying). Meu pai era professor da faculdade, na disciplina de história do Ceará, mas jamais fui aluno dele. Eu me vestia de maneira andrajosa, nunca usava calças compridas, usava sempre as mesmas camisetas brancas surradas (muito confortáveis), andava de ônibus e não tinha um centavo. Também fui bolsista, e presidente do Centro Acadêmico, mas isso não foi o mais legal. Encontrei um dos meus professores, o Régis, quando ele estava lançando um livro e trocamos algumas palavras, eu disse que agora que estava lecionando ia pagar meus pecados por ter sido um aluno tão chato. Para a minha surpresa ele disse que sentia falta de mim como aluno e que não me achava chato, e que os alunos atuais não discutiam mais nada em sala ou participavam. Eu tive sorte, nessa época tive professores brilhantes e gostava muito do meu curso e das coisas que estudávamos, foi uma época memorável.

O que me traz de volta ao presente, e a minha nova faculdade. Diferente da época da veterinária e da história, eu passo a maior parte do tempo de boca fechada. Sento-me na última fila, como sempre foi o meu costume, e fico lendo, coisa que às vezes eu fazia na época da história. A faculdade é estranha, ficamos na mesma sala, como num colégio. A despeito de ser um sujeito expansivo e extrovertido, fico só lá calado lendo. O curso de Psicologia é estranho e esquizoide, pois não há, a rigor, uma psicologia, mas muitas. Em virtude desse fato, se estudam teorias as mais diversas, sem relação umas com as outras e que com frequência se contradizem, dizer que se trata de um curso generalista é um eufemismo. Por sorte aproveitei várias disciplinas, mesmo assim tenho vários anos a minha frente antes de ter um diploma.

Quanto a mim, e o meu silêncio, tenho sentimentos confusos. Eu já sabia de antemão como seria o curso, não tinha ilusões, mas isso me faz ver como ilusões são importantes. Sinceramente não tenho disposição para aprender nem um terço das coisas que são ensinadas ali, das muitas psicologias. Não é para mim um tempo de aventuras e descobertas, já sei bem o que me interessa e já estudo isso há mais de dez anos, creio que quatorze para ser mais exato. Não participo das discussões em sala, não dialogo com os professores, não faço perguntas, só fico lendo. O que é bom por um lado, isso tem aumentado minhas horas de leitura, vinha lendo menos ultimamente (creio que quando eu leio pouco isso ainda deve contar como pelo menos 3 ou 4 vezes o tempo de leitura de uma pessoa normal). Seja lá como for, certamente não será um tempo memorável, não sou mais tão quebrado quanto era na época da história, e há tempos abandonei minhas confortáveis camisas brancas, não ando mais de ônibus e nem uso botas. Pelo que soube há um centro acadêmico, mas estou ocupado com a política em outras esferas, não fico de papo falando bobeira nos corredores e nem faço piadas. É interessante, no doutorado eu ainda faço todas essas coisas (não, não uso botas falo das conversas e piadas), mas não me permito fazer o mesmo na faculdade.

Quando eu fui estudante de história tinha a fama de ser arrogante, e eu era um cara meio desagradável mesmo pensando em retrospecto, mas mesmo nessa época sempre fui amigo dos meus amigos, e um sujeito sincero e direto. Passei muito tempo tentando lidar com essa história de eu ser arrogante, era uma fama estranha, pois eu era tão descolado e largado... Certa feita, conversei com uma amiga sobre a minha imagem na faculdade e ela me disse que poucas pessoas me conheciam, no sentido de serem próximas a mim e saberem como eu era mesmo. Não acho que eu fosse arrogante, mas uma coisa eu era e ainda sou: exibido. Creio que levarei esse pecado para o túmulo, o que é algo paradoxal ser ao mesmo tempo alguém exibido e reservado ao ponto de meus amigos se surpreenderem com fatos ao meu respeito, coisas que eu faço e gosto, aconteceu recentemente com um bom amigo meu de se espantar ao saber que eu fazia traduções (de textos e simultâneas), nos conhecíamos há tempos, e eu nunca falara sobre isso.

Nas duas vezes em que fiz faculdade anteriormente a universidade era o centro da minha vida, passava muito tempo por lá e tudo orbitava em torno dos meus estudos acadêmicos. Hoje eu faço muitas coisas ao mesmo tempo, e só passo o tempo necessário na faculdade, nem um minuto a mais, a família, o trabalho, a política, meus estudos e projetos não me permitiriam, nem que eu quisesse, ficar de bobeira por lá... Isso é um pouco mentiroso da minha parte, eu fico de bobeira no doutorado conversando, discutindo teoria, fazendo piadas e falando mal do povo. O fato é que não é um tempo interessante o que eu passo lá, e eu não permito que ele seja ou o torno interessante. Creio eu que devem ter pessoas legais com quem eu poderia falar bobagens e contar piadas ou ficar de bobeira ao invés de simplesmente ter saudades dos meus tempos de faculdade, mas eu estou velho, ou me sinto velho quando estou lá. Mais velho e mais cínico, é difícil não ser cínico quando não se tem ilusões... Me deu uma vontade repentina de usar botas...

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