Estou
de volta à faculdade, dessa vez a faculdade de Psicologia. Nunca parei de
estudar, seja no sentido da minha busca pessoal por conhecimento e erudição,
minhas pesquisas, leituras e escritos, seja no sentido institucional, pois depois
da graduação fiz mestrado e estou fazendo doutorado. Os franceses tem um ditado
dos mais interessantes “plus ça change plus c'est la même chose”, muita coisa
mudou desde que eu deixei os bancos universitários após a minha primeira
faculdade, mas muita coisa permaneceu a mesma.
Antes
de falar da minha experiência presente, não consigo resistir a me perder um
pouco em reminiscências e lembranças dos meus “tempos de faculdade”, expressão
que agora se torna ambígua, no mínimo. Minha primeira faculdade foi veterinária,
cursei por três anos e depois desisti. Foi um período intenso, fiz muitas
coisas, fui presidente do centro acadêmico, representante estudantil no
departamento de veterinária, monitor, bolsista de iniciação científica, eu
praticamente morava no campus. A veterinária era um curso exigente, algumas
vezes tinha aulas o dia inteiro, conheci muita gente bacana, muitos dos quais
perdi totalmente o contato, nessa época eu andava sempre de botas, nunca mais
usei botas depois da veterinária.
Quando
desisti da veterinária, fiquei em dúvida sobre que curso fazer, História ou
Psicologia, bem, optei por História. Quando lembro dessa época é sempre com um
sorriso no lábios, eu me diverti muito. Adorava ficar pelos corredores batendo
papo, jogando conversa fora. Nessa época eu não bebia e era vegetariano, e
costumava brincar dizendo que existiam dois tipos de alunos de história: os
maconheiros e eu. Tinha poucos, mas bons amigos, tínhamos a nossas piadas
particulares, as pessoas com quem fazíamos essas piadas (hoje seria bullying). Meu
pai era professor da faculdade, na disciplina de história do Ceará, mas jamais
fui aluno dele. Eu me vestia de maneira andrajosa, nunca usava calças
compridas, usava sempre as mesmas camisetas brancas surradas (muito confortáveis),
andava de ônibus e não tinha um centavo. Também fui bolsista, e presidente do
Centro Acadêmico, mas isso não foi o mais legal. Encontrei um dos meus
professores, o Régis, quando ele estava lançando um livro e trocamos algumas
palavras, eu disse que agora que estava lecionando ia pagar meus pecados por
ter sido um aluno tão chato. Para a minha surpresa ele disse que sentia falta
de mim como aluno e que não me achava chato, e que os alunos atuais não
discutiam mais nada em sala ou participavam. Eu tive sorte, nessa época tive
professores brilhantes e gostava muito do meu curso e das coisas que estudávamos,
foi uma época memorável.
O
que me traz de volta ao presente, e a minha nova faculdade. Diferente da época
da veterinária e da história, eu passo a maior parte do tempo de boca fechada. Sento-me
na última fila, como sempre foi o meu costume, e fico lendo, coisa que às vezes
eu fazia na época da história. A faculdade é estranha, ficamos na mesma sala,
como num colégio. A despeito de ser um sujeito expansivo e extrovertido, fico só
lá calado lendo. O curso de Psicologia é estranho e esquizoide, pois não há, a
rigor, uma psicologia, mas muitas. Em virtude desse fato, se estudam teorias as
mais diversas, sem relação umas com as outras e que com frequência se
contradizem, dizer que se trata de um curso generalista é um eufemismo. Por sorte
aproveitei várias disciplinas, mesmo assim tenho vários anos a minha frente
antes de ter um diploma.
Quanto
a mim, e o meu silêncio, tenho sentimentos confusos. Eu já sabia de antemão
como seria o curso, não tinha ilusões, mas isso me faz ver como ilusões são
importantes. Sinceramente não tenho disposição para aprender nem um terço das
coisas que são ensinadas ali, das muitas psicologias. Não é para mim um tempo
de aventuras e descobertas, já sei bem o que me interessa e já estudo isso há
mais de dez anos, creio que quatorze para ser mais exato. Não participo das
discussões em sala, não dialogo com os professores, não faço perguntas, só fico
lendo. O que é bom por um lado, isso tem aumentado minhas horas de leitura,
vinha lendo menos ultimamente (creio que quando eu leio pouco isso ainda deve
contar como pelo menos 3 ou 4 vezes o tempo de leitura de uma pessoa normal). Seja
lá como for, certamente não será um tempo memorável, não sou mais tão quebrado
quanto era na época da história, e há tempos abandonei minhas confortáveis
camisas brancas, não ando mais de ônibus e nem uso botas. Pelo que soube há um
centro acadêmico, mas estou ocupado com a política em outras esferas, não fico
de papo falando bobeira nos corredores e nem faço piadas. É interessante, no
doutorado eu ainda faço todas essas coisas (não, não uso botas falo das
conversas e piadas), mas não me permito fazer o mesmo na faculdade.
Quando
eu fui estudante de história tinha a fama de ser arrogante, e eu era um cara
meio desagradável mesmo pensando em retrospecto, mas mesmo nessa época sempre
fui amigo dos meus amigos, e um sujeito sincero e direto. Passei muito tempo
tentando lidar com essa história de eu ser arrogante, era uma fama estranha,
pois eu era tão descolado e largado... Certa feita, conversei com uma amiga
sobre a minha imagem na faculdade e ela me disse que poucas pessoas me
conheciam, no sentido de serem próximas a mim e saberem como eu era mesmo. Não acho
que eu fosse arrogante, mas uma coisa eu era e ainda sou: exibido. Creio que
levarei esse pecado para o túmulo, o que é algo paradoxal ser ao mesmo tempo
alguém exibido e reservado ao ponto de meus amigos se surpreenderem com fatos
ao meu respeito, coisas que eu faço e gosto, aconteceu recentemente com um bom
amigo meu de se espantar ao saber que eu fazia traduções (de textos e simultâneas),
nos conhecíamos há tempos, e eu nunca falara sobre isso.
Nas
duas vezes em que fiz faculdade anteriormente a universidade era o centro da
minha vida, passava muito tempo por lá e tudo orbitava em torno dos meus
estudos acadêmicos. Hoje eu faço muitas coisas ao mesmo tempo, e só passo o
tempo necessário na faculdade, nem um minuto a mais, a família, o trabalho, a
política, meus estudos e projetos não me permitiriam, nem que eu quisesse, ficar
de bobeira por lá... Isso é um pouco mentiroso da minha parte, eu fico de
bobeira no doutorado conversando, discutindo teoria, fazendo piadas e falando
mal do povo. O fato é que não é um tempo interessante o que eu passo lá, e eu não
permito que ele seja ou o torno interessante. Creio eu que devem ter pessoas
legais com quem eu poderia falar bobagens e contar piadas ou ficar de bobeira
ao invés de simplesmente ter saudades dos meus tempos de faculdade, mas eu
estou velho, ou me sinto velho quando estou lá. Mais velho e mais cínico, é difícil
não ser cínico quando não se tem ilusões... Me deu uma vontade repentina de
usar botas...
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