Recentemente
assisti a um vídeo em que o jovem libertário Kim Katagiri alfineta o deputado
Jean Willys. O rapazote pinçou uma fala do deputado em que ele erra as datas de
alguns fatos históricos na tentativa de sustentar a afirmação de que os gays
são o grupo mais perseguido na história. Kim rebate o erro cronológico e, como
macartismo tacanho que lhe é característico, ataca o socialismo e aponta os
defensores da liberdade ou libertários como sendo o grupo mais perseguido e
odiado da história.
Bom,
nenhum dos dois é historiador e estão a se meter em uma seara em que, me
parece, um entendo pouco e outro nada. Esse, todavia, não é o ponto, o que me
chama a atenção nesse episódio, é o fato lamentável de um debate importante
como gênero, sexualidade e direitos dos LGBT seja reduzido a uma vendeta pessoal
entre duas figuras públicas.
Essa
é uma estratégia publicitária das mais antigas e mais eficazes. Assim como
adoramos ver gente trocando sopapos nos ringues até que estejam cobertos de
sangue e suor, reduzidos a uma massa grotesca de inchaços e hematomas, também
adoramos ver uma boa lavagem de roupa suja em público e um debate acalorado em que
importa menos o que se debate e mais o aspecto belicoso da coisa toda. No
começo de sua carreira como costureiro, Clodovil arrumou um rival e, de comum
acordo, trocavam alfinetadas pela mídia, assim cresciam ambos. Com esse vídeo
que o jovem Kim (ironicamente com um penteado que parecia imitar o de Jean)
certamente não espera realmente debater, mas conseguir mídia espontânea, likes e compartilhamentos, até eu que
não nutro simpatia por ele vi. O irônico da história, é que essa estratégia
ajuda os dois lados e só atrapalha o público, que se vê levado pelas emoções a
escolher um lado da contenda como sendo o portador da verdade e o outro como o
vilão e inimigo a ser derrotado.
O
chato é que, da posição de historiador, ambos estão prá lá de equivocados. Primeiro
não há um ranking dos mais perseguidos da história. Atenas era democracia
homoerótica, em Roma era esperado que os homens fossem bissexuais, apenas para
citar alguns exemplos. Se eu tivesse que dar um palpite sobre que grupo foi
mais oprimido e perseguido durante a nossa história num primeiro momento eu
pensaria nos judeus, mas logo em seguida eu me recordaria que, mesmo entre os
oprimidos e perseguidos judeus, as mulheres eram muito oprimidas, e colocaria
em primeiro lugar as mulheres. Kim, com um senso de história quase tão extenso
quanto sua idade, parece não conhecer o fato de que as ideias são polissêmicas e
possuem uma história, e uma história venerável. Creio que o sentido que ele
atribui à liberdade seja justamente aquele que surge com a ascensão da
burguesia com o advento das revoluções francesa e industrial, na acepção que
lhe dão os filósofos iluministas, logo, não havia defensores desse tipo de
liberdade antes do século XVIII.
Nesse
tipo de debate que não passa de estratégia de propaganda, importam menos os
argumentos e muito mais a retórica e oratória de cada um dos contendores. A falácia
do Ad Hominem é a regra, pois o que se deseja demonstrar é justamente a
incapacidade do meu interlocutor, ele é um parvo e defende ideias contrárias a
minhas, logo, só um parvo defende ideias contrárias as minhas e eu, que nesse
caso fico no lugar de sabido, não só estou certo, como estou do lado de uma
verdade infalível. A isso se somam as mais populares falácias: argumentum ad ignorantiam, argumentum ad populum, e o mais
importante deles, o coração do seu macartismo, argumentum ad baculum, tremei, pois a revolução comunista espreita
e estou aqui para salvá-los! Tudo o que se busca com esse estratagema é
popularidade.
Lamentavelmente,
um dos aspectos de nossa indigência política é justamente essa terrível
pusilanimidade argumentativa, pautada por uma profunda desonestidade
intelectual e por esse sentimento primitivo de torcida. Nesse caso em
particular, os dois falaram besteira, mas ainda assim encontram quem os
aplauda. No MMA fica claro quem vence, no nosso caso, só fica claro quem perde
e somos todos nós. Empobrecemos nossa capacidade de interpretar o mundo, nos
deixamos levar pela emoção, e, ao invés de pensar e analisar, apenas torcemos. É
triste que poucos se recordem de um axioma psicológico proposto por Jung, o de
que “se é aquilo que se combate”. Eu, de minha parte, além de lamentar e
escrever algo a respeito, não sei muito bem o que fazer, visto o palco das
redes sociais onde circulam essas “peças publicitárias” ser o menos adequado
possível ao debate franco e honesto. Falta-nos história, falta-nos lógica,
falta-nos filosofia, falta-nos tanta coisa que é difícil superar os abismos que
nos separam. Urge que interpretemos aquilo que chega até nós, ao invés de
simplesmente aderir com rapidez aquela informação que melhor se conforma aos
meus preconceitos afetivos e desejos quiméricos.
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