domingo, 23 de outubro de 2011

A Realidade Psiquica

Esse texto foi escrito há cerca de dois anos, creio eu, durante o meu mestrado, especificamente para uma disciplina que, a época, era ministrada pelo meu orientador. Foi escrito por mim e por meu dileto amigo e parceiro de estudos Filipe Jesuíno. Meu estilo, desde então, mudou bastante, ou talvez, tenha se tornado mais "meu" e menos influenciado por outrem. O texto, todavia, já deixa antever, um pouco da maneira como prefiro escrever hoje, e contém uma pesquisa interessante de cunho epistêmico, por isso, o publico aqui. Do texto completo só omito as referências, não fiz qualquer alteração, logo, certas informações são "datadas", mas importa mais o próprio texto:

A Realidade Psíquica[1]


Heráclito Aragão Pinheiro
Licenciado em História pela UFC, mestre em Psicologia pela UFC.
Filipe de Menezes Jesuíno
Psicólogo e Mestre em Psicologia em UFC, Professor Assistente de Psicologia da UFC.


Uma vez, ao pôr do sol, Zhuangzi cochilava debaixo de uma árvore quando sonhou que havia se transformado numa borboleta. [...] E ficou confuso: era essa a magnífica borboleta que Zhuangzi havia sonhado, ou era essa borboleta que havia sonhado ser Zhuangzi? Talvez Zhuangzi fosse a borboleta! Ou talvez a borboleta fosse Zhuangzi? É esse o resultado da transformação das coisas.
(CAPPARELLI, 2007, p83)


O sonho do sábio chinês Zhuangzi, narrado acima, nos remete a uma pergunta, que apesar de freqüentemente sonegada, revela-se crucial para o estudo da alma[2]: o que é real? Jung respondeu a esta pergunta de maneira sucinta e elegante “aquilo que age, que atua, é real”. (JUNG, 1971, §742). Tal simplicidade, todavia, esconde sutilmente uma elaborada discussão epistemológica, um dos esteios fundamentais da teoria junguiana e de sua prática clínica, que entre si são inextrincáveis, e que justifica a escolha do mestre suíço por esta resposta tão singular para a questão que já atormentava Zhuangzi.
A resposta a esse questionamento é essencial para justificar epistemologicamente uma psicologia científica genuína e não algo que – para utilizar a expressão de Canguilhem – não passaria de “uma mistura de uma filosofia sem rigor, de uma ética sem exigências e de uma medicina sem controle”. (PENA, 1991, p.33). Entretanto, das numerosas e sérias objeções à cientificidade da psicologia, interessar-nos-á, de perto, o que asseverou Kant. Uma de suas principais objeções foi a de que não existiria uma psicologia matemática possível no sentido em que existe uma física matemática (p.37). Além disso, não seria possível uma psicologia experimental, como a química, pois não poderíamos efetuar experimentos sobre nós mesmos ou sobre os outros, isso só levaria à alienação. “Na perspectiva Kantiana, o eu, sujeito de todo julgamento, é uma função de organização da experiência mas do qual não pode haver uma ciência, de vez que ele é a condição de toda ciência”. (PENA, 1991, p.36).
Podemos resumir a objeção Kantiana a uma ciência do espírito em poucas palavras: tal ciência carece de objetividade! É curioso notar que as duas principais influências, ou, melhor dizendo, os principais pressupostos filosóficos de Jung, para a formulação de sua ciência, são justamente o romantismo alemão, e, a filosofia Kantiana. Jung não nega a objeção Kantiana, nem mesmo tenta desqualificá-la através de algum artifício lógico, mas, paradoxalmente, assume-a como uma das principais dificuldades epistemológicas e metodológicas enfrentadas pela psicologia moderna.
Parece-me, às vezes, que a psicologia ainda não compreendeu nem a proporção gigantesca de sua missão, nem a complexidade e desanimadora complicação da natureza de seu tema central: a própria psique. É como se mal estivéssemos acordando para essa realidade, com a madrugada ainda muito obscura para compreendermos perfeitamente o porquê da psique, constituindo-se no objeto da observação e do julgamento científicos, ser ao mesmo tempo o seu sujeito. A ameaça de um círculo tão espetacularmente vicioso tem-me levado a um extremo de relativismo e cuidado, quase sempre incompreendido. (JUNG, 1985, §6).
Em sua obra, Jung realiza um imenso esforço epistemológico para encontrar a tal objetividade negada por Kant, e que se liga à pergunta que serve de mote a esta discussão: o que é real?
A influência de Kant em Jung se faz sentir em uma de suas mais sábias escolhas metodológicas, a negação da metafísica, entendida por Jung como hipóstase dos conceitos. Tal negação não é, de modo algum, uma desqualificação, mas um crivo metodológico. Jung se entendeu cientista, e sua ciência da alma se interessa pelo símbolo[3] enquanto objeto de estudo privilegiado. As produções metafísicas, entendidas como simbólicas, são passíveis de estudo e discussão e não podem ser negligenciadas. O psicólogo, entretanto, não pode se valer, no desenvolvimento de sua teoria, de postulados metafísicos. Observamos esse crivo precisamente aplicado diante da resposta junguiana para a pergunta pela existência ou não de um Ser Supremo.
O conceito de Deus é simplesmente uma função psicoló­gica necessária, de natureza irracional, que absolutamente nada tem de ver com a questão da existência de Deus. O intelecto humano jamais encontrará uma resposta para esta questão. Muito menos pode haver qualquer prova da existência de Deus, o que, aliás, é supérfluo. A idéia de um ser todo-poderoso, divino, existe em toda parte. Quando não é consciente, é in­consciente, porque seu fundamento é arquetípico. (JUNG, 1987, §110).
Ou ainda, em outra passagem:
A figura de Deus é essencialmente uma imagem psíquica, um complexo de representações de natureza arquetípica, que a fé considera idêntico a um ens metafísico. A ciência não tem competência para julgar essa colocação. Ao contrário, ela precisa procurar sua explicação sem esta hipóstase. (JUNG, 1995, §95).
Tal crivo metodológico serve de indicação para entendermos a fundamentação epistemológica da realidade psíquica em Jung e para entendermos sua definição daquilo que é real. Outro problema herdado da tradição Kantiana também figura entre os pressupostos fundamentais de Jung, e se revela crucial para nosso entendimento. Trata-se da separação Kantiana entre númeno e fenômeno. Kant, em sua radical rejeição da noção tradicional de metafísica, nega a assim chamada intuição intelectual que nos daria acesso imediato a essência das coisas. Por definição, essas essências (ούσία) são o incondicionado, conhecê-lo diretamente seria justamente entrar em contato com essas essências, o que dessa forma, deixaria de ser incondicionado. Para Kant a intuição é sempre sensível, é o modo como os objetos se apresentam a nós no espaço e no tempo (precisamente as condições de possibilidade do sensível) o que podemos conhecer não é o “real” (das Ding an sich), mas sempre o real em relação com o sujeito do conhecimento. Distingue-se, assim, o mundo dos fenômenos – a realidade que experimentamos – do númeno, entendido como realidade em si mesma, a qual, apesar de podermos pensar, não podemos jamais conhecer. Daí sua famosa epistemologização da filosofia, e sua mudança do termo transcendente para transcendental, entendemos também sua famosa metáfora, presente no prefácio da segunda edição (1787) da Critica da Razão Pura, sobre sua revolução copernicana. Pois, diferente do que advogava a tradição filosófica até então (que o sujeito se orienta pelo objeto), Kant irá opor a concepção de que o objeto é determinado pelo sujeito[4].
Kant formula suas concepções em resposta as críticas céticas dos empiristas, especialmente a Hume, pois Kant afirma que os questionamentos de Hume o levaram a “despertar de seu sono dogmático”
Desde as tentativas de Locke e Leibniz, ou, mais ainda, desde a criação da metafísica, por mais longe que remonte a sua história, não houve acontecimento algum que fosse mais decisivo em relação ao destino dessa ciência do que ofensiva levada a efeito por David Hume contra ela. Ele não trouxe luz a esta espécie de conhecimento, mas despertou uma centelha, na qual se poderia ter acendido uma luz, se ele tivesse encontrado uma mecha inflamável, cujo ardor fosse cuidadosamente mantido e aumentado. (KANT, 1980, p.8)
Jung assume essa divisão fundamental, porém sua circunscrição desse fenômeno basilar se dá não em termos filosóficos, mas nos termos próprios de uma psicologia científica.
Percebemos apenas as imagens que são transmitidas indiretamente, através de um aparato nervoso complicado. Entre os terminais nervosos dos órgãos dos sentidos e a imagem que aparece na consciência se intercala um processo inconsciente que transforma o fato físico da luz, por ex., em uma “luz”-imagem. Sem este complicado processo inconsciente de transformação, a consciência é incapaz de perceber qualquer coisa material. (JUNG, 1986, §746).
Começa a se abrir a senda de compreensão para a singela frase de Jung que citamos logo de início, resposta simples e elegante “É real aquilo que atua”. (JUNG, 2000a, §353). Tal simplicidade, que se pode repetir simplesmente como jargão fácil, esconde os meandros dessa complexa teia de articulações epistêmicas, dédalo em que procuramos divisar o fio de Ariadne que nos leva de volta, após essa descida necessária as bases epistemológicas de Jung, verdadeira χατάβαση, contemplar uma vez mais a simplicidade e elegância de Jung com novos olhos. Em termos metodológicos, o inconsciente é tratado de maneira idêntica à “realidade externa”.
A consciência é como uma superfície ou película cobrindo a vasta área inconsciente, cuja extensão é desconhecida. Ignoramos a extensão do domínio do inconsciente pela simples razão de desconhecermos tudo a seu respeito. Não se pode dizer coisa alguma a respeito daquilo que nada se sabe... Quando dizemos “inconsciente” o que queremos sugerir é uma idéia a respeito de alguma coisa, mas o que conseguimos é apenas exprimir nossa ignorância a respeito de sua natureza... (JUNG, 1986, §746).
Perceba-se que há uma recusa persistente em se tratar da natureza do inconsciente. Mais adiante, nesse mesmo texto Jung alerta que tudo o que se fala a cerca do inconsciente trata-se, na realidade, de um “como se” (JUNG, 1986), condição metodológica crucial para se entender toda a sua obra. O que isso significa? Pensemos nessa delimitação metodológica no que concerne ao inconsciente, para facilitar, ao menos em parte, nossa compreensão. Tudo o que sabemos do Inconsciente é aquilo que nos chega à consciência. Em primeiro plano está a consciência, somente depois é que tratamos dos produtos da chamada alma inconsciente (de cuja natureza última nada sabemos, nem jamais saberemos) que se manifestam na consciência, mas que percebemos que não foram produzidos por ela, e que, em grande parte dos casos, se comportam com notável autonomia frente ao eu e parecem ser imunes a volição consciente. Não são, portanto, produtos arbitrários, mas formações autônomas alhures à consciência do eu. E que, como não sabemos de onde vem, e como chegamos à constatação de que não são produtos do arbítrio do eu, postulamos um inconsciente, que é, por definição, incognoscível.
Logo, estamos diante, de algo que poderíamos chamar, em um primeiro momento, de “duas” realidades, ambas, fundamentalmente, incognoscíveis. Ou seja, que não nos são imediatamente acessíveis, das quais não temos experiência direta, nem podemos almejar ter[5].
Teoricamente, é impossível dizer até onde vão os limites do campo da consciência , porque este pode estender-se de modo indeterminado. Empiricamente, porém, ele alcança sempre o seu limite, todas as vezes que toca no âmbito do desconhecido. Este desconhecido é constituído por tudo quanto ignoramos, por tudo aquilo que não possui qualquer relação com o eu enquanto centro da consciência. O desconhecido se divide em dois grupos: o concernente aos fatos exteriores que podemos atingir por meio dos sentidos, e o que concerne ao mundo interior que pode ser objeto de nossa experiência imediata. O primeiro grupo representa o desconhecido do mundo ambiente, e o segundo, o desconhecido do mundo interior. Chamamos de inconsciente a esse último campo. (JUNG, 1988, §2).
O eu vive entre dois grandes desconhecidos, o mundo exterior, e o mundo interior, que não lhe são imediatamente acessíveis e, em sua natureza última, são incognoscíveis. Mas em que mundo então vive o eu? Para Jung a resposta a essa pergunta é fundamental para o estudo da alma e para o estabelecimento do que ele chama de método empírico/fenomenológico. (JUNG, 1978). Lembremos, com referência à nossa discussão acerca das distinções Kantianas, que Kant elabora a sua crítica em resposta aos empiristas, discordando fundamentalmente das concepções de Hume (mas levando muito a sério suas críticas). Kant, que é um pressuposto epistemológico fundamental para Jung, se opõe à empiria. Como então Jung se declara empirista?
Devemos evitar sermos confundidos pelos termos, assim não compramos gato por lebre. A tradição empirista, que se desenvolveu prioritariamente no mundo anglo-saxão, e que tem seus inícios modernos com Bacon, mas que pode alegar antiguidade o bastante para possuir entre seus ancestrais alguém do quilate de um Aristóteles, possui como mote fundamental a célebre frase Nihil est in intellectu quod non antea fuerit in sensu. Sobre essa tradição Jung tece o seguinte comentário: “sob este aspecto, é 'real' tudo o que provém ou pelo menos parece provir direta ou indiretamente do mundo revelado pelos sentidos”. (1986, §742). Bem entendido, essa tradição empirista, possui certas características que divergem fundamentalmente da visão que Jung possui de realidade. Os empiristas, de um modo geral, rejeitam qualquer noção de idéias inatas ou de um conhecimento anterior à experiência ou independente desta. Rejeitam também quaisquer especulações metafísicas. Somente a experiência seria critério de validade, experiência esta entendida como experiência sensorial. Locke chega mesmo a propor a tese da mente como “tabula rasa”, que é marcada pela experiência.
Isso eleva a um conceito de realidade por demais estreito para podermos acreditar que Jung é um empirista desse tipo. Não obstante, vejamos o que Jung entende por experiência: “Creio, de fato, que não há experiência possível sem uma consideração reflexiva, porque a 'experiência' constitui um processo de assimilação, sem o qual não há compreensão alguma”. (1978, §2). Isso se deve a conceituação de Jung de realidade psíquica.
(...) aquilo que nos parece como uma realidade imediata consiste em imagens cuidadosamente elaboradas e que, por conseguinte, nós só vivemos diretamente em mundo de imagens. (JUNG, 1986, §746).
Vivemos, portanto, num mundo de elaboradas representações psíquicas, e não temos nenhum acesso direto ao mundo dito “material”, ou àquilo que chamamos de inconsciente. Sendo, ambos, incognoscíveis. A única realidade imediata é a realidade da alma, sendo esta a única a que temos acesso direto.
Longe, portanto, de ser um mundo material, esta realidade é um mundo psíquico, que só nos permite tirar conclusões indiretas e hipotéticas a cerca da verdadeira natureza da matéria. Só o psíquico possui uma realidade imediata, que abrange todas as formas do psíquico, inclusive as idéias e os pensamentos “irreais”, que não se referem a nada “exterior”. Podemos chamá-las de imaginação ou ilusão; isto não lhes tira nada de sua realidade. (...) Nossa tão decantada razão e nossa vontade desmedidamente superestimada às vezes são impotentes diante do pensamento “irreal”. (JUNG, 1986, §747).
A tentativa de derivar a alma do mundo físico, entendendo-a como mero epifenômeno da matéria ou de alguma secreção cerebral, ou de algum fenômeno bio-elétrico, esses sim vistos como “reais”, revelam a existência daquilo que Jung, acertadamente, chama de metafísica da matéria. Ora, tais fenômenos, aos quais nosso atual Zeitgeist dá mais crédito – o que demonstra uma preferência sentimental pelas explicações que se baseiam na “matéria”, seja ela entendida como um quimismo, um impulso eletro-químico, ou alguma região de uma topologia anatômica do cérebro – resvala no erro metodológico, ex exposistis, de apelar para um julgamento metafísico. A “matéria” é algo incognoscível, crer que dela se pode saber mais do que da alma, ou querer, de modo apressado, derivar uma da outra, não passa de especulação metafísica, com escasso valor científico, mas que alcança aplauso geral, devido à inclinação sentimental que desvaloriza a alma e coloca tal “matéria” como princípio primeiro, de cuja essência, esquece-se, nada se sabe. Desta forma, nesses argumentos, a noção de matéria encontra-se hipostasiada.
(...) se em nossos dias alguém sustentar que os fenômenos intelectuais e psíquicos se devem à atividade glandular, pode estar certo de que terá o aplauso e a veneração de seu auditório, ao passo que, se um outro pretendesse explicar o processo de decomposição atômica da matéria estelar como sendo uma emanação do espírito criador do mundo, este mesmo público simplesmente deploraria a anomalia intelectual do conferencista. E, no entanto, ambas as explicações são igualmente lógicas, igualmente metafísicas, igualmente arbitrárias e igualmente simbólicas. (JUNG, 1986, §652).
Sabemos como Jung entende a experiência, pelo já exposto. Logo, para ele, os dados da alma, sendo esta a nossa realidade imediata, são passíveis de um conhecimento empírico. Na realidade, todos os dados empíricos a que temos acesso, são mediados pela alma, logo, toda empiria passa pela realidade da alma. É nesse sentido, com um fundamento Kantiano, que Jung se diz empirista.
Aquilo de que trata a psicologia, é a única realidade imediata a que temos acesso. Um sonho, um devaneio, uma idéia obsessiva, são fatos reais. Que podem inclusive solapar a hierarquia dos complexos e colocar o complexo do eu de joelhos diante de sua autonomia e poder frente a consciência. “A idéia é psicologicamente verdadeira, na medida em que existe”.
Trata-se de um ponto de vista exclusivamente científico, isto é, tem como objetos certos fatos e dados da experiência. Em resumo: trata-se de acontecimentos concretos. Sua verdade é um fato e não uma apreciação. (JUNG, 1978, §4).
Mesmo a mais absurda e estapafúrdia das idéias, ou a ilusão mais empedernida, pode ser causa de profundo sofrimento, e se apresentarem invencíveis diante da consciência. Por mais que se diga a uma histérica, com toda a boa vontade e da maneira mais razoável, que seu corpo não apresenta nada de errado, que nada físico a aflige e por mais que ela seja capaz de compreender e, até mesmo, aceitar esse fato racionalmente, dificilmente esse sermão racionalista bastaria por si só para curá-la de seu sofrimento, pois “é real aquilo que atua”.
O inconsciente é tudo aquilo que sabemos ser psiquicamente real, mas que não é consciente. Trata-se de um conceito limítrofe, e negativo. Usamos esse conceito negativo para evitar um preconceito. Alguns o chamam de supraconsciente, outros de subconsciente, outros ainda falam de esfera divina ou base existencial. Nomes há aos milhares. Preferimos o termo inconsciente justamente porque não diz nada. Diz apenas que não é consciente, o que permanece um mistério. Não sabemos o que é. Sabemos apenas que há fenômenos psíquicos que se manifestam através de sonhos, gestos involuntários, lapsos da fala, alucinações ou fantasias que não são conscientes. (FRANZ & BOA, 1997, p.37).
Começamos essa breve explanação com uma história chinesa, pois bem, terminemos com outra, que expressa magnificamente aquilo que é o coração do problema que tentamos abordar, com mais precisão e beleza do que esse texto jamais poderia sonhar em expressar.
Um lenhador de Zheng viu um veado no campo e o matou com um tiro. Com medo de ser pego, ele escondeu o veado sob folhas de bananeira. E foi embora contente.
Pouco depois, ele se esqueceu do lugar onde tinha escondido o veado e pensou que o episódio tivesse sido um sonho. A caminho de casa, começou a conversar sozinho, falando alto sobre esse sonho. Quando falou mais uma vez, um carroceiro que vinha passando escutou suas palavras e imaginou onde o veado podia estar escondido. Logo encontrou o veado e o levou para casa.
Esse carroceiro falou para a sua mulher:
- O lenhador sonhou que tinha matado um veado e havia esquecido o lugar onde o tinha escondido. Eu então achei o veado. Nesse caso, o sonho deve ser verdadeiro.
Sua mulher disse:
-Existia de fato um lenhador? Ou você sonhou com um lenhador? Embora você tenha agora o veado, isso não significa que o sonho seja verdadeiro.
O carroceiro respondeu:
- Eu tenho o veado. Não me interessa qual dos sonhos é verdadeiro, o dele ou o meu, o veado é verdadeiro.
Acontece que o lenhador tinha ido para casa muito triste por ter perdido o veado.
Naquela noite ele teve um sonho. No seu sonho apareceu o carroceiro que o tinha escutado enquanto ele falava sozinho e que, no fim, havia encontrado o veado.
Na manhã seguinte, seguindo o seu sonho, ele achou esse homem e o veado. Levou então os dois ao juiz, esperando por uma sentença favorável, que possibilitasse a ele recuperar o veado.
O juiz disse:
-Primeiro o lenhador matou o veado, mas pensou que fosse um sonho. Depois ele sonhou que tinha matado o veado e acreditou que isso fosse real. Ele encontrou o carroceiro que vinha passando e pegou o veado real e, agora, acusa esse mesmo carroceiro, para recuperar seu veado. Como dizer que o carroceiro não pegou o veado do sonho de outro homem e sim do sonho do lenhador? Logo, o veado não é de ninguém. O veado está aqui e é real. Melhor dividí-lo entre os dois.
O juiz achou o caso muito difícil e apelou ao rei Zheng. Este, sorrindo, fez a seguinte observação:
-Bom, pelo jeito vão dizer que o juiz sonhou com a divisão do veado. Acho melhor esse caso ser levado ao conselheiro mor.
O rei Zhang mandou o caso para o conselheiro-mor. Não demorou muito e veio a resposta:
-Não sei dizer se esse caso é sobre sonho ou realidade. E apenas sábios como Huangdi e Confúcio podem diferenciar sonhos de realidade. Como os dois já morreram, recomendo que se siga a recomendação do juiz. (CAPPARELLI, 2007, p85).


[1] Artigo apresentado como requisito para aprovação na disciplina sintoma do corpo aos professores Ricardo L. L. Barrocas e Ana Lage.
[2] O termo psique, usualmente empregado para designar em português os fenômenos psíquicos, possui etimologia grega, Ψυχή, significando alma, vida, ou borboleta. Tanto Jung quanto Freud, em seus escritos, utilizaram em vernáculo alemão o termo Seele, ou Geist significando espírito (FREUD, 2004, p.91), utilizaremos o termo em vernáculo português mais próximo presente texto, e nossa escolha recai sobre o termo Alma.
[3] Para Jung, o termo símbolo possui um investimento teórico preciso: “Em minha concepção, o conceito de símbolo é bem distinto do simples conceito de sinal. O significado simbólico e semiótico são coisas bem diversas. (...) Todo produto psíquico que tiver sido por algum tempo a melhor expressão possível de um fato até então desconhecido ou apenas relativamente conhecido pode ser considerado um símbolo se aceitarmos que a expressão pretende designar o que é apenas pressentido e não está ainda claramente consciente. (...) Além disso, todo fenômeno psicológico é um símbolo, na suposição que enuncie ou signifique  algo mais e algo diferente que escape ao conhecimento atual”. (1991, §903).
[4] Marcondes, 2000 p.209
[5] A exceção de casos limites de experiência da estrutura, encontrados na experiência mística genuína, mas que por questões metodológicas e por fugirem do escopo desse trabalho não trataremos aqui.


sexta-feira, 21 de outubro de 2011

American Vampire



Revista ganhadora do prêmio Eisner (a mais importante premiação da indústria dos quadrinhos), idealizada pelo escritor Scott Synider e ilustrada por Rafael Albuquerque. Em seus cinco primeiros números  contou com a participação de ninguém menos que o renomado escritor de terror Stephen King.

Em outro post eu falava da "onda de vampiros", bem, nesse verdadeiro vagalhão de seres da noite, finalmente surgiu algo de novo e realmente interessante para renovar o gênero. Uma das premissas da história é a de que existem linhagens de vampiros (até aí nada de novo, essa era uma das premissas básicas do Vampire the Mascarade), a novidade na história de Synider é que essas linhagens surgem do contato do sangue vampírico com determinadas populações humanas, e representam estágios evolucionários dos mortos vivos.



A história se inicia no "velho oeste", com o surgimento dos primeiro "vampiro americano", o cowboy homicida e sem escrúpulos Skinner Sweet. Vampiros europeus, da raça dominante conhecida como Carpathians, estão infiltrados na sociedade do novo mundo, principalmente nos negócios: eles são ricos, poderosos e influentes. acidentalmente Skinner é transformado em vampiro, depois de roubar o banco de um sanguessuga. Sua força e velocidade são maiores do que a dos vampiros europeus e ele não é afetado pelo sol. Somente com o correr das edições as fraquezas de Skinner são reveladas.

A história prossegue passando pelo velho oeste, a grande depressão, até a segunda guerra mundial, mostrando várias linhagens de vampiros, e sempre apresentando novos e intrigantes personagens.

Snyder me mostrou algo fundamental, histórias de vampiros são, no fundo, histórias sobre pessoas, importam menos os poderes e fraquezas dos vampiros e mais sua personalidade, motivações e sentimentos. Nesse sentido, a história é magistral, com alguns dos personagens mais interessantes que já vi numa história em quadrinhos, desde o sociopata Skinner Sweet, que abraça de corpo e alma sua transformação, até o incorruptível policial Cash, da cidade de Los Angeles, passando por muitos outros personagens incríveis.

Para os fãs de vampiros, ou simplesmente para os fãs de uma boa história, American Vampire é uma excelente pedida, realmente uma revista em quadrinhos imperdível.


domingo, 16 de outubro de 2011

UNWRITTEN


Escrita pelo sensacional Mike Carey e desenhada por Peter Gross (um dos desenhistas da série Lúcifer), e lançada pelo selo Vertigo da DC, é sem sombra de dúvidas, uma das revistas em quadrinhos mais instigantes e inovadoras que já li. Talvez o melhor trabalho de Carey desde Lúcifer.

O tema não é novo, e já foi explorado de maneira magistral por Bill Willigham em seu Fables: Legends in exile. Carey, no entanto, utiliza um enfoque diverso do de Fables, e bem mais sombrio. A temática é algo que me é muito caro, o poder das palavras e das histórias e a sutil relação que esses mundos de fantasia têm com o mundo "real". No caso de Fables, isso é explorado pela perspectiva dos personagens, no caso de Unwritten, principalmente pela perspectiva dos autores e, em certa medida, essa perspectiva surge diante de nós através do testemunho de uma personagem.

A história possui uma metalinguagem extremamente interessante. O protagonista é o filho e um autor de livros, atualmente desaparecido, que se inspirou no próprio filho para criar o personagem principal de seus livros: um jovem bruxo. Para os fãs, o personagem e a pessoa real se confundem, e essa confusão também afeta o protagonista, que frequentemente se vê atormentado por crises de identidade.

O mundo de Tom, o protagonista, começa a ruir quando ele, lentamente, passa a descobrir que talvez ele seja realmente Tommy, o jovem bruxo dos livros de seu pai, e os mundos de fantasia e o nosso passam a colidir de maneira vertiginosa.

Realmente uma revista em quadrinhos imperdível, cada vez mais Carey se firma como um dos grandes roteiristas de quadrinhos ao lado de gigantes como Alan Moore e Neil Gaiman.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Sandman Presents, The: The Furies



Um excelente título do selo vertigo da DC (Detective Comics). desde do magistral Lúcifer, Mike Carey se tornou um dos meus autores prediletos de quadrinhos, e, há tempos, esperava por algo de sua lavra que fosse tão bom quanto as histórias do "light bringer".

The Furies não desaponta em nenhum quesito, a história é provocante e intensa, não linear e repleta dos mitos que tanto gosto. a arte se encaixa perfeitamente a história, a revista é magnificamente ilustrada por John Bolton, fugindo ao estilo mais convencional das "comics" americanas.

A história se utiliza de ganchos deixados por Neil Gaiman, criador de Sandman, e de alguns de seus personagens: o próprio Sandman e sua "mãe" a ex heroína Hipolita Hall, explorado de maneira inventiva por Carey.

O roteiro bebe da fonte inesgotável dos mitos da velha Hélade, com referência as Metamorfoses de Ovídio, e a Teogonia de Hesíodo. Cronus, hermes, as Fúrias, entre outros seres míticos passeiam pelas páginas como atores da trama, inspirada, igualmente na tragédia grega.

Certamente, para os fãs de uma boa história em quadrinhos, The Furies, é simplesmente imperdível. Para aqueles que apreciam mitologia, essa também é uma excelente oportunidade. Mais uma vez, Mike Carey mostra todo o talento que fez de Lúcifer, uma das séries mais memoráveis do final do século passado.


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Mito


O texto que se segue é um esboço de um texto mais completo que em breve será publicado como capítulo de livro já no prelo.







Inicio pelo lugar no qual me situo. Dois dos autores que trataram desse vasto e quase inesgotável tema são Campbell e Jung. Em resumo, ao tratar do mito, Campbell se situa no campo do “como” e Jung do “por que”, esses campos “epistêmicos” são complementares, e a psicologia que está na base de todo o pensamento de Campbell é Junguiana. Certa vez, ele até mesmo declarou que, após a morte de Jung, perdeu todo o interesse por acompanhar os desdobramentos das teorias psicológicas. Ambos se conheceram, Campbell e sua esposa Jean, passaram uma tarde inteira com o Casal Jung na Suíça.

Campbell possui uma definição de mito que considero uma das mais divertidas e, ao mesmo tempo, corretas. Principalmente em virtude do panorama de conceitos e significados que pretendo traçar. Segundo essa definição de Campbell “a mitologia pode, num real sentido, ser definida como a religião de outro povo. E a religião pode, num certo sentido, ser entendida como uma incompreensão popular da mitologia” (2002, p.39). Tal incompreensão consiste em tomar os símbolos míticos espirituais como referência a acontecimentos históricos, em outras palavras entender as imagens míticas de maneira denotativa, literal. Essa definição tem a grande vantagem de nos poupar tempo e esforço, ao invés de tentarmos encontrar o caminho histórico de duas palavras de significado extremamente mercurial: mito/religião, podemos considerá-las, cum grano salis, razoavelmente intercambiáveis. É interessante notar que o termo mito entrou para o vocabulário popular com dois sentidos bastante distintos, como mentira, e, paradoxalmente, como algo assombroso, fora do comum ou extraordinário. É comum ouvir alguém desqualificar algo dizendo “isso não passa de um mito”, ou, ao se referir a alguém extraordinário afirmar “ele tornou-se um mito”. Mas me adianto. Campbell não se limitou a esse jogo palavras carregado de ironia, seu estudo comparado de praticamente todas as tradições míticas do planeta o levou a elaborar outras definições possíveis, que se encaixam harmoniosamente no mosaico de sua singular filosofia. Para ele:

A mitologia é um sistema de imagens que dota a mente e os sentimentos de um sentido de participação num campo de significado. As diferentes mitologias definem os significados possíveis da experiência de uma pessoa em termos do conhecimento do período histórico, bem como o impacto psicológico desse conhecimento difundido através de estruturas sociológicas sobre o sistema complexo e psicossomático conhecido como ser humano. (Campbell, 2009, p.39).
Esse sentido, atribuído a Campbell para a mitologia, situa a vida humana num determinado tempo e lugar, e suas possibilidades de sentido e significado nesse dado tempo e lugar. Esse é um lado da moeda, e está relacionado à pelo menos duas das quatro funções do mito sugeridas por Campbell (mística, cosmológica, sociológica e psicológica). Para ele, somos como marsupiais, nascidos antes do tempo, de maneira incompleta, os mitos são como a bolsa da mãe canguru, que nos nutrem e protegem, permitindo que cresçamos enquanto estamos fracos e indefesos para termos um segundo nascimento, por isso, as imagens míticas não precisam fazer sentido, elas precisam nos deixar confortáveis. O mito possui igualmente um sentido que escapa ao tempo cronológico ou a qualquer lugar específico, algo de intemporal que cala fundo em nossa alma e está além e aquém do tempo e do espaço, nesse sentindo:

Uma mitologia pode ser entendida como uma organização de figuras metafóricas conotativas de estados de espírito que não pertencem definitivamente a este ou àquele local ou período histórico, embora as figuras elas mesmas pareçam superficialmente sugerir uma tal localização concreta. As linguagens metafóricas tanto da mitologia quanto da metafísica não denotam mundos ou deuses reais, e sim conotam níveis e entidades no interior da pessoa tocada por elas. As metáforas apenas aparentam descrever o mundo exterior do tempo e do espaço. Seu universo real é o domínio espiritual da vida interior. O Reino de Deus está no interior de você. (Campbell, 2009, p.37).
Concordo com Campbell, apesar de que, em termos psicológicos, ele vai um pouco longe demais. Todavia, é extremamente útil para compreender os mitos ter em mente que, em termos psicológicos, o outro mundo, o mundo dos mortos, o reino de Deus, a terra das fadas, estão dentro de nós. Ou, dito de maneira melhor, não sabemos se eles correspondem a uma realidade metafísica, isso é um mistério, mas podemos afirmar com certeza que correspondem a uma realidade anímica. Recentemente lia uma revista em quadrinhos de um de meus autores favoritos, Mike Carey, chamada “the furies”, em determinado momento, Chronus ao se referir a um dos perpétuos “dream” o sonho, ou melhor, a sua morte e ao posterior ressurgimento de um novo senhor dos sonhos que, paradoxalmente era o velho Sandman, ele diz (traduzo): “mas, parece que o universo precisa de certos pontos fixos para poder funcionar. Havia uma criança. Novamente uma criança humana, mas que havia sido concebida nos sonhos. E que teve seu aspecto mortal consumido por fogo taumatúrgico. Ele se tornou o novo sonho, o zelador do inconsciente humano. Pois a imortalidade reside no papel não no ser que o desempenha”. É exatamente isso que Campbell aponta com essa passagem e que, em certa medida, Jung também demonstra em sua vasta obra. Jung assevera o mesmo que Campbell acerca da utilidade dos mitos:
O mito religioso é uma das maiores e mais importantes aquisições que dão ao homem a segurança e a força para não ser esmagado pela imensidão do universo. O símbolo, observado sob o ponto de vista do realismo, não é uma verdade concreta, mas psicologicamente ele é verdadeiro, pois foi e continua sendo a ponte para as maiores conquistas da humanidade. (Jung, 1999, p.220).
Não apenas o reino de Deus está em você, essa não é a única compreensão que Campbell extrai de seus exaustivos estudos, o tempo no mito também possui um profundo caráter metafórico, pois, em muitos e muitos mitos há alusão a eternidade, como a recompensa que advirá após a morte ou após algum cataclismo, entendida como um tempo futuro, ou um “lugar” além do tempo, ou com a possibilidade de uma vida eterna, no sentido de uma vida do corpo que se estenderia para todo o sempre. Todavia, afirma ele “A eternidade não possui relação alguma com o tempo. O tempo é que exclui alguém da eternidade. A eternidade é o agora. É a dimensão transcendente do agora a que o mito se refere” (2008, p.24). Mantenham isso em mente: eternidade é o agora e o reino de deus está em você.

Em larga medida, Campbell e Jung, podem ser compreendidos como funcionalistas, nesse sentido, Campbell pode receber esse adjetivo com mais propriedade, já a formulação Junguiana é mais sutil e complexa, mas, cum maximo grano salis, pode-se também afirmar que Jung é um funcionalista. Nesse sentindo, Campbell afirma “a imagem mítica mostra a forma pela qual a energia cósmica se manifesta no tempo; à medida que mudam os tempos, mudam os modos de manifestação”.  Campbell procura explicar esse aparente paradoxo nos mitos apelando para as idéias de Adolf Bastian (o que já colabora com o objetivo maior desses escritos). Ao se deparar com os paralelismos míticos, Bastian – que foi um grande médico, viajante e antropólogo alemão do século XIX – cunhou os termos Elementargedanken e Völkengedanken. Pois, para cada símbolo mítico existem dois aspectos: o universal e o local. Na cultura da índia se encontram termos similares para se referir a essa mesma realidade, marga e deshi, marga é o aspecto universal, humano geral e deshi o que liga o humano a cultura. “O imaginário do mito é a língua, uma língua franca que expressa o básico sobre nossa humanidade mais profunda. Ela assume diversos sotaques nas suas várias regiões”.  Para Campbell, os deuses representam “forças protetoras que sustentam o indivíduo em seu campo de ação”, o que nos conduz uma vez mais a uma explicação psicológica.

Creio que é interessante, nesse momento, falar da perspectiva de Jung. O psiquiatra e psicólogo suíço, assim como Campbell, se debruçou sobre o estudo dos mitos, todavia, isso é causa de muita incompreensão e maus entendidos. Diferente de Campbell, Jung não era mitólogo ou estudioso de religiões, era psicólogo. Seus estudos nesse campo atendiam a seus interesses como psicólogo e, todas as suas digressões intelectuais possuíam o objetivo prático de auxiliar sua atividade clínica, algo que aqueles que são atraídos a sua obra simplesmente pelo “canto de sereia” dos mitos, teimam em ignorar. Em suas próprias palavras “foram razões eminentemente práticas que me levaram a fazer essas pesquisas históricas, e não um simples capricho ou um ‘hobby’ qualquer”. Mas logo isso se tornará mais claro, espero.

As considerações de Jung sobre a mitologia se devem, como já disse, ao seu esforço clínico para compreender os fenômenos envolvidos na psicose e esquizofrenia, bem como para melhor compreender os sonhos e fantasias de seus pacientes. Jung postula a existência de uma psique objetiva, sem a qual a existência de uma psicologia científica torna-se problemática. Para Jung, o psiquismo é sempre algo extremamente paradoxal, e, para lhe fazer jus, as formulações psicológicas devem igualmente ser paradoxais. Qualquer afirmação sobre a psique deve ser antinômica, como vimos até aqui, os mitos nos levam a ter de lidar com a antinomia entre geral e particular, o que também é apontado por Jung. Ele compara o psiquismo à situação ambígua da luz na física, mas a comparação tem um limite, enquanto a descrição da luz repousa sobre apenas uma antinomia: partícula/onda, a psique, por ser infinitamente mais complexa, só pode ser descrita com várias antinomias: a psique depende do corpo e o corpo da psique; o individual não importa diante do genérico e o genérico não importa perante o individual; Consciência e inconsciente, etc.

Para Jung, a consciência surge e se diferencia de bases arcaicas e, o inconsciente do qual ele se diferencia é: anterior, simultâneo e posterior a ela. As bases sobre a qual se assentam a consciência são arquetípicas, para Jung um arquétipo nada mais é do que uma condição do psiquismo, uma pré-disposição, atemporal, acausal, para um comportamento humano típico. A mitologia e suas imagens majestosas possuem valor heurístico, elas permitem elucidar muitos dos significados dos sonhos e fantasias que surgem na clínica, pois, para Jung, devido a existência de uma psique objetiva, toda interpretação também é antinômica, ela pode se dar em dois níveis: nível do sujeito e do objeto. O nível do sujeito, como o nome mesmo já indica, está relacionado às associações e interpretações do próprio indivíduo, todavia também existe um nível de interpretação coletivo, graças a capacidade da alma de produzir material criativo e ser estruturada de maneira arquetípica, esse nível de interpretação é o que ele denomina de interpretação a nível do objeto. Além disso, as imagens e símbolos coletivos possuem poder de cura, segundo Von Franz, a única coisa capaz de curar é a manifestação de uma imagem arquetípica.

Parece que o processo de cura mobiliza essas forças para alcançar seus objetivos. É que as representações míticas, com seu simbolismo característico, atingem as profundezas da alma humana, os subterrâneos da história, aonde a razão, a vontade e a boa intenção nunca chegam. Isso porque elas também provêm daquelas profundezas e falam uma linguagem, que, na verdade, a razão contemporânea não entende, mas mobiliza e põem a vibrar o mais íntimo do homem. (Jung, 1981, p.13).
O poder curativo da imagem arquetípica se deve as características da consciência, que funciona segundo o circuito energético de: direção, seleção e exclusão, e, em sua adaptação ao mundo externo e ao universo interior, ao formar uma atitude psicológica, tende a unilateralidade, o que paradoxalmente nos leva a afirmação de que, quanto maior o grau de adaptação, mais próximo está o colapso da função adaptativa devido à verdade elementar de que tudo está eternamente mudando. Depois de certo tempo, para a consciência, a mudança e a adaptação as condições cambiantes, se torna amarga e difícil, e somente a imagem simbólica, com essa linguagem arcaica, pode mobilizar e operacionalizar na consciência a participação da libido inconsciente. Contribuindo para o objetivo mais geral desses escritos, boa parte das idéias de Jung acerca do arquétipo vem da teorização de Levy-Bruhl denominada représentations collectives, e o que Hubert e Maus chamam de Categorias “a priori” da fantasia.
A fantasia criativa, para Jung, desempenha um papel sumamente importante, em seu livro Símbolos da transformação, ele a classifica como uma das formas de pensamento possíveis, ao lado do pensamento dirigido, discursivo, todavia, diferente deste, o fantasiar é espontâneo e independe da vontade. Esse processo de fantasiar possui uma estreita ligação com a base instintual do ser humano, ele possui um poder libertador e o livra de sua pequenez e unilateralidade, e o eleva ao estado lúdico, para ele “toda obra humana é fruto da fantasia criativa” (1981). Campbell afirma em Mito e transformação, sobre os mitos e sua ligação com a fantasia, segundo ele “O mitos provêm de visões de pessoas que buscaram o seu mundo interno mais recôndito. Dos mitos surgem formas culturais (...) isto porque os mitos, como os sonhos, vêm da imaginação.”

O surgimento de imagens e símbolos que remetem ao simbolismo presente nos mitos na produção individual dos pacientes foi o que levou Jung a valorizar tais imagens, ou seja, uma demanda eminentemente prática. Assim como nos estudos comparativos dos contos de fadas e mitos, o estudo da psicologia do inconsciente se depara que motivos que se repetem com freqüência, esses motivos e figuras típicas que surgem espontaneamente em sonhos, visões e delírios, provêm da mesma fonte e se comportam da mesma maneira que as imagens míticas. Por isso, essas figuras que surgem repetidamente, apenas com roupagens diferentes, podem ser estudadas através dos motivos e figuras similares encontrados nos mitos e lendas de todas as eras.  Devido a isso, a essas manifestações espontâneas da psique objetiva, a mitologia adquire grande importância, como ele mesmo afirma:

Por isso, é de extrema importância para mim ter a maior quantidade de informações possível, a respeito da psicologia primitiva, da mitologia, da arqueologia e história das religiões comparadas, pois essas áreas me fornecem preciosíssimas analogias, que servem para enriquecer as inspirações dos meus pacientes. Juntos poderemos fazer com que as coisas aparentemente sem sentido, se acerquem da zona rica em significado, favorecendo consideravelmente as ocasiões de se produzir a coisa eficaz. (Jung, 1981, PP 42 43).
É preciso que se diga, nesse momento, que poucos autores são tão incompreendidos quanto Jung. É comum que seu interesse por mitos seja confundido com misticismo ou como afirmações de cunho metafísico. Como meu intuito é esclarecer o pensamento acerca de mitologia de vários autores importantes, é de bom tom esclarecer esse mal entendido. Jung nunca foi nem filósofo nem tão pouco metafísico, em suas próprias palavras:
A verdade psicológica não exclui uma verdade metafísica. Mas a psicologia como ciência deve abster-se de quaisquer afirmações metafísicas. Seu objeto são a psique e seus conteúdos. Ambos são realidades efetivas, pois são eficazes. Apesar de termos uma física da alma, não podemos observá-la e julgá-la a partir de um ponto arquimédico externo, e portanto nada de objetivo sabemos ao seu respeito, pois tudo o que dela sabemos é ela própria, a alma é a experiência direta de nosso ser e existir. Ela é para si mesma a experiência única e direta e a “conditio sine qua non” da realidade subjetiva do mundo em geral. Ela cria símbolos cuja base é o arquétipo inconsciente e cuja imagem aparente provém das idéias que o consciente adquiriu. Os arquétipos são elementos estruturais numinosos da psique e possuem certa autonomia e energia específica, graças à qual podem atrair os conteúdos do consciente a eles adequados. Os símbolos funcionam como transformadores, conduzindo a libido de uma forma “inferior” para uma forma superior. (Jung, 1999, pp 220 221).
Mas, o objetivo desse texto é mostrar o qual a compreensão de mito dos autores elencados, no caso de Jung, ele também possui uma caracterização desse fenômeno. Essa caracterização se deve, ao fato deque, boa parte do trabalho psicológico consiste em delimitar de maneira mais clara, sem recair na inflação psíquica, deflação ou enantiodromia, os reais limites da personalidade empírica em relação as imagens autônomas da psique objetiva. Nesse sentido, os mitos desempenham uma função pedagógica extremamente importante no que concerne a adaptação da consciência do eu aos poderes inconscientes.

Foi este o significado vivo do mito, o de explicar ao homem desnorteado o que acontecia em seu inconsciente, que não o largava. O mito disse-lhe: isto não é você, isto são os deuses. Você nunca os alcançará, por isso volte-se para a vida humana, temendo e venerando os deuses” (Jung, 1999, p. 300).
O poder das imagens míticas advém justamente de sua conexão com a base instintiva do homem, e por possuírem caráter simbólico. Para Jung, simbólico e semiótico possuem significados completamente diversos, um sinal é distinto de um símbolo, pois ele simplesmente representa por analogia algo definido, como ONU é um “Sinal” convencional para Organização das Nações Unidas, ou as placas de transito. Em resumo, toda concepção que explica o símbolo por analogia ou abreviação é semiótica. O símbolo, por outro lado “(...) pressupõe sempre que a expressão escolhida seja a melhor designação ou fórmula possível de um fato relativamente desconhecido, mas cuja existência é conhecida ou postulada” (1991). Jung distingue pelo menos dois tipos de símbolos: símbolos vivos, que enquanto forem vivos são a melhor expressão possível de algo, ou seja, são prenhe de significado. Um símbolo “morto”, possui apenas valor e interesse histórico quando seu sentido já foi extraído dele e formulado ou expresso de maneira melhor. Enquanto o símbolo for vivo, ele é a forma insuperável de expressar aquilo que é pressentido. Um símbolo pode ser objetivo, quando sua natureza simbólica se impõe por ele mesmo, de maneira objetiva. Assim como pode existir algo que funcione como símbolo em virtude da consciência que o contempla, da atitude simbólica do indivíduo. O símbolo tem o poder de operacionalizar a participação do inconsciente na consciência, o que possui um efeito gerador de vida.
O símbolo vivo formula um fator essencialmente inconsciente e, quanto mais difundido esse fator, tanto mais geral o efeito do símbolo, pois faz vibrar em cada um a corda a fim. Uma vez que o símbolo, de um lado, é a melhor expressão possível e insuperável do que ainda é desconhecido para determinada época, deve provir do que existe de mais diferenciado e complexo na atmosfera espiritual daquele tempo. (Jung, 1991, p.446).
Existem fatores no psiquismo que ultrapassam a simples experiência individual, isto é existem certas constantes que não são adquiridas individualmente – meras idiossincrasias – mas existem “a priori”, trata-se, como já foi explicado, não de idéias herdadas (algo que Freud defende no seu Esboço de Psicanálise), mas sim de uma determinação pré-natal de modos de comportamento e funções, que são iguais no mundo todo, ou seja, maneiras de pensar, sentir e imaginar que independem de tradição ou cultura, que provêm dessa base instintiva. Experimentalmente isso se comprova no material empírico proveniente dos sonhos, fantasias, alucinações e, sobremaneira, na comparação dos mitologemas. “Os mitologemas são as ‘partes do universo’ há pouco mencionadas, que estão estruturalmente compreendidas na psique. Representam tais constantes que, em todo o tempo e lugar, se exprimem de maneira relativamente idêntica” (Jung, 1981). A relação desses fatos com a psicoterapia se deve a razão, que hoje deveria ser óbvia, de que tais distúrbios estão relacionados aos distúrbios dos instintos, esses instintos, no homem, estão estreitamente relacionados a imagens e situações típicas – convém recordar que para Jung, o inconsciente coletivo e formado pelo par funcional arquétipo/instinto – os conteúdos coletivos expressos nos mitologemas representam as imagens de situações que estão intimamente associadas a liberação dos impulsos instintivos, eis a razão de seu conhecimento ser da maior importância prática ao psicoterapeuta. Deve-se ter em mente, que a psicologia leva em conta de maneira séria a antinomia entre pessoal/coletivo, todavia é preciso recordar sempre que “a alma é um todo, onde tudo depende de tudo”. A alma depende do mundo e sem ele não pode jamais almejar encontrar respostas satisfatórias as dores e sofrimentos anímicos.

Seguindo adiante, ainda há muitos autores a serem visitados nesse esforço de compreensão. O próprio Campbell, em seu livro O Herói de Mil Faces, resume algumas das posturas possíveis acerca da mitologia, além de indicar alguns dos autores de maior importância.

A mitologia tem sido interpretada pelo intelecto moderno como um primitivo e desastrado esforço para explicar o mundo da natureza (Frazer); como um produto da fantasia poética das épocas pré-históricas, mal compreendido pelas sucessivas gerações (Müller); como um repositório de instruções alegóricas, destinadas a adaptar o indivíduo ao seu grupo (Durkheim); como sonho grupai, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior das camadas profundas da psique humana (Jung); como veículo tradicional das mais profundas percepções metafísicas do homem (Coomaraswamy); e como a Revelação de Deus aos Seus filhos (a Igreja). A mitologia é tudo isso. Os vários julgamentos são determinados pelo ponto de vista dos juízes. Pois, a mitologia, quando submetida a um escrutínio que considere não o que é, mas o modo como funciona, o modo pelo qual serviu à humanidade no passado e pode servir hoje, revela-se tão sensível quanto a própria vida às obsessões e exigências do indivíduo, da raça e da época. (Campbell, 2004, p.367).
Para Campbell, em certa medida, não é inteiramente possível existir uma definição definitiva da mitologia, seu estudo enfrenta as mesmas dificuldades daqueles que tentavam aprisionar o deus Proteus, capaz de assumir mil formas. Jung assume postura similar no que concerne ao estudo do psiquismo, o que, certamente inclui os mitos, de nenhuma teoria pode explicar tudo, a psique, por sua própria natureza, sempre guardará mistérios insondáveis a nossa compreensão, e essa mesma natureza leva a existência de inúmeras teorias para dar conta de seus muitos aspectos.

Os mitos desempenham funções na sociedade e no próprio indivíduo, como já citei en passant, essas quatro funções são: a mística, a cosmológica, a sociológica e a psicológica. A função mística nos apresenta o sentido de assombro e mistério diante do universo e da própria existência. Isso significa harmonizar a consciência com as precondições de sua própria existência, ou dito ainda de outro modo alinhar a consciência ao mysterium tremendum do universo, exatamente como ele é. O mundo em que vivemos é, para consciências mais sensíveis, um lugar nada agradável, pois vida se alimenta de vida. Pense por um instante em todas as pizzas e sanduíches que você já comeu, para ter prazer com seu paladar e, fundamentalmente, continuar vivo, pois bem, cada um desses momentos, representa uma enorme mortandade de outros seres, que sangram e sofrem, para que você continue vivo. Todas essas experiências soam distantes e quase surreais para nós homens modernos e civilizados, mas passe próximo a um matadouro e você sentirá o cheiro da realidade da vida, pois vida e morte, contentamento e horror, prazer e sofrimento, caminham sempre de mãos dadas. Essa constatação leva a existência de três possibilidades de ordens míticas, que engendram sociedades completamente diversas entre si. Uma afirma o mundo como ele é, a segunda o nega como ele é e, por fim, restaurando o mundo ao que ele deveria ter sido. Exteriorizando, interiorizando ou efetuando uma correção.

A segunda função, cosmológica, é a de apresentar uma “imagem consistente da ordem do universo”. Essa imagem consistente da ordem do universo é o que vemos nascer talvez entre os sumérios, que observaram as estrelas, e os grandes e pequenos ciclos cósmicos, desde os mais evidentes: a passagem do dia para a noite, a mudança das estações, as cheias periódicas dos rios, a lua e suas várias faces no céu, e as marés. Até os mais complexos cálculos astronômicos relacionados às constelações entre outros. Essa imagem se traduz em números, a ordem matemática do cosmos, algo tão grandioso e impessoal que mesmo deuses e imortais estão igualmente subjugados a ela.

A função sociológica é aquela pela qual um mito sustenta e dá validade a uma ordem social e moral. Muitos crêem que essa função foi tomada da mitologia, isso é verdadeiro apenas em parte, basta escutar a extrema direita americana, as discussões sobre homossexualismo, aborto, liberação feminina para percebermos o quanto o mito ainda é influente. Um exemplo ainda mais grandiloqüente são as sociedade islâmicas, muitas das quais ainda utilizam como legislação a sharia, a lei sagrada do islã. Ou a bela e pacífica sociedade tibetana anterior a invasão chinesa, exemplos de sociedades onde todo o fundamento de sua moral e sociedade se apóiam em fundamentos míticos.

A quarta função, psicológica, é a que expressa o poder mais extraordinário do mito vivo em minha opinião.
A quarta função da mitologia tradicional é conduzir o indivíduo através dos vários estágios e crises da vida, isto é, ajudar as pessoas a compreender o desdobramento da vida com integridade. Essa integridade supõe que os indivíduos experimentarão eventos significativos a partir do nascimento, passando pelo meio da existência até a morte em harmonia, primeiramente com eles mesmos, em segundo lugar com sua cultura, em terceiro lugar com o universo e, finalmente, com aquele mysterium tremendum que transcende a eles próprios e a todas as coisas. (Campbell, 2002, p.34).
Termino por aqui, o tema está longe de ser esgotado, e ainda poderia escrever bem mais sobre os dois autores. Por hora esse texto permanece como esboço de um projeto maior que venho postergando há alguns anos, bem, não sei ainda quanto tempo levarei para concluir o meu intento, mas por hora me dou por satisfeito. Aos poucos irei concluindo e veremos o que farei com ele quando terminar.  

domingo, 9 de outubro de 2011

Sandro Becker



Uma justa homenagem ao genial Sandro Becker, autor de duas das minhas músicas preferidas do cancioneiro "gaiato" do Brasil. Seguem as duas músicas:



sábado, 8 de outubro de 2011

Steve Jobs 1955-2011



A morte de Steve Jobs é certamente uma tragédia, paradoxalmente, é algo tão natural e inevitável quanto uma chuva de primavera, ou um por do sol. Muitos de nós, os mais idealistas talvez, sonham em mudar o mundo, Steve fez isso, várias vezes. Ele mudou a maneira como nos relacionamos com a tecnologia, forjou um futuro que nenhum de nós ousou sonhar antes dele, foi o visionário dos visionários, talvez o maior gênio de nosso tempo. Talvez alguns se lamentem e digam “ele viveu pouco”, mas como disse a morte de Neil Gaiman certa vez, “he got what anybody gets”, isto é, uma vida. Seja a curta vida de uma abelha, ou a longíssima vida de certas tartarugas, todos consguem uma vida, não importa quão longa ou curta seja. Jobs foi um grande homem, não por ter sido um bilionário, isso não passa de efeito colateral, ele foi alguém fiel a si mesmo, capaz de não perder a fé em seus sonhos, que viveu cada segundo de sua vida ouvindo o seu coração e indo onde ele o levava. Poucos de nós têm essa coragem, a maioria vive esmagada pelo peso de dogmas, opiniões, bom senso, medos e vergonha.  Como dizia Campbell o Dragão que em cada escama tem escrito “tu deves”. Steve matou esse Dragão, e viveu uma vida plena, sorte nossa.

Mesmo o mais empedernido cínico, deverá dar o braço a torcer, enquanto escrevo essas palavras, meus dedos tocam a imaginação e a visão desse grande homem, mesmo as letras na tela, são o fruto de seu senso estético, não se enganem, antes de tudo ele foi um esteta. Não posso deixar de ser grato, e minha gratidão vem com um senso de maravilhamento, não pode existir maravilha maior do que um coração livre, alguém que viveu seguindo seu próprio destino, muitas vezes contrariando todo o bom senso, quase como meu herói preferido Naruto, visto por todos como tolo, e, ao quebrar as regras que todos seguem sem pestanejar ou pensar, sempre diz “esse é o meu jeito ninja”. Nos contos de fada é sempre o tolo que acaba sendo o herói, o tolo é capaz de escapar das convenções, aquelas que aprisionam os espertos, as pessoas bem adaptadas a sociedade e inevitavelmente presas a ditames coletivos. Jobs certamente foi um tolo, que ignorou o mais elementar bom senso, largou a faculdade, se dedicou a uma tolice como a caligrafia, e fundou a Aple e a Pixar. Em um de seus mais famosos discursos, ele finaliza dizendo “continuem famintos e continuem tolos”.

Jobs é um dos raros exemplos de uma personalidade genuína, alguém que perseguiu com afinco e fé a meta de ser exatamente quem ele realmente era. Sua fé em seu destino era inabalável, ele sabia que, em algum lugar escondido de sua alma estavam as respostas, as sementes que, se cultivadas, fariam crescer a árvore de sua própria vida. Por isso ele foi grande, pois foi apenas ele mesmo. Esse tolo mudou o mundo, muitas emuitas vezes. Em sua vida, ele não esteve preso as visões de outros homens, ao contrário, ele enxergou o que ninguém mais podia ver, o que apenas ele podia ver, e isso mudou o mundo.

Perdemos um grande homem, mas todos os homens grandes e pequenos morrem, todos nós somos pouco mais que areia e pó. Nossa vida é tudo o que temos, e é o que todos conseguimos, uma vida. Perder tempo com a vergonha, o medo, ou tentando viver a vida de outra pessoa, ou mesmo ter a ousadia de crer que sabe como alguém deve viver sua vida, é um perda de tempo, tempo que não temos. Obrigado Steve, menos pelo Mac, ou pelos Ipads, e mais por sua vida ter sido um exemplo do que pode um tolo que ousa ser nada mais que ele mesmo.


Anjelina!!!!




Como um apreciador de tatuagens, e um apreciador de belas mulheres, nada melhor do que quando as duas coisas vêm juntas num pacote só. E nenhuma musa do cinema abraçou de maneira mais visceral a arte da tatuagem do que a senhora Brad pitt, Anjelina Jolie, seguem algumas fotos da atriz, ressaltando a arte em seu corpo.