Ontem assisti, em excelente companhia, ao filme estrelado por Julia Roberts, Comer, Rezar e Amar. Confesso que estava cético em relação ao filme e ao livro, devido a todo o oba oba que se formou em torno dessas obras, no entanto o filme foi uma agradável surpresa. Imaginava algo terrivelmente superficial e apenas pseudo-espiritual, como algumas das obras mais aclamadas de Paulo Coelho. O filme pelo menos não é nada disso, o que me fez lembrar das palavras sábias do mestre Yoda “keep your mind open”. Em minha defesa, eu mesmo escolhi o filme na locadora.
A espiritualidade que é mostrada no filme está longe de ser algo raso, ao contrário, toca em elementos dos mais fundamentais de maneira leve e singela. O processo de cura e transformação psicológica da protagonista e autora – boa atuação de Júlia Roberts – também soa extremamente genuíno. Tudo no filme é precioso e significativo, sendo ao mesmo tempo de uma singeleza bastante peculiar. É interessante, ao menos para mim, ter acesso ao universo feminino da busca espiritual, já que a maioria dos mitos, rituais e obras de grandes místicos e yogis são de uma perspectiva masculina.
É fácil se conectar ao vazio e sofrimento que transborda do filme devido as características comuns do modo de vida americano que nos empenhamos tanto em emular: a busca incessante por objetivos que fomos ensinados a buscar, sem nenhuma reflexão do que é que nossa alma anseia e com uma profunda inconsciência dos efeitos da impermanência. Mas o filme, apesar de tocar sempre e sempre nesse sofrimento, fala principalmente de amor e esperança. De como é difícil, depois de termos nos machucado, ou machucado outras pessoas, nos abrirmos novamente ao contato humano, o contato que pode ser realmente significativo e transformador. Jung dizia que toda relação humana genuína é como uma reação química, em que as duas personalidades se transformam. O filme mostra com rara sensibilidade o quanto estamos fechados a essa transformação e todo o sofrimento que isso acarreta, pois já dia meu xará grego “panta rei” tudo muda, queiramos ou não.
Para aqueles que, como eu, passaram pelo drama de um divórcio e toda a dor e ressentimento que isso acarreta, não é tarefa difícil se identificar com as dores e dificuldades dos protagonistas. Campbell costumava dizer que um casamento de verdade, o casamento alquímico em que as duas almas se transformam, não é um caso de Amor prolongado, mas um ordálio, pois amar é entrega e sacrifício, é adquirir uma nova orientação de nossa personalidade, menos egoísta e investir nossas energias, não no outro, mas na relação que existe entre ambos. Esse aspecto do relacionamento humano é mostrado de maneira magnífica na visita que a protagonista faz ao túmulo de Augusto. Mudar pode não ser algo fácil, mas a estase, a imobilidade, é um tipo de morte em vida.
É interessante ver um filme americano que não investe no ideal americano de sucesso como sucesso material, mas o subverte, o verdadeiro sucesso só começa quando ela perde tudo, todo o seu dinheiro. O sucesso buscado pela personagem em sua jornada, é ser capaz de ouvir sua própria alma, restabelecer esse contato com o espírito que tece nossos sonhos a noite e que modela o nosso destino, encontrar a sua natureza e viver de acordo com ela, ao invés de cometer o erro de todo extrovertido, como eu mesmo, de seguir as ondas e mais ondas que surgem a nossa volta. A busca por esse centro é algo muito bonito. Mas o filme é ainda mais belo porque essa busca não resulta egoísta, mas numa abertura para o outro sendo a frase final dita pelo sábio Ketut em Bali, quando ela estava prestes a partir e deixar seu amado para trás em prol de seu recém descoberto equilíbrio, o coração do filme. Todo processo de crescimento espiritual genuíno é inclusivo, altruísta e não egoísta. Se depois de toda essa busca, não pudermos nos abrir a amar novamente, a aceitar o amor de outrem então foi tudo em vão.
Amar é saltar sobre um imenso abismo sem saber exatamente onde fica o outro lado, tudo pode acontecer, mas ao contrário do que possa parecer, o abismo nunca é tão grande assim. Um dos grandes temas do filme é o perdão, a raiva e o ressentimento são fardos terríveis de se carregar, há uma música bobinha que diz que “a raiva é o veneno que bebo querendo que o outro morra”, o perdão, ao contrário, é um remédio dos mais eficazes para curar a nossa alma.
Ainda não li o livro, mas certamente recomendo o filme, uma obra emocionante, sensível, e de uma sutileza e beleza comovedora, ótimo para assistir em boa companhia, como eu fiz.
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