Campbell possui uma definição bastante de jocosa de mito: “mito é a religião do outro, e religião não passa de mito mal compreendido”. A minha religião é a verdade, e todas as demais são meros mitos, pois essa palavra adquiriu a acepção de mentira, falsidade. Logo, para um mulçumano convicto, ou um católico, as grandiosas imagens do Hinduísmo não passam de fábulas, histórias da carochinha, do mesmo modo, para os Hindus, a religião de Maomé não passa de um amontoado de bobagens sem sentido.
Além dessa definição brincalhona, mas ao mesmo tempo reveladora, Campbell entendia a mitologia como um organização de figuras metafóricas conotativas de estados de espírito que não pertencem definitivamente a este ou àquele local ou período histórico, embora as figuras elas mesmas possam sugerir uma localização concreta. Embora as mitologias nos falem de terras prometidas, paraísos terrestres, dos palácios dos deuses ou montanhas sagradas e proponham uma geografia metafísica, Campbell nos alerta que: “as metáforas apenas parecem descrever o mundo exterior do tempo e do espaço. Seu universo real é o domínio espiritual da vida interior. O reino de deus está no interior de você.”.
Jung, grande psiquiatra e psicólogo do século vinte, acreditava que o mito é um fenômeno inerente a condição humana, uma formação natural de nossa psique. Para ele, o mito está para o homem como o canto para o rouxinol ou o ninho para o João de barro. Os mitos surgem como produção simbólica espontânea de nossa alma, esses símbolos possuem uma conexão com regiões inauditas de nossa mente e delas extraem sua força avassaladora que Jung denominou de Numinoso, termo retirado da teologia de Rudolph Oto, pois esses símbolos podem inverter a hierarquia dos complexos e subjugar a consciência, o complexo do eu.
Tais símbolos têm validade coletiva, Jung propunha a existência de uma psique objetiva, que denominou de “inconsciente coletivo”, essa psique coletiva é formada pelo par funcional arquétipo/instinto, e é deduzida a partir dos padrões de organizações dos símbolos coletivos e individuais que surgem espontaneamente, independentes da volição consciente, e que apresentam claros padrões de organização, que advém dessa suposta “mente” coletiva que é um aspecto psicóide, similar ao psíquico, mas que não é ela mesma objeto empírico, como o é o símbolo.
Esses “estados de espírito” de que fala Campbell, fazem parte do dado coletivo apontado por Jung, não importa onde, ou quando, todo ser humano se defrontará inevitavelmente com a decadência e a morte, com a experiência sublime do amor, com o espanto diante do mistério que o universo, e com o sentido de estarmos aqui nesse mundo, com o grande mistério e horror da vida que só existe graças à morte, pois vida se alimenta de vida. Além disso, todo ser humano se depara, inevitavelmente, com os mistérios e maravilhas de sua própria alma, do funcionamento autônomo de nossa mente e de sua imagens maravilhosas e terríveis que se manifestam em sonhos e visões ou na arte e que sugerem uma vida psíquica para além da esfera da consciência. O mito é a expressão dessa vida interior e a organização cultural dessas imagens e fonte de vida e sentindo para os indivíduos e civilizações que têm a sorte de poder viver sob seu signo.
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