sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Papa e a Ciência

Hoje li uma notícia que me chamou a atenção, o Papa aparentemente afirmava que a causa do Big Bang, a grande explosão que originou toda a matéria do universo, era Deus. Essa afirmação me pareceu interessante. Séculos atrás o Papa tinha poder para autorizar e desautorizar a ciência, como o fez com Galileu, mesmo Copérnico teve medo de divulgar suas idéias e Darwin, esse no século XIX, relutou muito em publicar sua teoria evolutiva devido à reação da religião e até mesmo sua esposa acreditava que suas idéias o tinham condenado a danação eterna. Nos nossos dias, ao invés de simplesmente negar peremptoriamente a teoria do Big Bang, ou de excomungar os seus autores, o Papa tenta se apropriar dela para justificar a existência de Deus. Talvez alguns pensem nessa afirmação papal em termos de um avanço, ou de um retrocesso, para mim não passa de caminhar em círculos, ou para usar uma expressão mais jocosa, “correr atrás do próprio rabo”.

Para muitos cientistas a religião não passa de um amontoado de superstições arcaicas, um infeliz anacronismo que sustenta a crença dos ingênuos. Na minha opinião, essa idéia é um erro grosseiro, mas parte de um equivoco fundamental de ambas as partes, tanto de religiosos como de ateus. A religião possui várias funções, Campbell destaca quatro fundamentais, entre elas a de apresentar uma imagem consistente da ordem do universo. A mitologia contida na bíblia, assim como todas as mitologias tradicionais, é um reflexo da ciência de seu tempo, ou seja, falamos aqui de um concepção de mundo imaginada há pelo menos três mil anos. Essa função, a de apresentar uma cosmologia, uma ordem cósmica, foi irremediavelmente perdida para a ciência de nosso tempo, que utiliza o método científico criado pelo mesmo Galileu que foi censurado pela igreja.
Para piorar a situação, as imagens grandiloqüentes e maravilhosas da criação bíblica são entendidas pelos crentes como relatos factuais da criação. Já os descrentes, amparados pelas mais recentes descobertas científicas, super computadores e telescópios de milhões de dólares que funcionam no espaço, as entendem como mentiras. O que leva as mais estranhas disputas, como as freqüentes discussões sobre o ensino do criacionismo nas escolas dos Estados Unidos. Ambos, crentes e descrentes, entendem essas narrativas míticas de maneira denotativa, logo para ser um crente devo acreditar numa serpente falante de num casal humano primordial e numa criação através da vontade divina de maneira literal, como a narrativa de eventos pré-históricos. Se não puder acreditar nisso de maneira literal, denotativa, o que convenhamos, é de fato desconcertante diante de nossas descobertas científicas, tenho de ser ateu. Nenhum dos dois lados, se é que existem apenas dois lados, entende essas imagens de maneira Conotativa, como imagens simbólicas, como metáforas.

O Papa, ao tentar costurar de alguma forma aquelas velhas imagens de jardim de infância, que há muito foram superadas pela ciência moderna, as teorias científicas, gera uma grande confusão. Quer dizer que o Big Bang levou sete dias para acontecer? E onde ficam Adão e Eva nessa história em que a nova cosmologia e a de mais de três mil anos atrás se misturam? Não se chega à parte alguma porque se insiste em entender essas imagens como fatos e perde-se o sentido vivo da metáfora religiosa. No fim do século XIX ganharam força às idéias que fizeram o espírito ocidental duvidar seriamente de sua venerável herança religiosa, nomes como Marx, Feuerbach, Freud, Nietzsche e tantos outros ajudaram a corroer no espírito do homem ocidental os veneráveis símbolos de nossa tradição religiosa. Isso levou a uma perda terrível, e está na raiz das afirmações desastradas do Papa Bento XVI. Umas das importantes funções das mitologias tradicionais, e que infelizmente se perdeu para muitos de nós devido ao equívoco de entender suas imagens de maneira denotativa, é a de ajudar a o indivíduo a passar pelos vários estágios e crises da vida, a compreender com integridade os desdobramentos de sua vida. Jung acreditava que o surgimento da psicologia moderna estava diretamente relacionado ao declínio dos dogmas religiosos. A psicologia seria um esquálido sucedâneo para a metáfora religiosa e o psicólogo um lamentável arremedo de sacerdote. Sem os grandiloqüentes símbolos das mitologias tradicionais tornava-se sumamente difícil para um número cada vez maior de pessoas experimentar os eventos de sua vida de maneira significativa, em harmonia consigo mesmos, com sua cultura e sua sociedade, restando um vazio.

O mesmo Jung, ao teorizar sobre a cura em psicologia, e as possibilidades para o final de um processo de análise, colocava como a penúltima possibilidade de uma ordem crescente de possibilidades de cura a vinculação de maneira genuína a uma simbólica religiosa tradicional, sendo o estágio último de desenvolvimento, o melhor possível depois de tornar-se uma pessoa religiosa, o desenvolvimento de uma simbólica pessoal, uma filosofia de vida genuína. Não acredito que as afirmações confusas do Papa sobre o Big Bang sejam úteis a crentes ou cientistas, ou que convençam as pessoas da validade das imagens da mitologia da bíblia, ao contrário, apenas atestam de maneira patética sua falência como possibilidade de fornecer uma imagem consistente da ordem do universo. Mesmo com esse discurso papal, resta aos crentes mais radicais a miopia, e a incapacidade de participar da aventura de nosso tempo. Aos ateus resta o vazio, que a ciência, por mais que nos forneça uma imagem extremamente precisa da ordem cósmica e da matemática celeste, é incapaz de preencher. 

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