Ontem assisti ao aguardado Tropa de Elite 2, fui a um shopping aqui em boa viagem e, mesmo com as filas enormes, consegui a muito custo assistir ao filme. valeu a pena. se alguém ainda não assistiu, não leia o que vou escrever, certamente muitas surpresas serão estragadas.
O filme é visceral, intenso, e genial em muitos aspectos. Ele parece começar pelo fim, logo de início você é levado a crer que haverá um final, um fechamento, um desfecho simples, tudo indica que isso acontecerá, mas as coisas, felizmente, não são tão simples. Você é levado a crer que está assistindo ao final, mas é surpreendido. O filme começa com um nível muito alto de tensão, ela não surge num crescendo, ela começa alta, muito alta, e somente depois da surpresa que nos aguarda ao "final" é que ela arrefece um pouco, mas quase todo o filme, ainda narrado pelo nascimento, desssa vez narrador personagem, já que essa é a história dele, ele é o protagonista, é uma overdose constante de adrenalina.
O discurso do Capitão, agora Coronel, continua o mesmo no início, sua fala e seus argumentos são familiares ao expectador, mas nesse filme ocorre o impensável, uma mudança drástica no Coronel Nascimento, uma morte e renascimento que é simbolizada de maneira tensa e dramática logo no início, pois somente o nascimento pode vencer a morte, e simbolicamente, ele morre e renasce durante a narrativa, e renasce transformado, apesar de manter uma integridade fundamental, e umas poucas certezas. Seu maior nêmesis nesse filme é um "intelectualzinho de esquerda", seu antípoda, Nascimento é ação sem reflexão, o tal intelectual, um historiador idealista, é reflexão sem ação. Ambos são íntegros, virtuosos, ambos ardem no altar da personalidade Ecce Homo intransigentes com aquilo que são, donos de bússolas morais invejáveis, mas mesmo assim, ambos mudam em contato um com o outro, ambos se modificam com esse contato, como substâncias químicas que em contato uma com a outra inevitavelmente reagem. Eles são oposto extremos, e como tal se assemelham.
Nascimento, numa clara brincadeira com a mitologia do filme, torna-se herói depois de um massacre, em que o tal histoirador, Fraga, também se envolveu. Matias, a máquina de matar treinada pessoalmente por Nascimento age como arma bem azeitada, eficiente e letal, e salva o Fraga, mas causa morte e carnificina. Matias é expulso do Bope, devido ao discurso inflamado de Fraga, e Nascimento cai "mas cai pra cima" vai para a secretaria. Eis o começo da jornada do herói, o começo da mudança, o guerreiro perfeito, a arma de matar que até então foi apontada para alvos destinado a morte, agora tem a tarefa de apontar a arma. Tudo muda. Matias, agora capitão, continua intransigentemente fiel ao Capitão Nascimento, mais até do que o Coronel Nascimento, isso os afasta, Matias vaticina, como oráculo, que Nascimento não vai mudar nada na secretaria de segurança pública, ele, e ele apenas vai ser mudado, esse é o destino anunciado, a morte anunciada de nascimento. O Coronel faz o Bope atingir o máximo do seu potencial, faz aquilo para o qual foi treinado, destroi impiedoso seus inimigos, tal qual um deus enfurecido, mas cuidado com aquilo que deseja.
Há um ditado francês que diz que "quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas" o filme não versa sobre a mudança na sociedade, mas numa mudança sutil de perspectiva, de uma transformação psicológica de seu lendário protagonista. Ele muda permanecendo fiel a sua força, não é mera enantiodromia, ele não reverte ao seu oposto, ele se torna mais completo, e essa completude é sofrida, árdua, e somente alguém com a fibra moral do Nascimento poderia passar pelo inferno que tal mudança representa. Com a hegemonia do Bope, surgem novos inimigos, as milícias, nascimento não as enxerga, elas são opacas para ele. Como muitas vezes na vida, outra pessoa faz as vezes de função inferior, a sombra de nascimento, Fraga, as vê com clareza, e através do filho de ambos, pois Fraga casou com a ex-mulher do Coronel e "adotou" seu filho, eles se encontram. Matias é usado pelos milicianos, volta ao Bope, e na batalha contra o último reduto do Tráfico ele tomba. Matias foi treinado por Nascimento, ele é o capitão nascimento, e na busca infrutífera por armas roubadas pelos milicianos e não pelo "movimento", ele peita os corruptos e é morto com um tiro nas costas. O Capitão Nascimento tomba, ele morre simbolicamente quando tomba seu sucessor, ele é obrigado a enxergar a realidade que o cerca, se adaptar a ela ou morrer, ou pior, morrer sem vingar seu pupilo. "matias não era qualquer um!" afirma ele em seu enterro, Matias era o próprio nascimento.
Logo ele percebe o destino proferido por Matias, ele está no âmago da baleia, engolido pelo monstro que estava tentando destruir, finalmente ele se dá conta da extensão do sistema, ele, que é ação, se vê obrigado a refletir ou morrer, ao invés de bom soldado, que não questiona, "missão dada, parcero é missão cumprida" ele se vê forçado a se tornar um ser humano. Nem mesmo sua esposa e filho puderam lhe obrigar a isso, apenas sua missão, seu chamado, sua vocação, teve força para catalizar essa mudança. Sua luta contra o sistema, sua luta contra esse monstro protéico, essa hidra de muitas cabeças e sangue venenoso.
No fim, Fraga se vê obrigado a agir, e o irrefletido nascimento, pura emoção, pura ação, pura adrenalina, é obrigado a pensar, a pesar seus atos, a ver com novos olhos e apenas seu mais odiado adversário, o "che Guevara" se torna seu aliado, o único em quem pode confiar, e que salva sua vida. Nascimento salva o Fraga de um atentado, mas é salvo por ele, em um sentido mais profundo, os dois se redimem. O sistema é maior, inclui os poderosos, os políticos, a comunidade, ele é um monstro titânico, leviatã de dimensões bíblicas, e Nascimento, com toda a sua força e integridade, finalmente se enxerga insignificante, mais eis o belo! eis o humano demasiado humano, eis o Amor Fati isso não o faz desistir, ele luta e luta, mesmo que seja uma luta sem esperanças, ele abraça esse destino de maneira trágica. Ele luta da maneira que sabe e pode, isso é tudo o que ele é, um guerreiro, mas aprende a lutar de outras formas, ele agora brande as armas de seu rival fraga, a palavra! E com mais coragem e integridade do que o próprio Fraga!
O filme é brutal! sangrento! mas paradoxalmente não é uma ode a morte a a violência, mas uma ode a vida, pois morte e vida são lados da mesma moeda. A vida é brutal, o destino de toda a vida é a desintegração e a morte, não há vida sem morte. Essa verdade punjante, do horror que é a vida, que devora a si mesma de maneira impiedosa, surge com rompantes impressionantes na tela. O efeito catártico é poderoso, algumas vezes sente-se seu julgamento suspenso, o que acontece na tela não é nem bom nem mau, nem barbárie nem civilização, não há como dizer ou pensar a respeito, apenas sentir, a Catharys é profunda. Nascimento, que morre e renasce, luta e espanca de maneira implacável um corrupto, o ato em si é fútil, ele mesmo o sabe, mas seu simbolismo é talvez o mais potente, o mais belo, o mais terrível de todo o filme, o ponto alto, o anti-clímax. Nascimento é, paradoxalmente, invencível e de antemão derrotado, o filme não termina, não há desfecho. As cortinas caem num outro momento de grande lirismo, o filho de nascimento recebe a bala que se dstinava a Fraga. O inocente pego em meio ao fogo cruzado, a bala se destinava a um dos dois heróis, os gêmeos arquetípicos de luz e sombra, Nascimento e Fraga, Apolo e Dionísio, mas atinge ao menino. Somos nós que somos baleados, o menino é cada um dos expectadores. E o filme termina, quando o menino abre os olhos na UTI, quando recobra a consciência e Nascimento o abraça. Quando ele abre os olhos, e as luzes se apagam, nós também estamos de olhos abertos, não mais inocentes, agora cientes do horror, nossa ignorância não nos desculpa mais. Mesmo com o didatismo que ainda há nesse filme, menos que no primeiro, ele é genial. Ao sair eu tentei falar a garota que me fez companhia durante o dia em Recife "que filme do caralho!", mas não consegui, estava sem fala, ainda tomado de assalto pela emoção. Mas digo agora, Que Filme do Caralho! Assistam!
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