domingo, 24 de outubro de 2010

Naruto





Já há algum tempo vinha pensando em escrever algo sobre o anime e mangá Naruto, na realidade já escrevi um livro todo sobre as relações do mangá com a mitologia japonesa, chinesa e indiana, mas esse livro foi lido por apenas uma pessoa, meu dileto amigo Filipe Jesuíno, que corriqueiramente lê as coisas que escrevo. Todavia, o intuito do blog foi justamente escrever para um público maior do que o Filipe – não que eu esteja reclamando do meu amigo que por tantos anos tem lido o que eu escrevo – mas em algum momento seria bacana se mais alguém lesse as coisas que eu escrevo. O tal livro é divido com um capitulo por personagem, mas depois que terminei, comecei a reler todos os livros de Joseph Campbell, e percebi que além das referências diretas (como os nomes de técnicas batizadas a partir de Kamis Xintoístas, referências ao teatro Kabuki e contos folclóricos) a própria narrativa do mangá se aproxima muito da maneira como as lendas, contos de fadas e contos folclóricos de muitas partes do mundo descrevem a jornada do herói. Por isso resolvi realizar uma análise desse aspecto em particular.

É preciso que se diga que Naruto é um mangá genial, seu autor Masashi Kishimoto além de excelente roteirista, é um gênio da arte seqüencial, com uma grande capacidade de criar quadros que quase se mexem, com perspectivas as mais inusitadas e um poder de criar suspense com seus roteiros de fazer inveja a qualquer autor de novelas televisivas. Não bastasse tudo isso, seus personagens possuem motivações e biografias tão detalhadas e interessantes que fascinam e cativam os leitores. Para aqueles que não conhecem o mangá, a história é o seguinte: treze anos antes de começar a história, o quarto Hokage (literalmente “sombra do fogo”, o líder da vila de ninjas chamada Konoha gakure no Sato “vila oculta da folha”) derrotou um monstro titânico e malévolo, uma raposa demônio de nove caudas que atacava a vila. Para derrotá-la ele se sacrificou e a selou no estômago de um recém nascido, nosso herói Naruto. Naruto era órfão, e sempre foi ostracizado e francamente hostilizado por todos na vila, que viam nele a reencarnação do monstro. Para piorar tudo, ele também era um fracassado sem talento que só causava tumulto por onde passava. Após a morte do quarto Hokage, o velho Hokage retornou ao seu cargo, e tratou de criar regras severas para proteger Naruto do ódio dos ninjas da vila e para que ele não descobrisse que era o hospedeiro do espírito raposa.

Logo no primeiro episódio ele descobre que a raposa está selada no seu estômago, e muito depois – na verdade quase depois de dez anos de mangá – é confirmado que ele é, na realidade, o filho do quarto Hokage Namikaze Minato, o ninja mais poderoso de todos os tempos. Naruto, apesar de ser um fracassado sem talento, possuiu desde o começo uma forte crença em si mesmo, e uma fibra inacreditável, nunca desistindo e almejando se tornar Hokage. Mesmo sonhando em ser Hokage, Naruto age com grande independência, não se deixando guiar pelas normas rígidas, vazias e antiquadas do mundo ninja (um dos motivos para ele ser visto como um parvo), ao contrário, ele nunca vacila diante da “tirania das vozes razoáveis” ou como chama Campbell “o dragão que possui escrito em cada uma de suas escamas: tu deves”, diante desse tipo de coisas ele sempre exclama “esse é o meu jeito ninja!”.

Pois bem, logo de cara surgem em Naruto três temas típicos dos contos de fadas e lendas: o exílio do herói na infância, o velho rei, e o herói como tolo. Além desses três, surge de maneira sutil, mas perceptível, o tema da busca pelo pai, que ocorre sempre cercada por inúmeros e difíceis testes, até que o pai – um deus, ou o sol, ou algum grande herói – reconhece finalmente seu filho. O exílio de Naruto é simbólico, apesar de viver na vila, ele não sabe que é filho do grande herói Namikaze Minato, na realidade, ninguém na vila sequer suspeita disso, apenas o Hokage e um punhado de ninjas de elite sabem do fato. E, mesmo vivendo na vila, no local onde nasceu, e não em alguma paragem distante, ele não é aceito, todos o rejeitam e odeiam. Talvez o exemplo mais conhecido desse tema mítico seja o do rei Arthur, que até o momento em que retirou a espada da pedra, viveu sem sequer suspeitar de sua linhagem nobre e seu grande destino, como filho adotivo de um nobre, tratado com desdém e desprezo por seu irmão adotivo e vivendo uma vida miserável. Posso citar ainda outros dois exemplos mais contemporâneos, Harry Potter viveu até os onze anos com seus detestáveis tios trouxas, uma vida miserável, sem suspeitar que fosse na verdade um bruxo, e mais do que isso, o bruxo mais famoso de todos e que seus pais haviam lhe deixado uma grande fortuna em ouro. Assim como Luke Skywalker, que vivia com seus tios, uma vidinha pacata e enfadonha, sem jamais suspeitar que seu pai fora um general das guerras clônicas, o maior piloto de caças da galáxia, e o mais poderoso Jedi de todos os tempos, além do grande traidor da ordem Jedi. Nos nossos três exemplos, os heróis foram deixados as escuras sobre suas origens para sua própria proteção.

Campbell cita ainda diversos outros exemplos do exílio do herói na infância, O rei Sargão de Acad nasceu de uma mulher inferior e seu pai era desconhecido, ao nascer foi colocado numa cesta de junco no rio Eufrates e encontrado e criado por um agricultor. Chandragupta, fundador da dinastia hindu Maurya, foi abandonado num pote de barro na frente de um estábulo. Carlos Magno, foi perseguido por seus irmãos mais velhos e durante a sua infância teve que se refugiar em Sarracena na Espanha. Devido à implacável perseguição do rei Nimrod as crianças nascidas do sexo masculino – devido à profecia do nascimento do patriarca Abraão que ele lera nos astros – a mãe de Abraão deu a luz numa caverna e ali o deixou a própria sorte, e o criador enviou o anjo Gabriel para cuidar da criança. Os índios pés negros de Montana contam a história de Kut-o-yis, encontrado numa panela por um casal de idosos. Podemos somar a esses exemplos fornecidos por Campbell em seu herói de mil faces  vários outros, como Perseu e sua mãe sendo atirados ao mar em um esquife de madeira por seu avô Acrísio, e resgatado pelo humilde pescador Dictis da ilha de Sefiro. Ou o último filho de Kripton, Kal El, o Super Homem dos quadrinhos, lançado ao espaço momentos antes da destruição de seu planeta natal e criado pelo casal Martha e Jonathan Kent em Pequenópolis. Ou Moisés, lançado as águas no Nilo e criado pela família do faraó, sem saber da sua verdadeira origem ou do destino que lhe aguardava. Ou o jovem Krishna, que na infância também viveu em exílio, assim, os exemplos podem se estender ad infinutum. Bom, já está meio tarde, amanhã explico mais sobre o sentido do exílio do herói na infância...




Bom, continuando – não sei se é uma boa idéia ficar completando assim os posts, mas que seja – juntamente ao recorrente tema do exílio do herói na infância surge outro tema a ele relacionado, o do herói como tolo, segundo anota Campbell “Os contos folclóricos costumam apoiar ou suplantar esse tema do exílio com o tema do desprezado ou deficiente: o filho ou filha mais novos discriminados, o (a) órfão(ã), o enteado, o patinho feio ou a criança de grau inferior.”. Os contos dos irmãos Grimm estão repletos dessa figura de patinho feio, do tolo e desprezado que acaba realizando a grande proeza que traz a mudança vivificadora. Como veremos adiante, esse tema, em termos psicológicos, também está intimamente associado ao sempre recorrente tema do velho rei. Em Naruto surgem vários órfãos, o próprio Naruto, assim como Harry Potter, é órfão e seus dois pais se sacrificaram tanto para salvá-lo das garras das forças de dissolução quanto para trazer um bem maior a comunidade. Na história do mangá, a mãe de Naruto Uzumaki Kushina, era a antiga hospedeira da raposa demônio, que foi libertada pelo grande vilão Uchiha Madara, Minato e Kushina se sacrificaram para selar a raposa em seu filho recém nascido, tendo em mente igualmente o bem da vila, pois o poder da raposa poderia ser usado por Naruto para comabter Madara no futuro. De modo similar, os pais de Harry, Lily e James Potter, se sacrificaram para protegê-lo e conseguiram derrotar – ao menos temporariamente – Voldemort, que assim como Madara, é um tipo de imortal. O mais ineteressante é notar que, a menos que eu muito me engane, não existe influência recíproca entre essas duas histórias tão similares.

Ainda em se tratando de Naruto, seu melhor amigo e eterno rival, o jovem vingador, Uchiha Sasuke, também é órfão, na verdade um dos últimos sobreviventes do temido clã Uchiha. Todavia, a tristeza e a solidão por que passam na infância são encaradas por ambos de maneiras totalmente distintas. Naruto encarna a perfeição o ideal Mahayana de “escolher viver alegremente em meio as tristezas do mundo”, já Sasuke, que é um gênio vindo do clã mais temido e poderoso do mundo ninja, é lentamente envenenado pelo seu desejo de vingança contra seu irmão Uchiha Itachi, que assassinou todo o seu clã de maneira (aparentemente) impiedosa.




Campbell explica esse tema, o do “patinho feio” apelando para a metafísica do mito, em referência as fases do ciclo cosmogônico, pois ao herói cabe a tarefa de terminar o trabalho dos deuses e construir o que falta ser construído no mundo, ou como herói cultural trazer, ou roubar dos deuses o elemento vivificador de que sua sociedade carece, ou, no período em que o princípio vital se acha já envelhecido, ou corrompido, ser a personificação das forças de renovação que permitirão que a força da vida volte a circular pela sociedade, ser um “transformador humano”.  “Em suma: a criança do destino tem de enfrentar um longo período de obscuridade. Trata-se de uma época de perigo, de impedimento ou desgraça extremos. Ela é jogada para dentro, em suas próprias profundezas, ou para fora, no desconhecido; de ambas as formas, ela toca as trevas inexploradas. E essa é uma zona de presenças insuspeitadas, benignas e malignas: aparecem um anjo, um animal solícito, um pescador, um caçador, uma anciã ou um camponês. Criado na escola animal ou, como Siegfried, debaixo da terra, entre os gnomos que nutrem as raízes da árvore da vida, bem com sozinho em algum pequeno cômodo (essa história já foi contada de mil formas), o jovem aprendiz do mundo aprende a lição das forças-semente, que residem precisamente além da esfera do mensurável e do nomeado.”.

No caso de Naruto, ele se vê privado do contato social, só conseguindo atenção ao fazer travessuras, em seu isolamento ele passa por um período de profunda introversão, jogado “em suas próprias profundezas”, e se tiver a força extraordinária para suportar esse período de provação extrema, cumprirá o seu destino. Em Naruto temos o exemplo positivo e negativo, Sasuke, ao contrário de Naruto, sucumbe ao demônio do poder. Quando ele finalmente consegue estabelecer relações humanas que o retiram de seu isolamento e solidão e se vê colocado no dilema de ter uma vida humana plena ou seguir com sua vingança, à custa de sua vida, de seus amigos e de toda a vila, ele escolhe a vingança. Os dois heróis de Naruto, o protagonista do título e Sasuke, encontram-se em posições extremadas e opostas.

Em termos psicológicos, os temas do velho rei e do herói como tolo estão intimamente relacionados, o rei representa a atitude psicológica que orienta a vida do indivíduo ou da sociedade, além do princípio vital. Nossa vida passa sempre e sempre por mudanças, passamos da puerilidade a maturidade, da maturidade a velhice. Ou menos por mudanças outras, como uma aposentadoria, ou a perda de um cônjuge, ou a repentina perda da riqueza ou o seu oposto igualmente difícil e traumático, a riqueza repentina, para citar apenas alguns exemplos. Cada um de nós, ao longo de sua vida, desenvolve uma estratégia de adaptação ao mundo, nos especializamos numa maneira peculiar de agir. Nossa consciência, segundo Jung, se caracteriza pelo circuito energético de seleção, direção e exclusão, em outras palavras, ela é focal. Devido a isso, há todo um aspecto de nossa vida que jaz em nosso inconsciente, possibilidades de vida que deixamos de lado, consciente ou inconscientemente, mas essa nossa atitude envelhece. A consciência tende quase inevitavelmente para a unilateralidade, quanto mais se especializa e se torna efetiva em lidar com as circunstâncias de nossa vida, mais se aproxima de seu ocaso, pois essas circunstâncias estão em perpétua mudança. Como o crocodilo que persegue o capitão gancho, em seu estômago o relógio faz tic tac incessantemente,  o tempo que a tudo engole nunca para.

Devido a isso ocorre um colapso adaptativo, de repente nos vemos em meio a um deserto portando a melhor das varas de pescar, ou tentando saltar de para quedas com uma roupa de mergulho. O tolo, representa, em termo psicológicos, justamente essas possibilidades inauditas de vida e adaptação. As forças inconscientes normalmente se apresentam de maneira negativa, dependendo da forma como as encaramos ou sentimos, podem ser deuses benfazejos ou demônios terríveis. Mas justamente aquilo que parece vil e tosco, a lapisexilis, é o que contém a chave para a renovação de vida. Naruto é visto como um monstro, algo a ser odiado e temido, mas acaba por ser o herói salvador da vila, finalmente reconhecido por todos. O futuro Hokage, o velho Hokage não havia se tornado mau, apenas envelhecido, assim como o mundo ninja que ele havia ajudado a criar. Tratei do tema do velho rei em um texto sobre o mito de Perseu (no prelo), mas reproduzo aqui a discussão, apesar de hoje em dia não apreciar tanto o estilo de escrita que tina a época.




Antes de prosseguir, será interessante nos determos no simbolismo do rei. Segundo Von Franz,

Nas sociedades primitivas, geralmente o rei ou o chefe da tribo tem qualidades mágicas – ele tem mana. Certos chefes, por exemplo, são tão sagrados que não podem mesmo tocar a terra e por isso são carregados pelo seu povo. Em outras tribos, as vasilhas onde o rei come e bebe são jogadas fora e ninguém pode tocá-las – elas são tabu. Alguns chefes e reis também nunca são vistos por causa de um tabu – quem olhar a face do rei morrerá. (Franz, 1990, p.61)

É interessante salientar que este contexto do rei como um representante ou portador de mana não é estranho ao pensamento grego arcaico.

Reis são Nobres locais que guardavam fórmulas não-escritas (dikai) consagradas pela tradição como normativas da vida pública e social. Estes senhores, por seu poderio e riqueza, detinham a autoridade de dirimir litígios e querelas, mediante a aplicação das fórmulas corretas, i.e., itheíeisi díkeisin (v.86), cujo conhecimento e conservação era privilégio deles. A palavra Díke, que em grego veio a significar “Justiça”, é cognata do verbo latino dico, dicere (= dizer), e designava primitivamente estas fórmulas préjurídicas. Os reis, portanto, dependiam do patrocínio da Memória, para preservarem as Díkai, do de Zeus, para poder aplicá-las em cada caso, e do das Musas, para que esta aplicação fosse eficiente e bem sucedida, se não também para os fins anteriores. (Torrano, 2006, p.35)

(...) Na própria mitologia grega temos sobejos exemplos de outros reis que desempenham seus papéis devido ao seu patrocínio ou filiação por parte de alguma divindade. Minos, rei da ilha de Creta, era filho de Europa, que havia sido transportada até a famosa ilha por um touro (Zeus metamorfoseado) e de sua união com o deus, Minos veio ao mundo. O mesmo Minos, quando depois de prolongada luta com seus irmãos em uma disputa pelo trono de Creta, que ele clamava ser seu por direito divino, pediu a Possêidon que lhe enviasse um touro saído do mar como um sinal de seu direito de governar, com a promessa de que sacrificaria o animal imediatamente como uma oferenda e sinal de submissão ao deus. O touro apareceu e Minos tomou posse do trono. Midas obtém de Dionísio a benção/maldição de transformar tudo o que toca em ouro. O próprio Héracles (bisneto de Perseu) estava destinado por Zeus, seu pai, a ser o soberano de Argos, e o teria sido não fora por um estratagema da ciumenta Hera (em seu lugar subiu ao trono seu primo Euristeu). Hipólita, rainha das amazonas, possuía um cinturão que lhe fora presenteado por Ares e que simbolizava seu poder temporal sobre seu povo. Diomedes, rei da Trácia e proprietário das éguas carnívoras Podargo, Lâmpon, Xanto e Dino era filho de Ares e Pirene. O grande herói Teseu, que após a morte de Egeu assumiu o poder na Ática, era filho da princesa mortal Etra e do Deus Possêidon (irmão de Zeus e quase uma versão telúrica deste). Saindo um pouco do contexto estritamente grego, vemos na Eneida a origem divina dos irmãos Rômulo e Remo, fundadores da cidade de Roma, filhos de Marte. Na venerável tradição do Xintoísmo Japonês a família imperial nipônica é tida como descendente de Amaterasu, a “deusa” do sol. Os paralelos poderiam se estender ad infinitu.

Deve-se salientar ainda, e isto é da maior importância, que em diversas sociedades primitivas, a prosperidade de toda a nação depende da sanidade física e psíquica do rei. Tudo, desde a fertilidade das mulheres e do gado, a fecundidade da terra, a prosperidade e felicidade da tribo estão em relação direta com esse fator. Por isso, se em uma dessas sociedades o soberano se torna doente ou impotente é imperativo que ele seja morto ou, ao menos, substituído por um novo rei cuja saúde e potência preservarão a fecundidade e alegria do reino. Na Teogonia, vemos que a sucessão da soberania divina se dá através da castração. Urano é castrado com uma foice por seu filho caçula Cronos com a ajuda de sua mãe Geia, casando-se em seguida com a irmã Réia. Novamente, Zeus para assumir o lugar de soberano e substituir o pai, Cronos, o castra, dessa forma, ele o torna impotente, o que fatalmente o leva a ser afastado do poder, pois, sua função é a de fecundar e da fecundação da rainha depende a fertilidade de tudo o mais (mulheres, plantações e rebanhos). Sendo alijado pelo filho de sua potência, ele se torna impossibilitado de reinar e é também alijado do trono. Na antiga china imperial, a complexa burocracia estatal era controlada por eunucos, pelo fato de que um eunuco não poderia tramar para usurpar o trono, um homem privado de sua capacidade de fecundar não poderia também reinar. Sobre o significado psicológico do rei,

Pode-se dizer, em resumo, que o rei ou chefe incorpora um princípio divino, do qual depende o bem estar físico e psíquico de toda a nação. O rei representa o princípio divino na sua forma mais visível, é sua encarnação e sua moradia. No seu corpo vive o espírito do totem da tribo. Consequentemente, ele tem muitas características que nos levariam a considerá-lo o símbolo do Self, porque o Self, de acordo com a nossa definição, é o centro do sistema auto-regulador da psique, do qual depende o bem-estar do indivíduo. (Franz, 1990, p.62)

 Bom, finalizo a discussão mais tarde...




Continuando, o Si-mesmo não envelhece, ele é o vazio além de todo nome e de toda a forma de onde provêem as formas do mundo, para usar a linguagem do mito, e não a da psicologia moderna, ele é o atman, o Eu em maiúsculo da filosofia hindu. Na linguagem nativa do mito, que é a metáfora, o Si-mesmo pode surgir sob uma miríade infindável de símbolos, sendo que, em termos psicológicos, todas as imagens do mito são, em alguma medida, símbolos do Si-mesmo. Campbell aponta isso ao se referir ao ciclo cosmogónico. Quando a referência é o centro, o próprio deus, ou caos, ao ovo cósmico, ao se partir ou autogerar o mundo, se coloca harmoniosamente em seus devidos lugares, gerando o mundo fenomênico. Mas quando a referência é da periferia, surgem imagens de violência, onde esse princípio gerador de vida é visto como terrível, capaz de tragar novamente o mundo para o caos primevo, como o dragão primordial das águas Tiamat, que teve de ser morto e esquartejado por Marduk com o auxílio dos ventos para que o mundo fosse ordenado a partir de seu corpo, mas se voltarmos a referência ao centro, Marduk e os demais deuses são meras emanações transitórias desse mesmo princípio, e nesse sentido ele é vítima voluntária, assim como Wotan, que se sacrifica na árvore da vida a si mesmo, ou Cristo na cruz.

O Si-mesmo não envelhece, todavia, suas emanações transitórias, suas atualizações diacrônicas, estas sim envelhecem e é preciso que sejam renovadas, e apenas o nascimento pode vencer a morte. A antiga personalidade, ou a antiga orientação de uma sociedade, devem perecer para que aja o renascimento. O doloroso processo em que esse aspecto transitório morre, ou é deposto, para ser substituído por aquele que se aventurou no mundo dos deuses, no outro mundo, ou nas suas próprias profundezas, passando por terríveis provações, para trazer de volta o elixir da vida, ou o graal. Pois devemos lembrar da importante chave de compreensão dos mitos aludida por Campbell “Os dois mundos, divino e humano, só podem ser descritos como distintos entre si — diferentes como a vida e a morte, o dia e a noite. As aventuras do herói se passam fora da terra nossa conhecida, na região das trevas; ali ele completa sua jornada, ou apenas se perde para nós, aprisionado ou em perigo; e seu retorno é descrito como uma volta do além. Não obstante — e temos diante de nós uma grande chave da compreensão do mito e do símbolo —, os dois reinos são, na realidade, um só e único reino. O reino dos deuses é uma dimensão esquecida do mundo que conhecemos.".

Assim, Naruto, como os inúmeros heróis dos contos dos Grim,representa essa possibilidade de renovação, segundo Jung o herói é: "(...) The most ideal image whose qualities change from age to age, but it has always embodied the things people value the most. The hero embodies the transition we are seeking to trace, for it is as though in sexual stage man feels too much under the power of nature, a power which he is in no way able to manage. The hero is the very perfect man, he stands out as a human protest against nature. The unconscious makes the hero symbol, and therefore the hero means a change of attitude.".

Ainda haveria mais a falar sobre a narrativa de Naruto, e seus vários e maravilhosos personagens, mas encerro esse post por aqui.

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