sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Arte

Interrompo um pouco o meu objetivo de falar sobre minhas descobertas pessoais sobre a vacuidade e toco em outro assunto. hoje, após um prolongado e, prazeiroso, período lendo A Portrait Of the Artist As A Young Man, motivado pelo entusiasmo de Campbell por esse livro em particular, eu finalmente, hoje, cheguei a prate em que Dedalus, o protagonista, expõe sua concepção de estética, arte e belo.

Eu já a conhecia, pois Campbell se reporta a ela com grande frequência em seus textos, mas é uma emoção completamente diferente ler as palavras de Joyce no seu contexto nativo, realmente algo espetacular, mais interessante ainda, pois, estando em Recife, dormindo num colchãozinho no chão de um Albergue, eu me senti em casa enquanto lia emocionado as palavras que Joyce expunha através do discurso do jovem Stephem Dedalus. em alguma medida, eu estaria em casa em qualquer lugar que fosse ao sentir a emoção que senti enquanto absorvia aquelas palavras. há algo de muito belo e sagrado nisso.

A concepção de arte de Joyce, expressa nesse livro é sumamente interessante, especialmente para um historiador como eu, na verdade, é oposta ao que um historiador ou sociólogo esperaria de arte, pois creio, que esse tipo gente espera da arte, ou de qualquer coisa, engajamento social, discussão ética, apelo a moral, todavia, a arte para Joyce se pauta pelo que Campbell chama de "divinamente surpérfluo". ele começa falando sobre "Pity and Terror", definidas como emoções trágicas, piedade e terror. piedade é tudo aquilo que prende, sequestra a mente na presença de tudo aquilo que é grave e constante no sofrimento humano., e a une ao sofredor humano. O terror é tudo aquilo que prende a mente na presença de tudo aquilo que é grave e constante  no sofrimento humano e o une com a "causa secreta". Ao usar a palavra "prende" arrest, ele indica com clareza que a as emoções trágicas são estáticas, induzem ao arrebatamento da alma. o excitamento dos sentidos é algo meramente cinético, e gera apenas "desire and loathing", desejo e aversão. desejo e aversão criam meramente "artes impróprias", se a arte gera desejo ela é pornográfica, se gera aversão ela é didatica, mas não arte propriamente dita. "The esthetic emotion (...) is therefor static. the mind is arrested and raised above desire and Loathing". aquilo que é meramente cinético, gera apenas uma reação da nossa carne, de nosso sistema nervoso, elas não são mais do que sensações físicas, carecem do fator crucial para Joyce, o arrebatamento estático, a suspensão dos pares de opostos.


A arte, segundo definida por Joyce é a disposição do sensivel ou do inteligível para uma finalidade estética. compreendida como arrebatamento, onde há mente é aprisionada e os opostos são suspensos. Examinando as noções platônicas de beleza, que são associadas a noção de verdade, Joyce tece uma diferenciação, a verdade é sustentada pelo intelecto e estabelece relações com o que é inteligível, a belezaé sustentada pela imaginação que acalmada, saciada por suas relações com o que é sensível. para se compreender a verdade, é preciso em primeiro lugar compreender o intelecto, compreender "the act itself of intellection", compreender a intelecção. já para se compreender a beleza é preciso primeiro compreender o escopo da imaginação, ou seja compreender em si mesmo o ato de apreensão estética. Joyce aponta para uma compreensão estética apoiada numa compreensão psicológica, assim como afirma, na mesma passagem, que toda a filosofia de Aristóteles se sustenta sobre seu livro de psicologia "De Anima" bem como sobre sua afirmação lógica de que A não pode ser A e ser B ao mesmo tempo.


Ainda sobre a beleza, Stephen Dedalus em sua conversa com Lynch, reafirma sua compreensão psicológica com um exemplo dos mais interessantes. ele aponta que a beleza feminina, ou aquilo que é apreciado como beleza feminina varia grandemente em diferentes povos e localizações geográficas. são tão diferentes as concepções de beleza que parecem um "labirinto do qual não podemos escapar", mas existem dois caminhos de saída desse labirinto, o primeiro ele rejeita. a beleza feminina estaria diretamente relacionada a função da mulher com a propagação da espécie, o belo seria definido por uma disposição biológica. mas "isso leva a eugenia e não a estética". a segunda é uma hipótese psicológica, defendida por Dedalus, apesar de o conceito de beleza feminina variar grandemente, todos os que acham algo belo na mulher (mesmo que esse algo difira) encontram-se nessa admiração relações que coincidem com os estágios de toda compreensão estética. por mais que o objeto dessa apreensão estética varie, o processo psicológico de apreensão estética se manteria constante. algo muito próximo da abordagem cum grano salis funcionalista de Jung.


Joyce define ainda três categorias de arte, que são uma progressão, da mais elementar a mais elevada, uma surgindo como desdobramento da outra. a primeira a forma lírica, no qual o autor apresenta a imagem artística em relação consigo mesmo. a forma lírica é a mais simples das três, ela representa um instante de emoção, em que o autor está mais consciente desse instante de emoção do que dele mesmo como aquele que a sente. a segunda forma de arte é a épica, que emerge da primeira, em que o artista apresenta sua imagem de arte em imediatana relação a si mesmo a aos outros. a narrativa épica já não é mais puramente pessoal, o centro de gravidade da emoção se expande a partir do artista até se tornar equidistante entre o autor e os outros.  a terceira é a forma dramática, em que a imagem artística está apresentada em relação aos outros. a vitalidade que se sente surgindo e fluindo da expressão épica se expande de tal forma que preenche cada pessoa com tal energia vital que se estabelece nelas uma apropriada e intangível "vida estética". a personalidade do artista se refina para fora da existência, se impersonaliza, "a imagem estética na forma dramática é vida purificada, e reprojetada da imaginação humana, o mistério da criação estética, assim como dacriação material é alcançado.". o artista, como o deus da criação, em seu ato comogônico se situa atrás, além ou acima, de sua criação Ex Machina.

Nuca havia realmente absorvido isso apenas com a leitura de Campbell, interessante, ontem tentei escrever sobre uma banalidade qualquer e não me senti a vontade para escrever aqui, longe do meu "Museu", mas agora, escrevendo sobre o arrebtamento estético, sobre Joyce e sobre a arte divinamente supérflua, me sinto em casa.

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