Ciro
Ferreira Gomes é um velho conhecido de nós cearenses, já foi governador do
nosso estado e prefeito de sua capital e, ultimamente, tem feito
pronunciamentos sistemáticos contra a tentativa de golpe branco que vem sendo levado
à cabo pelo congresso nacional. Seu discurso e os possíveis desdobramentos de
sua movimentação midiática e política são o que me levam a deitar a pena ao
papel e pensar sobre o que se passa.
Ciro
é, indubitavelmente, um homem inteligente e de visão (especialmente fora do
governo), mais de uma vez escrevi que, quando ele não está fazendo o triste
papel de caricatura de si mesmo, é bom prestar atenção ao que ele fala. Ciro
tem uma tendência a rompantes agressivos, a fazer cenas ao ser irritado ou
questionado – mesmo diante das câmeras – e uma verve autoritária muito
acentuada que o leva a desatinos que não condizem com sua inteligência e aguda
percepção do cenário político. Parece que nos últimos tempos ele foi capaz de
fazer uma autocrítica e tem agido de maneira mais ajuizada, transformando sua
proverbial língua de trapo em um traço charmoso de sua personalidade,
conferindo a ele um colorido de coragem e franqueza que parece faltar no mundo
de meias palavras, conchavos e mentiras deslavadas da nossa política.
Ciro
é um macaco velho, antes da nomeação do famigerado Eduardo Cunha para a
presidência da câmara dos deputados, fez uma previsão quase profética do que
estava por vir no programa Política com K,
de circulação local, mas que ganhou capilaridade pelos compartilhamentos nas
redes sociais. Nessa entrevista ele recitou de cor a vida pregressa de maracutaias
de Cunha e o chamou, com propriedade, de “picareta mor da república”. Esse foi
um passo importante no que parece ser sua estratégia. Pouco tempo depois, seu
irmão Cid, então ministro, chamou o já todo poderoso Cunha de achacador em
pleno congresso presidido por ele. Como consequência foi sumariamente demitido
da pasta da educação. Gosto de lembrar de um ato falho de Cid, em sua primeira
entrevista como ministro, em que se referiu a si mesmo não como ministro, mas
como presidente. Freud teria muito a dizer sobre esse lapsus linguae.
Quando
a possibilidade de golpe se desenhou com clareza, capitaneado por diversos
setores da oposição que cortejavam o “picareta mor da república”, Ciro deu
diversas entrevistas a programas locais, de menor audiência, mas com uma
posição clara e inequívoca de defesa da democracia e dos ritos republicanos. Creio
que nenhum político foi tão claro e contundente quanto ele, pois, quando não
está fazendo o triste papel de caricatura de si mesmo, Ciro é um grande orador
e político carismático, possuidor de uma retórica de rara agudeza e lógica, de
uma velocidade de pensamento realmente invejáveis. Ele tem se posicionado com
clareza e de maneira didática contra o golpe, mas também contra a política
econômica de Dilma, e se tornou também o porta voz das queixas daqueles que
apoiaram Dilma e viram serem empossadas as propostas de Aécio Neves.
Nessas
primeiras entrevistas sua estratégia se mostrou com clareza. Não estava
pessoalmente interessado na presidência, mas colocava seu nome a disposição
como um dever republicano. Em caso de necessidade, ou não sendo possível evitar
(veja que sutilmente ele se coloca como uma última saída possível) ele seria
candidato. Além disso, Ciro se posicionava ao lado de todas as grandes
reformas: fora ministro de Itamar quando da criação do real, estava ao lado de
Lula quando da criação dos seus exitosos programas sociais etc. Em sua mais
recente entrevista, a Marina Godoy, de maneira contundente ele chamou Michel
Temer de “capitão do golpe”, dando nome aos bois. Lacan disse, certa feita, que
quando há uma situação em que não se diz o que é preciso dizer se instaura a
loucura, mas quando alguém finalmente diz ela é afastada e se instaura um
problema, uma briga, mas essa se pode resolver, quando algo é finalmente
nomeado. Ciro tem feito esse difícil papel, mas ele não é nada ingênuo.
Recentemente,
já se declarou candidato pelo PDT. O que me parece simbólico, pois o grande
nome do PDT, o finado Leonel Brizola, era um caudilho, personalista e
autoritário que vivia as turras com os barões da mídia. Ciro, com sua
sagacidade e audácia, usa sutilmente alguns dos piores aspectos do nosso
presidencialismo para encantar seus possíveis eleitores. O presidencialismo
possui um viés messiânico e autoritário muito acentuado, é personalista. Ciro
não o diz abertamente, mas, utiliza de maneira insidiosa o mito da “vontade
política” ao seu favor. Ele se mostra independente, corajoso e voluntarioso,
justamente quando Aécio, Marina e Dilma titubeiam. Ele tem propostas claras e
simples, e uma capacidade de expressá-las de maneira direta e didática que
falta a Dilma. Diferente de Aécio, que precisa medir e pesar o tom de suas
falas com cuidado, pois têm diversos conchavos numa teia tenebrosa de aliados
que carregam toneladas de pó em aeronaves, Ciro se posiciona como franco
atirador não poupando nem mesmo seus antigos aliados. Ataca sem dó os chavões
vazios e a ambiguidade de Marina Silva e sua “nova política”. Quanto a Dilma,
Ciro defende seu mandato, sua honra pessoal, mas é impiedoso quanto ao seu
governo, que ele já qualificou de ruinoso.
Além
de tudo isso, para utilizar a expressão de Deleuze, Ciro é um representante da “maioria”,
ou seja, não a maior quantidade de algo, mas a existência de um padrão. No
ocidente o padrão de qualquer maioria é: homem, adulto, macho, cidadão. Ciro se
enquadra perfeitamente nesse padrão majoritário. Pela lógica de Deleuze, irá
obter a maioria aquele que, em determinado momento, realizar esse padrão. A imagem
sensata do homem adulto, macho e cidadão. É exatamente essa a imagem que Ciro
personifica a perfeição. A maioria nunca é ninguém, é um padrão vazio, enquanto
a minoria somos todos nós, mas muitas pessoas se reconhecem nesse padrão vazio.
Ciro fomenta com maestria essa identificação, tem feito um uso inteligente de
seu lugar de fala, da contundência de seu discurso e das redes sociais. Se há
algo que seu clã sabe fazer muito bem, isso é ganhar eleições! Nossa política
passa por um momento de autismo, em que seus principais atores estão tão
ocupados com seus próprios problemas que não se comunicam mais de maneira
eficiente com a sociedade e, nesse vácuo surge Ciro. Como gostava de dizer
Jung, citando os medievais, “a natureza possui um horror vacui”, a política também não tolera o vácuo. Ciro é um
perigo, em meio a uma cena política tão volátil, um “incendiário” como ele está
muito a vontade, mas somos nós que sairemos queimados...
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