quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Uma introdução aos Tipos Psicológicos

Este texto é algo bastante atípico em minha produção, normalmente trato de temas da cultura sob a ótica da psicologia complexa ou debato a própria psicologia complexa por um viés epistemológico, e aqui não se trata de uma coisa nem outra. Normalmente eu me furto de tentar explicar os conceitos de Jung, a não ser quando isso se faz necessário no interior de alguma outra discussão, como já o fiz em outros escritos, mas nunca me dediquei a deitar a pena ao papel para falar especificamente sobre algum de seus conceitos, isso por dois motivos. O primeiro é que considero fundamental e indispensável à leitura da obra de Jung, que é um desconhecido no meio dos que se dizem junguianos, e por que desconfio de dicionários de conceitos, raramente eles são bons e costumeiramente servem à preguiça daqueles que desejam tomar atalhos. Em nosso caso atalhos só levam ao abismo ou aos piores descaminhos. O segundo motivo é que desconfio seriamente de “didatismos”, ou seja, a tentativa de tornar mais simples e rápido o entendimento de autores complexos e densos como o próprio Jung ou Kant, esse tipo de atitude sempre me cheira a contrafação. Infelizmente, em nossos tempos de instantaneidade, e da entronização da opinião banal favorecida pelo alcance mundial da internet, a maioria das pessoas parece não suportar não compreender imediatamente algo. É preciso ter em mente que, no caso de gigantes da ciência e da filosofia como Jung, Kant, James e tantos outros é normal não compreendê-los e, após um grande esforço, compreendê-los de maneira equivocada, o que exige um novo esforço para se chegar a uma compreensão acertada.
Logo, o intuito desse escrito, não é tornar didático, ou facilitar a compreensão dos tipos propostos por Jung, talvez, na melhor das hipóteses, possa ser uma introdução a esse estudo. Mas se trata fundamentalmente de minhas próprias notas de estudo sobre o tema e que pretendo organizar e compartilhar, pelo prosaico motivo de considerar o meu saber sobre essa temática da obra de Jung ainda pouco sistemático e, o ato de escrever, funciona para mim também como uma aprendizagem e um esforço de sistematização. Tendo em vista de início do que se trata esse escrito, peço parcimônia ao leitor e que o aspecto necessariamente lacunar desse texto seja encarado como um convite à leitura da obra de Jung. Na minha modesta opinião, os últimos vinte anos do movimento junguiano não viram avanços, mas apenas retrocessos. Tratou-se de tentar corrigir Jung, de subestimá-lo, datá-lo, muito antes sequer de terem-no compreendido, o próprio termo pós-junguianos – que considero presunçoso e odioso – dá conta desse espírito, quase freudiano, em que se trata de matar e se banquetear com a carne do pai para depois não saber muito bem o que fazer com a recém-adquirida liberdade. Em meu caso, se é que me curvo diante de algum afã classificatório – todos os que vi até agora são tolos – eu me diria junguiano e, mesmo após quase quinze anos debruçado diariamente sobre a obra de Jung, ainda não pude compreendê-la totalmente o que dirá superá-la ou a ela fazer reparos. O que meu estudo me proporcionou foi aquilo de que fala Eco, da possibilidade de fazer um autor falar sobre um tema da qual ele jamais tratou. Me utilizando do método de Jung (ainda acho incrível a incompreensão desse método pelos pretensos junguianos) e de seus conceitos, pude discorrer sobre temas como cartoons, comics, mangás e outros aspectos da cultura pop. Isso não significa um avanço teórico, mas apenas um alargamento dos temas tratados por esta ciência.
Dando por encerrado esses prolegômenos, uma última palavra de cautela. Espero que as pessoas que vierem a ler esse modesto escrito se despojem da presunção a que me referi anteriormente, de que há uma compreensão rápida e que o saber da ciência é intercambiável ao do senso comum. Eu não pretendo que esse seja um texto simples, ou fácil, na melhor das hipóteses, mais sucinto do que o tratado escrito por Jung acerca dessa temática, daí a possibilidade de servir como uma introdução. Fundamentalmente procurarei responder ao longo de todo o texto as perguntas: o que é um tipo psicológico? E para que serve falar em tipos?
Nunca é ocioso sublinhar que Jung nunca foi e nem jamais pretendeu ser filósofo[1] ou racionalista, mas reiteradas vezes se declarou empirista e sempre se utilizou do método empírico, Jung era um empirista[2]. Sobre os tipos ele declara uma vez mais o seu método e maneira pela qual chegou a eles, como princípios obtidos a partir da observação da totalidade dos fatos individuais, não é algo a priori, mas “uma descrição dedutiva de impressões conseguidas empiricamente”.  A teoria em Jung está incluída na fenomenologia, é preciso ter claro que um método descritivo qualitativo não pode ser sobrecarregado com pressupostos teóricos e filosóficos. Em cada caso singular, cientificamente observado, deve-se considerar o fenômeno anímico em sua totalidade. Ao tratarmos dos tipos, e do método aqui aludido, é fundamental nos recordarmos que os conceitos de Jung são empíricos, trata-se de um conceito experimental que, ao invés de ser uma invenção teórica, tem por único objetivo nomear um grupo de fenômenos análogos e afins. Os tipos psicológicos designam grupos fenomenológicos.
Devido à enorme complexidade dos fenômenos psíquicos, um ponto de vista puramente fenomenológico é sem dúvida o único possível e que promete êxito a longo prazo. "De onde" vêm as coisas e o "o que" são constituem perguntas que no campo da psicologia suscitam tentativas de interpretação inoportunas. (Jung, 2002, p.183).
O uso dessa terminologia, tipos, está associado ao método empírico descritivo, como aludido acima, em certo sentido o termo tipos diz respeito à possibilidade de classificação em virtude de características similares obervadas na descrição dos fenômenos que a princípio parecem infinitamente multifacetados, mas que guardam similaridades entre si. O termo tipos, em sentido latto, também se aplicam aos materiais psíquicos oriundos do inconsciente como sonhos, visões, fantasias e delírios, a observação permite que se reconheça uma certa regularidade de tipos nos fenômenos, existem tipos de situações e tipos de figuras que se repetem frequentemente. Mas os tipos, nesse sentido como resultado do método empírico, o conceito de tipo é intercambiado pelo conceito de tema ou motivo para designar essas repetições, da mesma maneira que no estudo comparado dos mitos, pois a linguagem do mito é a mesma linguagem do sonho e do inconsciente.
O campo das manifestações psíquicas, provocadas por processos inconscientes, é tão rico e múltiplo, que prefiro descrever o fato observado e quando possível classificá-lo, isto é, subordiná-lo a determinados tipos. Trata-se de um método científico, empregado sempre que nos encontramos diante de um material variado e ainda não organizado. Podemos ter dúvidas quanto à utilidade e oportunidade das categorias ou tipos de ordenamento empregados, mas não quanto ao acerto do método. (Jung, 2002, p.183).
Os tipos, no sentido que estamos tratando aqui, não no de temas ou motivos, mas no de tipos psicológicos são, assim como os temas e motivos presentes nos sonhos, fantasias, visões e delírios, repetições que se observam no todo dos fenômenos individuais. Os tipos são uma descrição dedutiva de impressões empíricas, ou seja, registram essas recorrências típicas observadas ao se agrupar os fenômenos. Paradoxalmente, em resposta a crítica de que arquétipos não existem, Jung respondeu em nota de rodapé das mais interessantes e elucidativas que eles não existem mesmo, assim como na natureza não existe um sistema botânico, mas nem por isso é possível negar a ocorrência e contínua repetição de certas semelhanças morfológicas e funcionais nas plantas. Aqui, como nota de advertência, é preciso que se diga que tipos puros também não existem e que os fatos reais evidenciam-se em sua individualidade, e o indivíduo é uma exceção e irregularidade relativa, e o que o caracteriza é o único e não o universal e o regular. A realidade absoluta caracteriza-se pela irregularidade.
Ainda sobre o método empregado para definir os tipos por meio da observação do material empírico, que é essencial para a sua compreensão segue um citação um tanto longa de Jung, todavia necessária.
O único método que nos pode levar a resultados mais ou menos seguros, no presente, é o método tipológico, utilizado por Kretschmer com relação à constituição fisiológica, e que eu apliquei à atitude psicológica. Em ambos os casos, o método se baseia em uma grande quantidade de material empírico no qual as variações individuais se anulam reciprocamente, em larga medida, enquanto certos traços típicos fundamentais emergem com maior evidência, dando-nos a possibilidade de construir um certo número de tipos ideais. Naturalmente, jamais ocorrem, em realidade, sob sua forma pura, mas sempre e unicamente como variações individuais do princípio que rege o seu aparecimento, da mesma forma como os cristais, em geral, são variantes individuais de um mesmo sistema. A tipologia fisiológica procura, antes e acima de tudo determinar as características exteriores graças às quais seja possível classificar os indivíduos e investigar suas demais qualidades.
 (...) A tipologia psicológica procede exatamente da mesma maneira, mas seu ponto de partida, por assim dizer, não é exterior, mas interior. Sua preocupação não é determinar as características exteriores, mas descobrir os princípios íntimos que governam as atitudes psicológicas genéricas. Enquanto a tipologia fisiológica é obrigada a empregar, essencialmente, métodos científicos para obter seus resultados, a natureza invisível e imensurável dos processos psíquicos nos constrange a empregar métodos derivados das ciências humanas, ou, mais precisamente, à crítica analítica. Como já tive ocasião de acentuar, não temos aqui uma diferença de princípio, mas tão somente uma nuança, determinada pela natureza diferente do ponto de partida. (Jung, 1986, p.43, grifo meu).
Ao se falar em tipo devemos ter clareza que juntamente com as diferenças de psicologia individual existem também uma diferença de tipos. O grupo fenomenológico mais amplo diz respeito aos tipos introvertidos e extrovertido. Os últimos têm o seu destino mais determinados pelos objetos de seu interesse e o dos primeiros mais por seu interior. A relação entre sujeito e objeto é sempre uma relação de adaptação que implica efeitos modificativos recíprocos, justamente essas modificações constituem a adaptação. É fundamental perceber desde o inicio que a par de um interesse clínico prático há um interesse epistêmico em se pensar em tipos, pois estamos todos naturalmente inclinados a entender tudo sob a ótica de nosso próprio tipo.
Parece-me que esse é o momento de lembrar ao leitor do óbvio, pelo prosaico motivo de que ele frequentemente queda esquecido, estamos tratando aqui de uma psicologia do inconsciente. Ao falarmos em introversão e extroversão, estamos falando de uma dinâmica psicológica que foi corretamente denominado por Goethe como “sístole e diástole”, o que denota um processo cíclico em que os dois movimentos estão presentes e se alternam no caso harmonioso ideal. Toda pessoa possui os dois mecanismo, e mesmo que a adaptação leve a preponderância de um movimento sobre o outro no que concerne a atitude consciente, isso necessariamente corresponderá a uma atitude compensatória inconsciente. “A todo tipo mais declarado corresponde uma tendência especial a compensar a unilateralidade do seu tipo” tendência essa que tem por objetivo a manutenção do equilíbrio psíquico, em virtude dessa compensação aparecem tipos secundários. Todo indivíduo possui os dois mecanismos, e apenas a relativa preponderância de um ou de outro define o tipo.
Mas o que é um tipo? Circunstâncias externas e disposições internas frequentemente favorecem um dos mecanismos e estorvam o outro, com isso temos a predominância de um dos mecanismos. Quando essa situação se torna crônica então surge um tipo. Logo um tipo é:
(...) uma atitude habitual onde predominará um dos mecanismos, sem contudo poder suprimir totalmente o outro, pois este faz parte necessária da atividade psíquica. Por isso não pode ser haver um tipo puro no sentido de possuir apenas um dos mecanismos (...) Uma atitude típica significa sempre e tão-somente a predominância relativa de um dos mecanismos. (Jung, 1991, p.22).
Um tipo é um modelo que reproduz de forma característica o caráter de uma espécie ou de uma generalidade. Como aludi anteriormente ao tratar do método descritivo qualitativo, são como princípios obtidos a partir da observação da totalidade dos fatos individuais. Trata-se de um conceito experimental, ergo, oriundo da experiência que designa grupos fenomenológicos. Um tipo é um modelo característico de uma atitude.
Segundo Jung, atitude é uma disposição da psique de agir ou reagir em determinada direção. Ter atitude significa estar pronto para algo determinado ainda que seja algo inconsciente. Sem atitude é impossível uma apercepção ativa, no que concerne ao problema dos tipos isso explica em certa medida o aspecto epistemológico com que se depara ao se tratar dos diversos tipos, no sentido de como é possível conhecer. Uma atitude possui sempre um ponto direcional seja ele consciente ou inconsciente. É frequente haver duas atitudes: uma consciente e outra inconsciente. É preciso ter sempre em mente que a consciência é um processo momentâneo de adaptação enquanto o inconsciente – que é anterior, simultâneo e posterior à consciência – possui tudo aquilo que foi esquecido e também os traços funcionais herdados, bem como todas as fantasias que ainda não ultrapassaram a intensidade liminar e que em condições favoráveis podem entrar no campo da consciência. A consciência possui uma natureza determinada e dirigida, que funciona pelo circuito de: direção, seleção e exclusão, essas funções dirigidas exercem uma censura sobre todo o material incompatível que cai no inconsciente. Isto tudo e mais todas as percepções subliminares explicam a atitude complementar/compensatória do inconsciente em relação à consciência. É de crucial importância para se compreender o problema dos tipos entender que os processos determinados e dirigidos da consciência se tornam necessariamente unilaterais. A importância da compreensão desse fato basilar essencial do funcionamento consciente para se compreender a tipologia se Jung se dá pelo fato, que deveria ser evidente, de que a classificação tipológica não é uma classificação caracteriológica.  É preciso sublinhar que a unilateralidade é uma característica inevitável do processo dirigido, pois direção implica unilateralidade. Por mais que isso possa parecer um inconveniente, é absolutamente necessário para o processo consciente que a atitude seja dirigida. A psique é um sistema auto-regulador e é no inconsciente que surge compensação que visa a regulação, se a consciência não fosse dirigida todas as influências opostas do inconsciente poderiam se manifestar livremente. Paradoxalmente, por mais que existe uma homeostase psíquica, o sintoma é algo da ordem da greve, quando a reação reguladora compensatória/complementar do inconsciente é reprimida ela perde sua influência reguladora e passa a ter efeito intensificador e acelerador no sentido do processo consciente, o que leva Jung a seguinte constatação.
(...) a psique do homem civilizado não é mais um sistema auto-regulador, mas pode ser comparado a um aparelho cujo processo de regulagem automático da própria velocidade é tão imperceptível, que pode desenvolver sua atividade a ponto de danificar-se a si mesma, enquanto, por outro lado, está sujeita às interferências arbitrárias de uma vontade orientada unilateralmente. (Jung, 1986, p.11).
Das variadas atitudes possíveis encontradas na observação do fenômeno vivo, Jung salienta quatro, são aquelas que se orientam pelas quatro funções psicológicas básicas: pensamento, sentimento, intuição e sensação. Quando uma dessas atitudes se torna habitual pode-se falar em um tipo. Esses tipos podem ser divididos de acordo com a qualidade da função psicológica em duas classes: racionais (pensamento e sentimento) e irracionais (sensação e intuição). Os tipos também podem ser classificados de acordo com o movimento dominante da libido como Introvertido ou extrovertido. Estes, que se distinguem pelo movimento de sua libido, são chamados de tipos gerais de atitude. Aqueles, que se caracterizam pelo fato do indivíduo se orientar principalmente pela função mais diferenciada nele são chamados de tipos funcionais.
De acordo com Jung, a introversão expressa uma relação negativa entre sujeito e objeto. Na introversão há um movimento do interesse que sai do objeto e se volta para o sujeito e seus próprios processos psicológicos. É preciso ter claro que as funções psíquicas possuem um sujeito que é tão importante quanto o objeto, pois o mundo não existe apenas em si mesmo, mas igualmente enquanto o que representa para mim. A atitude introvertida é aquela que procura sobrepor o eu e o processo subjetivo ao objeto e ao processo objetivo, o enfoque introvertido dá mais valor ao sujeito do que ao objeto, o introvertido se reserva uma opinião que se interpõe entre ele e o dado objetivo e normalmente a atitude introvertida se orienta pela estrutura psíquica hereditária. Na introversão o objeto recebe valor apenas secundário. A forma típica de neurose do tipo introvertido é a psicastenia, que se caracteriza por uma grande sensibilidade e grande esgotamento e cansaço crônico. A introversão pode ser ativa ou passiva. Quando o sujeito quer um isolamento em relação ao objeto temos uma introversão ativa. Por outro lado, quando o sujeito não consegue reintegrar no objeto a libido que dele reflui, temos uma introversão passiva. Caso exista uma atitude introvertida habitual, podemos falar em um tipo introvertido.
A extroversão, por outro lado, é um voltar-se para fora da libido. Há uma relação manifesta e um movimento positivo do interesse do sujeito para com o objeto, neste caso o objeto atua como um imã, ele atrai e condiciona em larga medida o sujeito, isto o torna alheio a si mesmo e o assimila ao objeto como se houvesse uma determinação absoluta do sujeito pelo objeto, correndo até mesmo o risco de perder-se completamente no objeto. A neurose mais comum no extrovertido é a histeria. A extroversão é, mutatis mutandis, uma transferência do interesse do sujeito para o objeto. O extrovertido vive de uma maneira que corresponde imediatamente às condições objetivas, seu interesse e atenção seguem os acontecimentos objetivos assim como o seu agir se orienta pelas influências externas, nesse sentido o extrovertido é bem ajustado, pois acompanha harmoniosamente as condições da ambiência imediata. Existe uma extroversão ativa quando ela é intencional, e passiva quando o objeto atrai por conta própria o interesse do sujeito, eventualmente contra a sua vontade. Sendo habitual o estado de extroversão podemos falar de um tipo extrovertido.
Introversão e extroversão são atitudes típicas em relação ao objeto, o introvertido se comporta abstrativamente e o extrovertido comporta-se de modo positivo em relação ao objeto e orienta sua atitude subjetiva pelo objeto, as duas atitudes típicas em relação ao objeto são processos de adaptação.
Temos então várias psicologias possíveis, nessa perspectiva, para Jung, é “uma tirania intolerável pensar que existe apenas uma psicologia ou apenas um princípio psicológico fundamental”, isto tem uma repercussão ainda maior, pois afeta mesmo a noção de realidade, ainda segundo Jung “também se fala da realidade como se existisse apenas esta única realidade. Realidade é o que atua na alma, e não o que alguns acham que lá atue, fazendo generalizações preconcebidas”. Ao discutir os tipos Jung debateu extensamente oposições clássicas na história do pensamento, como Tertuliano e Orígenes, Scoto Erígena e Radberto, o nominalismo e o realismo, o problema dos universais na antiguidade e na escolástica (que pode ser visto como um problema de inerência e predicação), a controvérsia entre Lutero e Zwínglio sobre a Ceia, além de uma longa preleção sobre outras ideias acerca dos tipos em outros pensadores como Schiller, verbi gratia. Nessas querelas o pano de fundo, os elementos fundamentais são o ponto de vista abstrato que rejeita a mistura com o objeto concreto, e o concretista que está voltado para o objeto. Do antagonismo típico entre aqueles para qual o valor essencial está no processo de pensar em si, e o pensamento e sentimento do individuo que recebem a sua orientação do objeto.
Neste ponto, creio eu, é de suma importância esclarecer o significado de empiria para Jung, o que está intimamente relacionado à sua ideia de ciência e as suas concepções psicológicas. Para um empírico a afirmação da existência de mais de uma realidade, ou a afirmação de que o que é real é o que atua na alma, soa descabida e certamente, não empírica.  De uma maneira muito sucinta, o empirismo é uma posição filosófica que toma a experiência como guia e critério de validade, e rejeita a noção de ideias inata (o que Jung também rejeita) ou de um conhecimento anterior ou independente da experiência. Existem, de fato, inúmeras semelhanças entre as posições dos empiristas clássicos e seus métodos e Jung, o que difere fundamentalmente é a noção do que seja experiência. Muito do que discorri anteriormente, sobre não sobrecarregar a descrição qualitativa com pressupostos teóricos ou filosóficos por certo seria aprovada por Bacon, bem como a rejeição de debates metafísicos ou especulativos certamente encontraria o assentimento de Locke, mas Jung é um empirista peculiar. Ele nos adverte sobre sua perspectiva peculiar “As únicas coisas que podemos experimentar diretamente são os conteúdos da consciência”.
 Jung duvidava do ponto de vista realista do pensamento científico, é justamente o ponto de vista psicológico que permite-nos duvidar da perspectiva realista. É necessário ter claro, de início, de que os conteúdos da consciência aos quais ele se refere, como na citação anterior, são imagens. A psique é constituída essencialmente de imagens, nesse sentido a psique é uma estrutura riquíssima de sentido e uma objetivação das atividades vitais expressa por meio de imagens, imagem aqui, nota bene, no sentido de representação.
(...) a respeito da natureza da matéria temos apenas suposições teóricas obscuras, que, por sua vez, nada mais são do que imagens produzidas pela alma. É minha percepção que traduz os movimentos ondulares ou as emanações solares em luz. É minha alma, com sua riqueza de imagens, que confere cor e som ao mundo; e aquela certeza racional sumamente real que chamamos experiência é um aglomerado complicadíssimo de imagens psíquicas, mesmo em sua forma mais simples. Assim, em certo sentido, da experiência imediata só nos resta a psique mesma. Tudo nos é transmitido através da psique: traduzido, filtrado, alegorizado, desfigurado e mesmo falsificado. (Jung, 1986, p.269, grifo meu).
O objetivo da ciência, como afiança Jung em seu Tipos Psicológicos, não é dar a descrição mais exata possível dos fatos, “a ciência não pode competir com a câmara fotográfica ou com o gravador de som”, mas estabelecer leis, que são a expressão abreviada de processos múltiplos, mas que mantêm uma certa unidade. Não se trata do puramente empírico, mas de sobrepor a este o objetivo de estabelecer leis por meio da concepção. Esta concepção, por mais que tenha uma validade geral comprovada será sempre e inevitavelmente um produto da constelação psicológica subjetiva do pesquisador. Mais radicalmente ainda, nenhum pesquisador pode se abstrair de sua constelação psicológica subjetiva, os complexos gozam de autonomia mesmo no médico ou no cientista, eles fazem parte da constituição psíquica, e é a constituição psíquica que decide inapelavelmente a pergunta de saber que concepção psicológica terá um determinado observador. Qualquer observação psicológica para ser válida pressupõe a equação pessoal do observador. Há uma equação psicofísica no processo de saber, visto que não vemos cores, mas o comprimento de onda da luz e não ouvimos sons, mas ondas sonoras que o complicado processo psicofísico da percepção permite que percebamos, mas simultaneamente a esse processo ocorre o processo psíquico da apercepção, e nesse ponto entra a equação pessoal psicológica, e o efeito dessa equação psicológica se inicia já na percepção “vemos aquilo que melhor podemos ver a partir de nós mesmos”. Jung se utiliza de uma interessante alegoria, encontrada nas escrituras, para ilustrar a importância desse fenômeno. Ele faz uma paráfrase de Mateus 7:3 “"Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da trave que está em seu próprio olho?” O que de fato é muito elucidativo e psicologicamente preciso. Vemos primeiro o cisco no olho do próximo e, sem dúvida, há um cisco, mas a trave está no nosso olho e essa trave perturbará o ato de ver. A equação pessoal psicológica aparece com ainda mais força quando se trata de comunicar o que se observou sem falar da concepção que se abstrai do material da experiência. Jung vai mais adiante e afirma que “(...) é exatamente a trave no nosso próprio olho que nos possibilita ver o cisco no olho do irmão”. A perturbação de nossa visão, a “trave” leva facilmente “a uma teoria geral de que todos os ciscos são traves”. Torna-se indispensável, em psicologia, reconhecer e levar em consideração o condicionamento subjetivo do conhecimento psicológico, pois essa é a condição essencial da valorização científica de uma psique diferente do sujeito que observa.
Vê-se como o problema dos tipos toca em um debate epistemológico fundamental. Em primeiro lugar em virtude de, como afirmou Jung “(...) a alma é o único fenômeno imediato deste mundo percebido por nós e por isto mesmo a condição indispensável de toda experiência em relação ao mundo.” E, em segundo lugar, pelo motivo de que nossa disposição psíquica irá influenciar decisivamente em nossa concepção psicológica, como Jung demonstra nos debates sobre nominalismo e realismo e as posições influenciadas pela perspectiva introvertida ou extrovertida.
Prosseguindo com nossa discussão sobre tipos, é mister falar sobre as 4 funções psicológicas básicas, pensamento/sentimento e sensação/intuição. No processo de apercepção, que acompanha quase simultaneamente o processo de percepção, pode-se perceber a cooperação de vários processos psíquicos. O processo de percepção não nos possibilita reconhecer os dados sensoriais que chegam a nossa consciência, esse reconhecimento é feito pela função pensamento, segundo Jung “É o pensamento que nos diz o que a coisa é em si.”.
Vejamos, vamos supor que eu esteja na África em um safári e por algum motivo me ache por um instante sozinho na selva, noto uma movimentação estranha a minha frente na mata fechada e logo percebo se tratar de um assustador elefante. O que me diz que tenho a minha frente é um elefante e não um leão ou um gorila é a função pensamento. O pensamento é o processo de comparação e diferenciação com o auxílio da memória.
Quando digo que havia um movimento “estranho” ou que o elefante é “assustador”, todos esses qualificativos fazem referência a uma tonalidade afetiva. A tonalidade afetiva implica uma avaliação. Talvez se eu estivesse num zoológico pudesse achar o elefante simpático, mas sozinho na selva um bicho de várias toneladas é assustador. O mesmo objeto pode ter avaliações distintas, posso gostar de ver um elefante num passeio ao zoológico, mas certamente não me sentiria tão contente ao ver um elefante feroz correndo em minha direção na selva. O sentimento é um tipo de julgamento que visa uma aceitação ou rejeição subjetivas, quando aumenta a intensidade do sentimento surge um afeto. O sentimento ordena os conteúdos da consciência de acordo com o seu valor, e é uma função racional, pois os valores em geral são atribuídos segundo leis da razão.
Antes de me dar conta de que se trata de um elefante ou mesmo avaliar se eu gosto dele ou não, faz-se necessário percebê-lo. A sensação é uma das funções psicológicas básicas, e é idêntica à percepção. A sensação pode se associar o sentimento na forma de uma tonalidade afetiva, mas são funções diversas. No sentido dado por Jung à sensação, essa função escapa da noção de senso comum, entre outras coisas, pois ela não se relaciona apenas com os estímulos externos, mas também com as sensações dos órgãos internos, por isso ela é em primeiro lugar percepção pelos órgãos dos sentidos. Por um lado possui caráter de representação, pois fornece a imagem percebida pelo objeto externo, e por outro, é o elemento de sentimento que dá o caráter de afeto. No caso do meu elefante, ao vê-lo a sensação me fornece a imagem do elefante, ao mesmo tempo em que percebo o meu coração disparar, minha boca ficar seca e o suor frio que começa a cobrir o meu corpo, o que fornece a tonalidade afetiva de “assustador” ao elefante e que me leva a avaliar que preferia não ter me deparado com ele. A sensação nesse sentido descrito, do fatídico encontro com o elefante na selva, é uma sensação concreta que é sempre um fenômeno reativo. A sensação caracteriza a psicologia da criança e do primitivo, pois predomina sobre o pensamento e o sentimento, mas não necessariamente sobre a intuição.
Pois bem, diante do elefante eu penso/sinto/vejo que “se eu permanecer aqui parado as coisas podem acabar mal para mim”, nesse momento entra em ação a minha intuição. No meu caso é provável que a frase fosse “penso que se eu permanecer aqui...”, mas em todo caso, a intuição é “a percepção das possibilidades inerentes a uma dada situação”. Intuição vem de intueri “olhar para dentro”, ela é uma das funções psicológicas básicas e é a função que transmite a percepção via inconsciente. Assim como a sensação, a intuição é uma função perceptiva irracional, seus conteúdos têm o caráter de dados, em oposição ao caráter de derivado dos conteúdos do pensamento e do sentimento, derivando daí seu caráter de certeza e exatidão. A intuição se comporta em relação à sensação de maneira compensatória. Da mesma maneira que a sensação, a intuição caracteriza a psicologia infantil e primitiva.
As funções são divididas em dois grupos, a sensação e a intuição que são irracionais – para Jung este conceito é empregado no sentido de extra-racional, ou seja, o que não se pode fundamentar com a razão – e o pensamento e o sentimento que são as funções racionais. Racional corresponde à razão e esta por sua vez é “(...) uma atitude que tem por princípio conformar o pensamento, o sentimento e a ação com valores objetivos.” Quando uma pessoa orienta sua atitude global pelo princípio do pensamento pode-se falar que ela pertence ao tipo pensamento. O mesmo se dá, respectivamente com o sentimento, a sensação e a intuição.
 As funções psicológicas básicas raras vezes ou quase nunca têm o mesmo grau de desenvolvimento num indivíduo, normalmente prepondera uma das funções, por esse motivo na tipologia proposta por Jung, se fala em uma função principal, que é oposta a uma função inferior, ao mesmo tempo, nota bene, não existem tipos puros, a não ser em caso de unilateralidade extremamente acentuada e, mesmo nesses casos, a atitude da personalidade consciente intervém no seu agir de maneira compensatória/complementar (ou em oposição nos casos de neurose), a tal ponto que dependendo da atitude do observador (judicativo ou perceptivo), pode-se pensar até mesmo que se trate do tipo oposto.
Não se suponha que o inconsciente esteja enterrado sob muitas camadas e que só possa daí ser retirado após penosa escavação. O inconsciente, ao contrário, flui sempre para o evento psicológico e em tão grande quantidade que se torna difícil às vezes ao observador distinguir quais propriedades de caráter atribuir à personalidade consciente e quais atribuir à personalidade inconsciente (Jung, 1991, p.326).
Caso o pensamento seja a função principal, necessariamente o sentimento será a função inferior, e vice versa. Se tivermos a sensação como função superior, a intuição será certamente a função inferior, isto é, menos desenvolvida e mais primitiva, caso a intuição seja a função mais favorecida, a sensação será a função inferior. A função superior é a expressão da personalidade consciente de sua intenção e vontade, já as funções menos diferenciadas, principalmente a função inferior, fazem parte das coisas que nos acontecem. Há igualmente uma função auxiliar, que também está sob o controle consciente, mas é menos submetida ao arbítrio consciente do que a função principal, a experiência demonstra que essa função é sempre de natureza diversa, mas nunca oposta à função principal. Já tratei anteriormente das funções, agora passo a tratar dos tipos em que prepondera uma ou outra função, a começar pelo pensamento. Vale lembrar que, segundo Jung.
Por razões de clareza, vamos repetir: conscientes podem ser os produtos de todas as funções; mas só falamos de conscientização de uma função quando não apenas seu exercício está à disposição da vontade, mas também seu princípio é decisivo para a orientação da consciência. (Jung, 1991, p.381).
O tipo pensamento pode ser extrovertido ou introvertido. O pensar extrovertido é determinado em grau mais elevado pelos dados objetivos das percepções sensíveis, o critério determinante para o seu julgamento deriva, sobretudo das condições objetivas, não importando se externa ou interna. A orientação do julgamento de um pensar extrovertido normalmente provém de fora, assim como a orientação para sua conclusão que também se origina de fora, é um tipo de pensar positivo, isto é ele cria, pois possui um julgamento predicativo. O tipo pensamento extrovertido se esforçará por colocar toda a sua atividade na dependência de conclusões intelectuais baseadas em dados objetivos, sua moral não tolera exceções, seu ideal precisa ser realizado custe o que custar. Pode, no melhor dos casos ter um papel social importante como reformador, conscientizador ou propagador de inovações, no pior dos casos será um resmungão, sofista e crítico. O tipo pensamento extrovertido é encontrado, sobretudo em homens, pois em geral o pensamento é uma função que predomina mais nos homens.
O pensar introvertido se orienta principalmente pelo sujeito e pelo fator subjetivo, os dados externos não são causa ou meta deste pensar, mas ele começa no sujeito e reconduz ao sujeito. Tal pensar proporciona, em primeiro lugar, novas concepções, os fatos têm importância meramente secundária o que realmente interessa é o desenvolvimento e apresentação da ideia subjetiva, sua força criadora se manifesta quando é capaz de produzir uma ideia que não se encontrava originalmente nos fatos externos, mas que é sua expressão abstrata mais adequada. Em seu aspecto negativo, apresenta uma tendência a forçar os fatos à sua ideia subjetiva ou a ignorá-los completamente, e pode perder-se totalmente na verdade do fator subjetivo e se levado ao extremo chega à evidência de seu ser subjetivo. Kant foi escolhido por Jung como o representante do tipo normal do pensamento introvertido, o filósofo que fez uma crítica do conhecimento em geral e efetuou uma “epistemologização” da filosofia. O tipo pensamento introvertido se caracteriza por se basear prioritariamente no fator subjetivo, em virtude de lhe faltar a intensa relação com os objetos ele busca o aprofundamento e não a ampliação de horizontes. Tal indiferença e até rejeição com o objeto, que caracteriza a introversão em geral torna difícil à descrição desse tipo. O pensamento do tipo introvertido é positivo e sintético no desenvolvimento de suas ideias que sempre se acercam da validade universal das imagens primitivas, mas por isso mesmo, correm o risco de tornarem-se mitológicas, tornando-se assim irrelevantes e esgotadas nelas mesmas.
O tipo sentimento pode ser extrovertido ou introvertido, no sentimento extrovertido o objeto é o determinante indispensável do modo de sentir, que está em concordância com valores objetivos. O sentimento extrovertido se liberta o quanto possível de influências subjetivas, a esse tipo de sentimento devemos a moda e a manutenção positiva de empreendimentos de cunho culturais e filantrópicos. Sem ele seria inconcebível uma convivência social harmoniosa. Em seu aspecto negativo, caso o objeto receba uma influência exagerada, tornando-se assimilado ao objeto, torna-se algo frio e impessoal, material e não confiável, trazendo a impressão de não passar de pose ou encenação.  O sentimento é indiscutivelmente uma peculiaridade mais frequente na psicologia feminina e por esse motivo no sexo feminino se encontram os tipos sentimentais mais pronunciados. No tipo sentimento extrovertido os sentimentos estão em sintonia com os valores aceitos em geral, e por mais que o fator subjetivo tenha sido reprimido ele mantém o caráter pessoal em casos não extremos de assimilação ao objeto o que faz com que a personalidade pareça ajustada às condições objetivas. O tipo sentimento extrovertido reprime ao máximo o seu pensamento, pois é o pensamento que mais pode perturbar o sentimento (e vice-versa), o pensamento é tolerado apenas como servo do sentimento, o que não significa que esse tipo não pense ou não possa ser esperto, pelo contrário, mas seu pensar nunca é original, mas sim um acessório do sentimento.
O sentimento introvertido é dificílimo de apresentar teoricamente ou mesmo descrevê-lo, é um sentimento que na aparência não valoriza o objeto e por isso traz consigo um aspecto negativo. Como esse tipo de sentimento é determinado principalmente pelo fator subjetivo e só se ocupa secundariamente com o objeto ele se manifesta pouco e de maneira equívoca, para tentar ao menos descrevê-lo de maneira aproximada é preciso um talento artístico incomum, do contrário não se pode nem imaginar sua riqueza. É de uma profundidade insuspeita, mas que não se pode captar com clareza, torna o indivíduo alguém quieto e que se retrai da brutalidade do objeto lançando julgamentos negativos ou recaindo na indiferença. Como característica, ele não procura se adaptar ao objeto, mas dominá-lo e pode facilmente, em seu aspecto negativo, aprofundar-se numa paixão sem conteúdo e egocêntrica. O tipo sentimento introvertido é discreto e seus verdadeiros motivos costumam permanecer encobertos, o que lhe impõe uma suspeita de frieza. Em virtude de sempre permanecer reservado e parecer indiferente um julgamento superficial lhe nega qualquer sentimento, esta impressão é falsa, pois ele possui sentimentos intensivos e muito profundos, diferente dos sentimentos extensivos do tipo sentimento extrovertido. A forma de neurose mais comum a esse tipo é neurastêmica.
O tipo sensação pode ser extrovertido ou introvertido, como percepção dos sentidos a sensação tem uma evidente relação com os objetos externos que percebe e uma dependência do sujeito, existindo uma sensação subjetiva que é bem diferente da sensação objetiva. Na extroversão o componente subjetivo da sensação é conscientemente reprimido. Em certo sentido a função sensação é absoluta, mas nem tudo possui o valor liminar que necessita para ser aceita.  A sensação extrovertida é determinada, sobretudo pelos objetos e aqueles que emanam a sensação mais forte são determinantes para a psicologia do indivíduo, isso gera uma vinculação sensível com os objetos, que apreende o ser momentâneo e manifesto das coisas. A sensação é uma função vital com a mais poderosa ligação com os instintos. Seu critério de valor não é o julgamento racional, mas a força da sensação manifestada por suas qualidades objetivas. O indivíduo desse tipo é orientado somente pela realidade que cai nos sentidos. O tipo sensação extrovertido possui um extraordinário senso objetivo dos fatos, para ele sensação significa plenitude devida real. Pode se tornar um sensualista ou um esteta, em um aspecto inferior, esse tipo é o homem da realidade palpável sem queda pela reflexão ou gosto pela dominação, seu objetivo é ter sensações, em geral tem disposições alegres e vivazes. Nada existe além do concreto e do real tudo o que vem de dentro lhe parece mórbido e suspeito. Sendo normal, estará incrivelmente ajustado à realidade existente de maneira visível e patente.
Quando a vinculação ao objeto é levada a extremos torna-se uma pessoa grosseira ou um esteta sem escrúpulos, nesse caso a tendência compensatória do inconsciente surge, por meio da intuição, e pode tornar-se oposição aberta a atitude consciente gerando estados de angústia, desenvolvem-se todo tipo de fobias e, em casos extremos, sintomas de obsessão de acentuada irrealidade.
Também a sensação está sujeita ao fator subjetivo, pois ao lado do objeto que é sensualizado há um sujeito que sensualiza. Na atitude introvertida a sensação se baseia de maneira mais acentuada na parcela subjetiva da percepção. O fator subjetivo é uma disposição inconsciente que modifica a percepção dos sentidos, tirando assim o seu caráter de pura influencia do objeto. É na arte que vemos a força extraordinária do fator subjetivo na sensação, e disso dá testemunho eloquente a arte impressionista. Algumas vezes o objeto não passa de mero estímulo que possibilita a percepção do fator subjetivo, nesse caso o sujeito ocupa-se mais com a percepção subjetiva causada pelo estímulo do objeto. Faz parte da percepção subjetiva o caráter significativo, a para a sensação subjetiva a realidade do objeto não é decisiva, mas a realidade do fator subjetivo, as imagens primordiais que em sua totalidade apresentam um mundo psíquico espelhado, que reflete os conteúdos da consciência sub specie aeternitatis. O momento atual é inverossímil para essa consciência, a sensação introvertida transmite uma imagem que cobre o objeto com sedimento antiquíssima e futura experiência subjetiva.
O tipo sensação introvertido se orienta pela intensidade da parcela subjetiva da sensação, suscitada pelo estímulo objetivo. Visto de fora parece que a influência do objeto não penetra no sujeito, e esta impressão é correta na medida em que um conteúdo subjetivo, nascido do inconsciente, se interpõe a influência do objeto. Nesse tipo encontramos uma espécie de subjetividade alienada, caso seja motivado a agir pelo objeto, ou quando esta influência não consegue penetrar, temos uma neutralidade benevolente, tudo para manter a influência do objeto nos devidos limites. Se for benevolente poderá ser facilmente vítima da agressividade e despotismo dos outros, nesses casos deixam em geral, que se abuse deles e vingam-se disso em ocasiões inoportunas com redobrada teimosia. Este tipo normalmente se fecha a compreensão objetiva e, em geral, não se compreende a si próprio. Seu desenvolvimento se afasta da realidade dos objetos e se entrega as suas percepções subjetivas que possuem um caráter arcaico e mitológico. Normalmente o indivíduo se contenta com um fechamento em si mesmo e com a banalidade do mundo real. A neurose mais característica desse tipo, que surge em vista da compensação inconsciente caracterizada pela natureza arcaica da intuição extrovertida, é em geral uma neurose obsessiva onde os traços histéricos se escondem atrás de sintomas de esgotamento.
 O tipo intuitivo pode ser extrovertido ou introvertido. Na atitude extrovertida, a intuição se volta completamente para os objetos exteriores, na consciência é representada por uma certa atitude de contemplação e penetração, mas a intuição não é mera contemplação, mas um processo criador que incute no objeto tanto quanto dele retira. Em primeiro lugar a intuição fornece impressões que não poderiam ser conseguidas por meio das demais funções. Caso a intuição tenha a primazia, as demais funções são relativamente reprimidas, com especial ênfase na sensação por ser a função que mais estorva a intuição, pois a sensação dirige o olhar exatamente para as coisas além das quais a intuição quer chegar, por isso, para a intuição funcionar a sensação deve ser fortemente reprimida. Esse tipo possui sensações, mas não se orienta por elas, são apenas pontos de partida, sua impressão e as suas sensações são selecionadas por pressupostos inconscientes, pouco importando a sensação fisiologicamente mais forte. A intuição procura abranger as maiores possibilidades, pois o pressentimento é melhor satisfeito pela contemplação das possibilidades. A intuição se esforça por descobrir possibilidades nos dados objetivos. Ela sempre procura saídas e novas possibilidades na vida exterior, um fato só vale enquanto abrir novas possibilidades que o ultrapassem e dele libertem o indivíduo. A psicologia do intuitivo é inconfundível, o intuitivo sempre está lá onde se encontram as possibilidades, possui um “faro” para o que promete futuro, nunca se encontra em situações estáveis, duradouras, mas limitadas, estas o sufocam, pois está sempre em busca de novas possibilidades, com as quais se fixa com força fatídica. Quanto mais forte sua intuição tanto mais o sujeito se confunde com a possibilidade vislumbrada. Após algum tempo, a nova possibilidade em que se fixou passa a ser vista como prisão, e contra toda a razão ou bom senso, irá impiedosamente destruir ou se livrar do que construiu para se desembaraçar da estabilidade e partirá uma vez mais em busca de novas possibilidades. O intuitivo possui sua própria moral que não se pauta pelo sentimento ou pensamento, mas que é uma fidelidade as suas impressões e uma submissão a elas, pouco importando o bem-estar dos outros ou o seu próprio. Da mesma maneira não respeita costumes ou convenções passando uma impressão de aventureiro. Muitos homens de negócios, empresários, especuladores, agentes políticos etc pertence a este tipo, todavia ele parece ser mais frequente entre mulheres. Caso não seja excessivamente egocêntrico, este tipo pode ter grande valor cultural e econômico, ele é o sujeito arrojado que inicia novos empreendimentos, ou que consegue pressentir nas pessoas seu valor e capacidades ocultas, encorajando-as a atingir seu potencial. O intuitivo extrovertido corre o risco de fragmentar a sua vida ao trazer energia e força vital a pessoas e coisas ao seu redor, espalhando abundância, mas jamais aproveitando essa abundância. A neurose característica desse tipo normalmente o prende de maneira coercitiva a um parceiro altamente inconveniente, por meio de uma vinculação inconsciente, em um sintoma obsessivo típico do intuitivo extrovertido. Sua neurose o torna presa de compulsão inconsciente e da vinculação compulsiva à sensação do objeto, bem como toda forma de fobias, ideias hipocondríacas compulsivas e toda sorte de sensações corporais absurdas.
A intuição introvertida se volta para os objetos interiores que se comportam para a consciência como se fossem exteriores. O sujeito se volta para o conteúdo do inconsciente, em última análise para os conteúdos do inconsciente coletivo. Assim como os objetos exteriores, os objetos interiores não são, em sua essência, diretamente acessíveis. Como disse Jung no Aion, o complexo do eu vive entre duas grandes obscuridades que não pode conhecer completamente e nem em sua essência: o mundo dos objetos físicos e os objetos interiores, os elementos do inconsciente. As formas de aparecer dos objetos internos são relativas, produto de sua essência inacessível e da peculiaridade da função intuitiva. A intuição introvertida se detém em seu fator subjetivo e se dirige ao que foi internamente liberado pelo exterior. A sensação introvertida se detém nos fenômenos peculiares de inervação causados pelo inconsciente enquanto a intuição introvertida reprime fortemente este fator e percebe a imagem causada por esta inervação. A intuição introvertida percebe com nitidez os processos de fundo da consciência, todavia, essas imagens provenientes do inconsciente parecem existir por si mesmas, sem relação com a pessoa que as contempla, este não chega a perceber que essas imagens percebidas podem se referir a ele. O intuitivo introvertido também possui uma eterna ânsia de mudança, que não liga para o bem ou o mal e menospreza qualquer consideração humana, bem como apresenta uma grande indiferença com relação aos objetos internos que percebe, o intuitivo introvertido vai de imagem em imagem perseguindo todas as possibilidades, normalmente incapaz de estabelecer a conexão do fenômeno consigo mesmo. O mundo das imagens inconscientes não se constitui em problema moral, mas em um problema estético fazendo assim desaparecer em si a consciência de seu próprio corpo bem como o de sua influência sobre as pessoas que o cercam.
O intuitivo introvertido é o sonhador e visionário místico, o aprofundamento da intuição leva naturalmente o indivíduo a um afastamento da realidade que o torna um enigma até mesmo para aqueles que lhe são mais próximos. No inconsciente do tipo intuitivo introvertido reprime a sensação do objeto ao máximo, por isso torna-se característico de seu inconsciente uma função sensação extrovertida compensadora de caráter arcaico. No caso de uma unilateralidade extremada da função intuitiva, uma completa subordinação a imagem interior, o inconsciente abandona seu caráter compensador e passa a oposição aberta dando origem a sensações compulsivas que geram dependência do objeto externo. Sua neurose mais comum é uma neurose obsessiva, podendo apresentar hipocondria, hipersensibilidade dos órgãos sensoriais e ligações compulsivas com objetos e pessoas.
Chega então ao fim esta minha tentativa de introdução ao problema dos tipos, se o estimado leitor chegou até este ponto na leitura creio que é de capital importância ressaltar alguns pontos acerca do método por mim empregado. De propósito e de maneira meticulosa omiti pontos importantes, bem como demonstrações de pontos de vista de Jung que permitiriam uma leitura mais desembaraçada, isto com o intuito deliberado de gerar mais dúvidas do que fornecer respostas. A dúvida nos leva adiante enquanto a resposta coloca um fim a busca iniciada pela pergunta. Existem certezas em demasia no mundo Junguiano, normalmente essas certezas se constituem em estorvo e ignorância do método. Para Jung o inconsciente jamais se dá a conhecer e sua psicologia é sempre um “como se” conseguido por vias as mais indiretas, além disso, certezas destroem essa psicologia prática, pois a certeza na clínica violenta e destrói o outro, causando um tipo de transferência que só pode ser eliminada com brutalidade em virtude do caráter de dependência compulsiva que cria em relação ao médico e a alienação consequente do sujeito para consigo mesmo. Os fenômenos do inconsciente que surgem na análise são Deo concedente, acontecem eo ipso, e qualquer tentativa de forçá-los a se enquadrar em certezas vãs só resulta em desastre e demonstra apenas que o médico já sucumbiu a influencia perniciosa de seu próprio inconsciente. Precisamos urgentemente da dúvida, mas não da dúvida insidiosa que procura simplesmente desautorizar Jung sem conhecer seus argumentos e demonstrações, isso não passa de má fé e burrice, que infelizmente grassa nesse meio, não! Precisamos da dúvida que nos retira de nosso egocentrismo, da dúvida que surge do conhecimento de si e de nossos abismos de desconhecimentos, da dúvida que representa nosso assombro diante da natureza maravilhosa, estranha e sublime da alma. Dúvida essa que surge ao contemplarmos os nossos semelhantes, cientes de nossa própria escuridão e certos de que fundamentalmente não sabemos o que Deus quer para ele. Felizes aqueles que podem ouvir seu próprio coração e serem livres para obedecer seu próprio destino, não importando a que dores ou sacrifícios isso leve. Infelizmente, ao invés da labuta em busca de nós mesmos em nosso meio grassa a mais ridícula contrafação desse fenômeno raro e maravilhoso, a tal ponto se vulgarizou essa compreensão que parece aos mais banais e tolos dentre os junguianos que a meta de toda análise só pode ser a individuação, como se um mero homem de carne e sangue pudesse forçar a natureza, ou desvelar por um ato enérgico de vontade a ignorância de outrem. Não, ninguém pode, e se pudesse não deveria. Se você estimado leitor tiver terminado essas linhas mal traçadas com dúvidas, perguntas, ou espanto diante de algumas das afirmações aqui contidas me dou por satisfeito, se tiver se ofendido com a minha sinceridade, só posso lhe afirmar que sou um empirista e falo daquilo que observo, mesmo que me deixe com o coração pesado.



[1] Também não sou um metafísico cuja tarefa é dizer o que as coisas são em si e por si, e se elas são absolutas ou algo semelhante. Os objetos de que me ocupo situam-se todos dentro dos limites do experimentável (Jung, 1986, p.78).
[2] Nos círculos acadêmicos tornou-se necessária uma revolução drás­tica no tocante à metodologia, a qual foi iniciada por FECHNER e WUNDT, a fim de tornar claro, no âmbito científico, que a psicologia é um campo de experiência e não uma teoria filosófica. (Jung, 2002, p.67).

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