Creio
que é o momento de refletir sobre a reação da classe média de minha cidade
contra a violência, uma vez mais, ao me dedicar a esse tipo de reflexão, que
pode ser feita por diversos pontos de vista, seja da história, sociologia,
antropologia, e que realmente necessita desses pontos de vista para ser
compreendido, trago apenas a modesta compreensão que a psicologia pode dar, sem
descurar da necessidade dos demais pontos de vista e ciente das limitações que
a contribuição da psicologia tem a oferecer. Começo pensando no nome que foi
escolhido para batizar esse movimento “Fortaleza apavorada”, a mim me parece um
nome infeliz, mas profundamente revelador. O que move as pessoas que se unem a
esse movimento e que se põem a marchar exigindo as devidas providências do
governo é o medo, ou melhor, o pavor. Há uma diferença de grau que não pode ser
descurada, não é o mero medo que os move a agir, me parece que já vivem com
medo e a ele se acostumaram, bombardeados que são constantemente pela mídia com
sua dose diária de medos os mais variados, bem como os medos cotidianos que
assolam as pessoas um tantinho mais abastadas, medos não nos faltam, os temos
em abundância, e todos eles, em si são reais. Real é tudo aquilo que age que
atua, se penso ao entrar em meu quarto escuro que a minha gravata é uma
cascavel que se insinuou em minha cama e por isso fujo apavorado, esse medo é
real, por mais que a cascavel não passe de uma gravata. Não se pode duvidar
desse sentimento que se tornou tão basilar em nossa sociedade, principalmente
pelo motivo um tanto prosaico de que, quanto menor for a ligação dele com um
fato objetivo, quanto mais ilusório e quimérico, mais potente ele parece se
tornar. Uma parcela significativa da população de nossa luminosa e quente
cidade vive a sua vida pacata guiada por slogans, desejos quiméricos e
preconceitos afetivos, presa de atroz e invencível inconsciência, não é de se
espantar que se unam movidos justamente pelo medo, ou melhor pavor. O pavor
surge quando ao medo cotidiano de tudo em quanto, seja da comida que pode gerar
colesterol ou prisão de ventre, seja do governo que gasta impunemente os
impostos daquele que “produzem riqueza” com os pobres, ou mesmo o medo dos
pobres, se une a causas menos quiméricas, quando a sensação subjetiva de
insegurança – bastante real – se unem dados empíricos assustadores dignos de
uma sangrenta guerra civil, mais de 13 assassinatos por dia, dessa mistura
explosiva surge o pavor, mas esperem, falta algo.
É
sabido que, salvo uma parcela pequena da população, só nos afeta
psicologicamente aquilo que nos afeta diretamente, o resto, como disse certa
feita Jung, não passa de mitologia jornalística. Pois bem, acontece que em
nossa bela e ensolarada cidade vivemos em nossa consciência supraindividual, em
nossa cultura, algo que no indivíduo poderia se chamar de “inconsciência
artificial”, e nesse ponto devemos lembrar que ao falarmos da psicologia da
massa, tudo o que for válido na psicologia individual também o é para a massa e que, as inconsciências individuais
são a porta de entrada do contágio psíquico que leva a condição piscopática que
por uma invencível atração magnética cria a massa. A maioria de nós, eu
participo tanto do julgamento como da condenação, acostumou-se a ignorar a
maior parcela da cidade, os pobres que nos cercam, um oceano de faces anônimas
que em número em muito superam as classes abastadas, como se vivêssemos numa
bolha, ou em realidades separadas, eles lá e nós cá. A vida não vivida
cobra-nos um peço elevado, e a ignorância atua como culpa. Pois dividimos a
mesmíssima cidade e ela não pode e não será dilacerada em pedaços que viverão
separados, mas procuramos esse estado esquizoide em que a mão direita não sabe
nada da esquerda, mas agora à esquerda nos aponta uma arma. Aí então
despertamos apavorados de nossa inconsciência e descobrimos que como que por
encanto essa cidade cindida é uma só e que nós também somos vítimas de seus
males, e que os muros altos não nos
defendem, eles jamais nos defenderam de nossos medos, e agora não nos protegem
também da violência. Daí surge o pavor, da retirada das projeções positivas e negativas,
do colapso de nossas quimeras, e o que fazemos? Refletimos criticamente? Procuramos
assimilar conscientemente, mesmo que de maneira dolorosa? Não, criamos novos
slogans e fechamos novamente os olhos, dessa feita, caminhamos cegos guiados
por outros cegos, pois a massa é não mais do que isso, uma besta cega.
Pavor,
o que o pavor nos traz? Mais inconsciência, pois quando a temperatura dos
afetos atinge um ponto crítico perde-se toda a possibilidade de discussão
racional e surgem os slogans e desejos quiméricos ocupando o lugar da razão,
nesse ponto, quando estamos apavorados surge o desejo de sermos conduzidos, de
abdicarmos de nossa decisão moral, de que a voz de nosso coração se torne cada
vez mais fraca e se confunda com a voz da sociedade e seus inúmeros “tu deves”,
nada de bom pode resultar disso. Pavor não nos leva a nada, compaixão seria
melhor, pelos pobres que a classe média ou ignora ou despreza, ou mesmo pelas
feras que ela cultiva em seu próprio ceio. Falta-nos compaixão e nos sobra
terror, e qual animal ferido reagimos, mas que reação é essa? Está essa reação
pautada na consciência moral? Ou somos prisioneiros de uma reação compensatória
que nos arrasta como vaga e da qual não temos nenhum controle? Eu desconfio do
pavor, afetos como esse sempre nos levam a ações das quais nos arrependemos, eu
gostaria sinceramente que mais pessoas desconfiassem do pavor...
Nenhum comentário:
Postar um comentário