É
interessante notar como em muitos casos as pessoas ativamente procuram evitar
que em suas páginas nas redes sociais existam babacas, ou mesmo, para utilizar
um termo mais ameno, pessoas de opinião ou gostos diversos. Basta uma discordância,
ou mesmo uma fotografia que fira um pouco suas sensibilidades, uma suposta
indireta, para a pessoa ser imediatamente enviada para o limbo, para a Sibéria virtual.
Acaba-se cercado de gente que pensa igual, gosta das mesmas coisas, ou que
simplesmente apenas observa a vida dos outros de maneira silenciosa, sem a
existência de um contraditório.
Eu
de minha parte, considero que é de suma importância ter um número considerável
de babacas em minha página das redes sociais, assim eu não mergulho na ilusão
narcisista de que o mundo é feito a minha imagem e semelhança. De que todas as
pessoas defendem os direitos dos animais e são a favor do casamento gay. Não,
na verdade, a maioria das pessoas é preconceituosa e detesta bichos, para dizer
o mínimo. É importante perceber com clareza que se vive numa sociedade bastante
heterogênea, seja isso bom ou mau, não importa é simplesmente assim que é. Quando
se seleciona de maneira cuidadosa, quase cirúrgica, com quem você compartilha seus
conteúdos virtuais, tudo vira um monólogo de assentimentos vazios ou “likes” hipócritas. Não amigos, eu advogo
em favor dos babacas, daquelas pessoas que me irritam, que colocam coisas
ofensivas, que discordam daquilo que eu considero sacrossanto, de fazem troça
de meus valores mais basilares, esses são mais preciosos do que aqueles que
parecem gostar exatamente das mesmas coisas que eu gosto.
Como
tenho de lidar com um monte de gente babaca, eu tenho meus valores e ideais
sempre testados, questionados, preciso constantemente revê-los, reavaliá-los,
ponderá-los e não simplesmente acreditar que eu estou certo e pronto, numa fé
cega baseada em ignorância e preconceito. Ao me deparar com a contraditória,
mesmo as mais virulentas, sou posto a pensar, a contemplar meus valores e
ideias e a traduzi-los em minha própria experiência de vida, e caso não
consiga, tenho que ter a coragem de demoli-los e sobre seus escombros erigir
algo mais sólido.
Sou
um intelectual de esquerda, militante do partido dos trabalhadores, mas em
minha página das redes sociais tenho diversas pessoas de direita, algumas até
de extrema direita e não poucas que odeiam o meu partido. Elas me lembram
constantemente que é obrigação de todo revolucionário fazer uma crítica
permanente as suas ideias e da sua práxis, ao me irritar com seus excessos
direitosos ou neoliberais eu me defronto com a tarefa urgente de pensar nos
acertos e desacertos (que existem e não são poucos) da consecução prática de
minha visão de mundo, cumprindo assim, de maneira cotidiana o meu ofício de
intelectual público. Sem eles, sem os tais “babacas” e a irritação que me
causam, e que me mobiliza, eu refletiria bem menos, pensaria bem menos.
Existem
igualmente aqueles que não são babacas, mas que possuem opiniões que divergem
das minhas e são capazes de argumentar e defender suas ideias, e isso é ainda
mais instigante. A esses eu devo muito, o que intimida a maioria e leva a
discussão a um lamentável excesso de sentimentalidade e afeto justamente para não
ter que argumentar, é o que me anima a discutir, a possibilidade de contraditório!
Pólemos pater pan, como diria ao
velho Heráclito, sem isso estaríamos perdidos num solipsismo auto-erótico
absolutamente infértil. Talvez as redes sociais não sejam o lugar ideal para se
fazer os mais importantes debates, mas elas se tornaram nosso novo ágora, o local onde nos encontramos a
todos, para onde convergimos e nos vemos, mesmo que apenas entre bits e bites. E
lá estamos todos e porque não trocarmos ideias? Nos defrontarmos com a
babaquice? Sem isso a vida é monótona. A diferença, mesmo a que nos ofende é
simplesmente fundamental, sem a tolice como poderíamos reconhecer o
brilhantismo e a inteligência?
O
babaca, o verdadeiro babaca, ao primeiro sinal de desconforto, de uma leve
diferença, do mais sutil sinal de contraditório, ele o exclui ou o ignora. Alguns
poderiam dizer, erroneamente a meu ver, que o babaca só gosta de espelho. Isso é
falso, o espelho nos mostra de maneira objetiva e sem rodeios quem somos,
gordos ou magros, bonitos ou feios. E nessa vida, o único espelho que temos é o
outro e o espelho mais preciso e genuíno é o do outro que nos irrita, e do qual
desgostamos. É esse que nos mostra quem verdadeiramente somos, pois “Por que
você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga
que está em seu próprio olho?” como está escrito em Mateus. Tudo aquilo que nos
irrita e que nos desgosta tem a ver com a possibilidade de genuína compreensão
de nós mesmos, do que realmente somos e não apenas do que acreditamos ser, pois
há muito de nós mesmos que nos é estranho. Essa estranheza que nos diz respeito
e essa inferioridade que nos irrita a vemos com clareza no próximo e essa
clareza é diretamente proporcional as trevas que as encobrem e nós. O babaca
odeia o espelho, pois ele se regozija na ignorância, mas devemos amar os
babacas, pois eles são nossos mestres acerca de nós mesmos e não devemos evitá-los
e nos esquivar, mas ao contrário devemos procurar conhecê-los.
Eu
já fui excluído das redes sociais de muita gente, tenho o péssimo hábito de não
ficar calado diante do que eu acho errado ou equivocado, e excluí de meu convívio
virtual apenas uns poucos – um deles foi um fulano que postou a foto dos
excrementos de sua cadela com a desculpa que se parecia com uma lapiseira, tudo
tem limite – não sei se todos os que me excluíram são babacas, talvez não (um
ou dois sem sombra de dúvida), mas estamos diante de uma possibilidade inaudita
de comunicação e conhecimento nunca antes experimentada pelo gênero humano. Qualquer
um de nós pode andar com a biblioteca de Alexandria no bolso, ou falar
instantaneamente com o mundo inteiro, é uma janela que se abre para vermos mais
longe, para além de nossos preconceitos e pusilanimidades, temos todas as
ferramentas, precisamos apenas da disposição.
Perfeito seu texto. Parabéns! Há tempos tenho procurado forças para excluir minha conta do Facebook, dado que 'quem perde tempo, eterna perda chora'. O vício do facebook deriva do mecanismo de correr o feed de notícias para baixo, similar ao da alavanca de um caça-níqueis. É muito fácil descer um pouco mais a página em busca de alguma pérola de postagem (assim como é barato fazer mais uma aposta na máquina caça-níqueis). Porém o montante gasto total é desolador. Principalmente quando você vê o mar de merda que teve que nadar para achar algo útil.
ResponderExcluirContudo seu texto mostra que até esse mar de merda tem seu valor! Ir de encontro com o banal, com os idiotas ajudam a descobrir quem somos. Seja reforçando nossas idéias, seja nos dando faíscas de um pensamento diferente. As pérolas as vezes compensam. Como este seu texto!
Talvez eu adie a saída do face por mais algumas semanas...
minha mestra de budismo costuma dizer que "nossa confusão mental é o nosso caminho espiritual", de fato o facebook é algo viciante, e pode ser uma perda de tempo, mas isso depende menos dele e mais de nós, de nossa postura diante dele, até a merda tem valor, ela pode ser usada como adubo para ajudar uma planta útil a crescer, eu mesmo já escrevi várias coisas "inspirado" no facebook e suas marmotas, principalmente as coisas mais fascistas e tolas me levam a pensar, além disso, do mesmo modo que perdemos tempo com o facebook, iremos perder tempo com outra coisa, jung certa vez disse que importam menos os objetos e mais a maneira de apetecer, logo se não mudarmos a nossa forma de ver, estaremos sempre e mais uma vez perdendo tempo com algo. Obrigado pelos elogios e pelo estímulo para continuar escrevendo.
ExcluirRaramente ou nunca eu comento, mas hoje veio a calhar a leitura do teu texto, cara. Pela manhã, divaguei em uma de minhas turmas a respeito da canalhice fraudulenta e preguiçosa do modelo Ctrl+C/Ctrl+V de fazer trabalhos. Argumentei, ali, que um dos motivos para que isso tenha se tornado prática comum é que os alunos supõem, com certo acerto, que o professor será como ele, canalha-fraudulento-preguiçoso, e não se dedicará ao seu trabalho, não dará a mínima para ele. E o professor dirá que não o faz porque não tem condições trabalhistas, porque está acima disso, porque a consciência de cada um é de cada um etc. O "empregador" do professor, em geral não dará a mínima para o problema. Assim entramos num ciclo vicioso e ninguém quer que chegue um maluco no meio do caminho e exponha a fraude e que sustente sua posição solidamente. Também professor nenhum irá desejar que o aluno o comprometa dizendo: "Professor, o senhor nem leu meu trabalho, não viu que eu copiei uma receita de bolo no lugar de responder seu problema etc." Assim, ficam todos seguros na sua mais perfeita babaquice... Ótimo texto
ResponderExcluirObrigado Filipe, de fato há um pacto de mediocridade que é difícil de romper e causa um incômodo terrível quando alguém resolve agir de maneira séria ou simplesmente discutir de uma maneira comprometida, felizmente ou infelizmente alguns têm essa sina de não compactuarem com isso, e bem sei que você é uma dessas pessoas comprometidas com a sua verdade e o seu caminho e não com a voz da maioria, nesse caso nos resta sermos excluídos do facebook, ou excluídos, graças a deus, desse ciclo vicioso...
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