sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Reflexões sobre a Solidão


Tenho pensado em muitas coisas para escrever ultimamente, principalmente os assuntos teóricos que normalmente ocupam os meus pensamentos e horas de estudo. Todavia, resolvi apenas divagar um pouco sobre a condição humana, sem grandes preocupações de rigor ou pretensões teóricas. A condição humana é um termo ambíguo e paradoxal, como somos nós humanos, de uma maneira irremediável, e como não consigo escapar de ao menos um pouco de rigor, escrevo sobre um aspecto apenas: a solidão.

Na realidade, meu intento inicial era escrever um pouco sobre o que sinto sobre relacionamentos, mas como estou só no momento, creio que isso me torna mais propenso, ou mesmo mais gabaritado a escrever sobre o tema. Na realidade minha reflexão é sobre os motivos de se estar só. É preciso ter em mente que estar sozinho é um estado de espírito, e que pode-se estar só mesmo cercando por uma multidão, ou em um relacionamento. É possível passar anos namorando ou casado e mesmo assim ter passado esses anos todos em solidão. Creio, que em certa medida, todos precisamos de momentos de solidão, seja para meditar, fazer algo de que se gosta, estudar ou o que seja, certas coisas se faz só.

É possível também, estar junto de pessoas amadas, como família e amigos, pois existem muitos tipos de amor. Os gregos falavam de pelo menos três, Eros, filia e ágape. O amor carnal, o amor da amizade, e o amor de caridade, ou amor transcendental. Família e amigos representam esse segundo tipo de amor. Para a religião de Vishnu existem cinco tipos, e creio que poderíamos encontrar muitas outras descrições. Para os gregos, havia igualmente o Eros cósmico, que unia toda a criação, e o Eros que posteriormente foi chamado pelos gregos de cupido, um menino de assas com flechas envenenadas, era filho de Ares e Afrodite, da guerra e do amor. Nesse ser alado e brincalhão encontrava-se o paradoxo daquilo que nos une e nos separa, desejo e aversão, guerra e paz, as polaridades que ativam em nossa alma de maneira misteriosa a possibilidade de nos conectarmos as pessoas.

Os gregos estavam corretos e imaginar o amor como um travesso jovem alado, pois qualquer um que já tenha sentido o veneno de suas flechas sabe que ele faz aquilo que bem entende, sem se importar com a nossa conveniência, bem estar, nossos desejos ou aspirações. A solidão, creio eu, é em parte um resultado das peripécias desse espírito tão alegre e tão cruel, que gosta de zombar dos mortais. Mesmo o mais empedernido racionalista, sabe que seu coração não lhe pertence, e que pode perdê-lo, e secretamente teme perdê-lo, a qualquer momento. Há algo de vivo e independente em nossa alma que parece gostar de zombar de nós de maneiras cruéis e quase mefistotélicas. Algumas vezes somos amados, mas a pessoa que nos ama nos é indiferente, ou no máximo poderíamos vê-la como amiga. Outras vezes, somos nós as vítimas das setas certeiras, mas o maroto jovem de asas voou para longe esquecendo-se de também mirar no peito da jovem que agora amamos. Quão cruéis podem ser os deuses.

E a tragicomédia humana segue seu curso, repetindo sempre e mais uma vez a piada que parece nunca perder a graça para o jovem eterno que é o amor. A cada novo ser humano renasce a possibilidade para esse jogo de gato e rato, além de um desejo de encontrar algo que parece nos faltar. Passamos muito tempo de nossas vidas sozinhos, e precisamos de solidão, mas o veneno da solidão é muito pior do que o das setas de Eros. Ele é um veneno insidioso e que não nos mata, mas rouba-nos aquilo que é o sal da vida. O veneno da seta de Eros não paralisa, como o faz o veneno da solidão, ao contrário, faz com que nos movamos. Não há estase que resista as flechas de Eros.

Mas seguimos nesse labirinto que é a vida, sem o fio dourado de Ariadne e sem nos confrontarmos com o minotauro, tateando por paredes sem fim, incapazes de enxergar ao certo para onde vamos, e vítimas das brincadeiras cruéis de um deus menino. Ainda assim, abençoadas sejam as setas da aljava de Eros, sem elas esse caminho tortuoso seria bem pior e bem mais sombrio, mesmo quando elas nos levam para as trevas, ou para a solidão, ainda assim a ferida que causam é bem vinda. Esse errar nos faz perceber, ou deveria nos fazer perceber, como é rara e bela a graça de fazer parte da vida de alguém, como isso é um dom, algo deo concedente. O mistério do ser passa pela reunião daquilo que foi separado, mas que originalmente era um, esse mistério se revela a todos aqueles que se abrem de maneira incondicional as travessuras de Eros, e está eternamente velado aqueles que temem seu arco implacável.

Uma vez mais, ao tentar deitar a pena ao papel para falar do que eu sinto, me perco em metáforas e simbolismos arcaicos, mas o fato é que estou cansado da solidão, exausto eu diria. Cansado da superficialidade, da falta de compromisso e de tudo aquilo que cheira a farsa, a mentira, ou a contrafação. Gostaria de poder dizer que estou em busca da minha verdade, mas creio que é mais correto dizer que a minha verdade, que vinha me perseguindo há tempos, finalmente me agarrou e não me permite mais tolerar a falsidade, ou a solidão...

2 comentários:

  1. Com licença.
    Há quem diga que metáfora do amor está no rosto de quem ama. A pessoa fica bela,se sente bela e vê beleza em tudo.

    Faço essse paralelo pra dizer que a metáfora da solidão é a reflexão, esse insight, esse sangue com que você escreve. A um texto escrito com sangue, podem-se aplicar as palavras do evangelho "Hoc est corpus meum "- este é o meu corpo,diz Rubem Alves. E eu diria que hoje esse é o meu estado,amigo. Com a parte da intolerância à falsidade dominando.
    Foram os ventos que me trouxeram aqui.Obrigada por ese momento.
    Um abraço e desculpe a invasão.

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    1. bons ventos esses... escrever é algo interessante e misterioso, e é curioso ver o poder da escrita quando alguém nota que você escreveu com sangue... sua invasão é bem vinda, o curioso é que eu vi o seu comentário justamente ao deitar novamente a pena ao papel usando esse mesmo sangue... eu é que agradeço

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