As
imagens tragicômicas dos deputados assistindo a um vídeo pornográfico durante a
sessão que discutia a reforma política de Eduardo Cunha (essa sim sacanagem das
brabas) é um detalhe, mas um detalhe revelador, como o chiste que, por um
instante, coloca a descoberto aquilo que estava nas sombras, um não dito que
rasga os véus de hipocrisia consciente. Não pretendo enveredar pelo mesmo falso
moralismo que fez a fama de muito desses senhores, paladinos da família e dos
bons costumes, não tenho nada contra – ao menos em princípio – que se veja isso
ou aquilo na internet dentre dos limites da lei e do desejo de cada um, mas me
incomodo o farisaísmo.
Temos
hoje o mais conservador congresso desde a nossa redemocratização, nossa jovem
república passa por momentos surreais com figuras do quilate de Cunha,
Calheiros e Bolsonaro saindo das sombras do congresso e agindo em plena luz do
dia, alterando a constituição para tornar a picaretagem legal, pregando
abertamente o racismo e a homofobia, sendo machistas sem nenhum pudor ou
vergonha. Esses mesmos defensores da família, igreja e propriedade, assistem as
escondidas filmes pornográficos. É assim que sempre foi, desde a época dos
grandes cafeicultores paulistas que aprisionavam suas filhas e exigiam de todos
decoro e pudor, mas frequentavam bordeis luxuosos as escondidas.
Do
velho slogan igreja, família e propriedade, o único realmente levado a sério,
de maneira quase religiosa é a propriedade, os dois outros mais servem para
justificar a opressão e o controle sobre os subalternos, sobre os outros, bem
como para lhes dar justificativas morais tacanhas para serem os piores seres
humanos possíveis, afinal, está lá em Levítico, deus abomina os homossexuais e
isso é absoluto – não cortar barba e o cabelo é relativo, pois melhor convém –
fazendo o oposto do que é a essência do cristianismo, que ordena que se ame ao
próximo e deixe o julgamento ao altíssimo, ao invés de cristão, viram
caricaturas grotescas de judeus do antigo testamento.
Aos
hipócritas se unem sempre os fanáticos de ocasião, que amam odiar, e não
precisam de meia desculpa para vomitar sua raiva sobre tudo e todos. Eu mesmo
não duvido que logo algum pastor via jogar a culpa sobre as garotas dos vídeos,
elas é que são culpadas por tentar os homens de bens, não eles, sucubi
tentadoras a testar de maneira demoníaca a fé – essa é uma desculpa velha, mas
muito boa, afinal mulher, ainda mais se for puta é culpada de tudo mesmo, desde
Eva – Nossa hipocrisia secular é posta a descoberto pela banalidade de um vídeo
repassado pelo Whats Up (zap zap),
coloca-se as claras aquilo que usualmente tentamos esconder de nós mesmos com
aquilo que Jung chamou de inconsciência artificial, preferimos não saber.
Preferimos não saber que quase todo mundo fuma maconha e cheira pó, mas só os
pretos pobres sentem o peso da força policial; preferimos não saber que uma
parcela enorme dos homens já esteve com um travesti, mas apenas os travestis
recebem a conta altíssima da homofobia; preferimos não saber que quase a totalidade
dos homens casados traem ou frequentam prostíbulos (o que dá na mesma), mas só
quem sofre com tudo isso são as putas e não os honrados pais de família.
Nossa
cegueira moral nos levará ao abismo, enquanto formos uma república de
hipócritas raivosos espumando de ódio. Nossa cegueira nos destruirá, pois como
Jung gostava de repetir, citando um ditado árabe “a ignorância é vizinha da
maldade”.
"Nossa cegueira moral nos levará ao abismo" três anos depois e flertamos com o abismo. E seu texto foi um anos antes das cenas da votação do golpe/impeachment.
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