Mas a própria vida brota ao mesmo tempo de fontes límpidas e turvas. Por isso falta vida a toda “pureza” demasiada. Toda renovação da vida passa pelo turvo e avança para o límpido. Quanto maior a limpidez e a diferenciação, menor será a intensidade de vida, precisamente porque foram excluídas as substâncias turvas. O processo de desenvolvimento precisa tanto de limpidez quanto de turvação.C. G. Jung, Tipos Psicológicos, P.257.
Em uma perspectiva Junguiana, qual é a postura correta do analista? Como qualquer pessoa inteligente pode ver por si mesma, essa é uma pergunta capciosa. Basta nos lembrarmos do forte viés pragmático de Jung para perceber que a maneira como a pergunta foi formulada (e é assim que ela costuma ser formulada) induz ao erro.
Em termos pragmáticos, não existe interesse em respostas
verbais, não há uma verdade exclusiva,
mas muitas verdades, não temos a
verdade, mas apenas verdades operacionais.
Mesmo assim, essa é uma questão que se reveste de grande
importância, porém pode acabar se transformando em um pseudo-problema. Na maioria dos casos, a assim chamada postura correta diz respeito ao
estabelecimento de uma persona medici,
que é, ironicamente, o que não se deve cultivar, ou, ao menos, não de maneira
exclusiva, muito menos como a coisa mais importante.
Por mais que o processo analítico possua regras
operacionais, certamente o método dialético não pode ser confinado a aplicação
mecânica dessas regras. O método depende fundamentalmente da personalidade do
médico. Do quão longe ele foi no confronto com o inconsciente. Ao pensarmos
assim, qualquer postura preconizada como a
melhor, na maioria das vezes, servirá apenas para mascarar a personalidade do
médico. Ao fazer isso, subtrai-se do paciente justamente a única coisa que pode
ser genuinamente oferecida a ele: o efeito de sua personalidade na
personalidade do médico.
Toni Wolf, analista que foi muito próxima de Jung e
considerada por alguns até mesmo melhor clínica do que ele, atendia a seus
pacientes sentada a mesa, não a frente deles, mas ao seu lado, fumando cigarros
em uma longa piteira preta.
Jolande Jacobi, que era uma búlgara extrovertida e agitada,
passava as sessões andando de um lado para o outro. Isso chegou a tal ponto que
o vizinho de baixo a levou a justiça por perturbar sua paz com o barulho de
seus passos. O juiz determinou que ela poderia andar de 8 até às 22 horas.
Um paciente de Marie Louise von Franz, ligou para ela
desesperado e chorando, coisa que não era nada habitual para sua atitude
corriqueira, e relatava estar em perigo. Ela lhe aconselhou a pegar um trem e
vir a Zurique – ele morava numa cidade vizinha – ao chegar ele trazia consigo
uma cesta de cerejas e eles comeram juntos alegremente e ela lhe perguntou “bom,
e aí?”, mas ele não conseguiu contar o que havia de errado e já estava refeito.
Jung, certa feita, atendeu uma senhora que tinha o hábito
de estapear seus terapeutas sempre que lhe diziam algo desagradável. Depois de
passar por vários deles, acabou indo ter com Jung – que já lhe conhecia a fama.
Quando ele lhe disse algo que não a agradou, ela se levantou para estapeá-lo,
mas, para sua surpresa, Jung também se levantou com a mão em riste e disse “ladies first!”. Jung era famoso por ter
uma robustez quase camponesa, e a senhora se sentou e o tratamento pode
prosseguir sem maiores problemas.
A postura correta é aquela que melhor e mais
verdadeiramente expressa à totalidade da personalidade do médico. Assim como o
paciente deve afetar o médico, este deve afetá-lo com aquilo que ele
verdadeiramente é. O problema de uma persona
medici é que, normalmente, é algo
bidimensional, não projeta uma sombra. Faz parte, necessariamente, da atitude
do médico, não apenas sua autoridade e certezas, mas também suas dúvidas, medos
e fraquezas.
O método dialético depende de uma elevada dose de coragem
e altruísmo, entretanto a verdadeira coragem só se mostra quando sentimos medo.
Junto do estudo, indispensável, da psicologia dos complexos, método de associação,
filosofia, psiquiatria, religião e mitologia comparada, psicologia dos primitivos,
deve vir também uma aguda consciência de nossas limitações, o que inclui o
reconhecimento de que tudo o que julgamos saber sobre o paciente não passa de
um preconceito e de que não nos é dado saber qual o destino de outrem.
A postura verdadeira deve emanar de sua verdadeira
natureza e ser uma expressão dela. A principal verdade de quem cuida de almas deve ser a percepção de que existem
muitas verdades e não apenas a nossa. Que o caminho do paciente, com todas as
suas agruras, tropeços e vicissitudes, corresponde a sua (dele) resposta individual
da imorredoura questão do sentido da vida humana. A postura correta não é um
conjunto de regras estereotipadas como um manual de etiqueta, mas aquela que
colabora positivamente para ajudar o paciente a escapar da estagnação causada
pela neurose, a vencer a cisão que lhe dilacera a alma, mesmo que possa parecer
com algo tão estapafúrdio como ficar caminhando de um lado para o outro
incessantemente.
A melhor postura é aquela que não prejudica a coluna. A coluna do tratamento. Ótimo texto. Estás nas trilhas da clínica, sensacional!
ResponderExcluirobrigado! é uma trilha complicada, mas grandes homens já passaram por ela e podem nos inspirar a abrir novas estradas, ou ver o novo nos velhos caminhos
ExcluirA melhor postura é aquela que não prejudica a coluna. A coluna do tratamento. Ótimo texto. Estás nas trilhas da clínica, sensacional!
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