terça-feira, 14 de março de 2017

Refluxo



Eu tenho uma condição médica, que acredito seja um defeito de nascença, chamada hérnia de hiato, isso causa algo chamado refluxo, que é um tipo muito forte e incômodo de azia. O caso é que, por muito, muito tempo, eu acreditei que jamais havia sentido azia. Quando fui fazer exames para determinar se eu estava ou não com refluxo, um desses exames era um tubo enfiado pelo meu nariz e que descia pela minha garganta esôfago abaixo até o estômago e uma caixinha com algum aparelho eletrônico que, pelas próximas 24 horas iria monitorar objetivamente cada um dos episódios de refluxo que eu tivesse. Eles também me deram uma espécie de controle remoto, com botões, cada vez que eu sentisse os efeitos do refluxo bastava registrar apertando o botão. A máquina registrou uns 15 episódios de refluxo, e eu apertei os botões umas dez vezes e, adivinhem, não acertei nenhuma das vezes em que estava realmente tendo ácido corroendo meu esôfago e a minha garganta.

Pelo visto, eu sempre tivera azia, só não me dava conta disso. Não tinha qualquer consciência do que se passava comigo, algo físico que envolvia ácido subindo pelo interior do meu pescoço. Eu gosto de contar essa história para exemplificar o quanto podemos ser inconscientes, mesmo de coisas tão grosseiras e materiais. Depois passei a notar a sensação causada pelo refluxo, além de um monte de outras sensações oriundas do meu corpo.

Uma coisa muito similar aconteceu com algo bem mais sutil. Por anos, eu jamais havia me dado conta dos efeitos dos meus sentimentos sobre mim. Assim como eu acreditava que jamais tivera azia, tinha a viva impressão de que meus sentimentos não me perturbavam nem um pouco. Acontece que mesmo não percebendo a azia, o ácido estava lá, me deixando rouco, causando um estranho pigarro e corroendo o meu esôfago, eu só não o notava, o que não anulava os seus efeitos daninhos. Só é possível se defender de um inimigo que você sabe que existe. Eu conseguia agir de maneira imensamente fria, direta e impiedosa ou simplesmente ignorar coisas ruins feitas comigo e que deveriam ter tido o efeito de me irritar, entristecer ou indignar, porque não notava qualquer efeito dessas ações sobre mim. Isso me dava uma impressão muito, mas muito equivocada mesmo a meu respeito.  Além de eu ter uma ideia bem esquisita sobre mim, essa minha inconsciência, passava uma imagem bem estranha para as pessoas.

Assim como aconteceu com a minha azia crônica, depois de alguns eventos da minha vida, passei a perceber, a ter consciência, do quanto meus sentimentos me afetavam. Isso me deixou menos durão e objetivo, mas também me humanizou bastante, me deixou menos idiota e ampliou consideravelmente o escopo da minha experiência e, por cosequência, da minha vida. A coisa é que, eu ainda não sei muito bem o que fazer com essas impressões que eu percebo. Sei exatamente o que fazer com os meus pensamentos, com a minha criatividade e poder analítico. Com esses afetos que vem e vão quando querem, ou que são desencadeados por algum evento ou pessoa, eu sou mais vítima deles do que seu criador.  No começo, tentei fazer a coisa budista de apenas observar como eles apareciam e depois seguiam seu curso e sumiam, ou tentar me familiarizar com eles e entender como funcionavam. Talvez essas realmente sejam boas estratégias, mas, com o tempo, percebi que precisava me deixar afetar por tudo isso, e viver essas emoções, especialmente as negativas.

Isso me permite ter uma visão mais ampla e colorida do mundo e das pessoas, além de me dar elementos de avaliação que eu não dispunha antes. Não tem sido nada fácil, abdicar da minha postura, na aparência, inatingível e ser ferido por essas coisas. Afinal, elas sempre me feriram, eu é que não notava. Sentimentos são pontes, que nos conectam as pessoas, que aquecem o mundo frio do pensamento. Os afetos são a chama sem a qual os elementos de nossa personalidade jamais irão se amalgamar.

No meu caso, continuo a ser bem bocó no que concerne ao mundo dos sentimentos, mas, ao menos, já não sou cego e surdo.

segunda-feira, 6 de março de 2017

O que é Esquizofrenia?



O primeiro a classificar as desordens psicológicas em diferentes categorias foi o médico alemão Emile Kraepelin, em 1887 ele usou o termo dementia praecox para descrever os sintomas do que depois foi chamado de esquizofrenia.

Para Kraepelin, a dementia praecox era primordialmente uma doença do cérebro, e uma forma particular de demência. O termo "praecox" foi utilizado para marcar uma diferença com doenças como Alzheimer que geralmente acontecem na velhice. Kraepelin, em sua abordagem tinha uma forte ênfase na biologia ao tratar dos distúrbios psiquiátricos e retirava a ênfase sempre que possível de fatores sociais ou psicológicos. A despeito das críticas ao seu trabalho, ele foi um dos primeiros a tentar elaborar uma nosologia mais concisa e universal para a psiquiatria.

O termo esquizofrenia foi cunhado em 1911 por Eugen Bleuler em seu livro Dementia Praecox oder Gruppe der Schizophrenien. Então diretor do hospital psiquiátrico da universidade de Zurique (Burghölzli), e um dos nomes mais importantes na psiquiatria germânica.  Para Bleuler a esquizofrenia não era um tipo de demência e também poderia ocorrer em idade avançada. O termo escolhido por ele vem do grego e, literalmente, significa mente dividida ou despedaçada. Um termo apropriado para descrever o psiquismo fragmentado que ocorre na esquizofrenia. Freud não gostava do termo cunhado por Bleuler e preferia parafrenia, mas esse é um termo que nunca foi largamente utilizado.

O livro de Bleuler foi traduzido para o inglês apenas em 1950, apesar da demora teve enorme sucesso e diversas reimpressões, e foi uma influência poderosa na elaboração dos manuais de diagnóstico desenvolvidos depois da segunda guerra mundial, como a primeira edição do DSM e sua influência se estendeu até a sua segunda edição. Por essa época, a psiquiatria americana era fortemente influenciada pela psicanálise e recebeu muito bem o diagnóstico de Bleuler que se baseava em observações psicológicas e não dava grande ênfase aos sintomas psicóticos.

A partir do DSM III, os sintomas psicóticos como alucinações passaram a ter maior proeminência. A publicação do DSM III em 1980 foi fortemente influenciada pelo movimento psiquiátrico conhecido como Neo-Kraepelianos, que não se interessavam tanto quanto Bleuler pelos aspectos psicológicos da doença, mas acreditavam que o enfoque deveria ser o aspecto biológico.

A principal influência teórica desse movimento foi o psiquiatra alemão Kurt Schneider, que argumentava que os sintomas psicóticos estavam fortemente associados à esquizofrenia, a tal ponto que somente com o sintoma de alucinação auditiva já se diagnosticava alguém com esquizofrenia.

Mesmo depois de se ter percebido que esses sintomas psicóticos não estavam ligados de maneira única à esquizofrenia, e com a ascensão do movimento chamado de neo-Bleulerianos que dava ênfase me sintomas cognitivos, as edições subsequentes do DSM, até o DSM V continuaram a considerá-los primordiais no diagnóstico.

Bleuler elaborou a sua noção de esquizofrenia baseado em testes psicológicos, no teste de associação de palavras. Esse teste teve origem nos laboratórios de Wundt (pai da psicologia experimental) e foi utilizado por dois subordinados de Bleuler Carl Gustav Jun e Franz Riklin, em um grande número de pessoas, o que também incluía sujeitos que não possuíam problemas psiquiátricos.

Isso levou Bleuler a caracterizar a esquizofrenia com referência a essas associações como "associações frouxas" ou "afrouxamento das associações" com uma ênfase nos complexos. Para ele, outro fator fundamental era a dissociação (Spaltung), ou a fragmentação (Zerreissung) das funções psíquicas. Ou seja, a personalidade perde a sua unidade. a noção psicológica da doença de Bleuler está baseada na hipótese da existência de um inconsciente psíquico, onde complexos inconscientes, que representam personalidade parciais, podem tomar o poder e deslocar a personalidade original. O afrouxamento das associações indicava para ele que a força psíquica que mantinha a personalidade coesa, isto é, a capacidade de associar conteúdos psicológicos uns com os outros, era um dos fatores que levava a dissociação ou fragmentação.

No livro DSM V, o mais atual dos manuais de psiquiatria em língua inglesa e que define os critérios para se diagnosticar esquizofrenia. Do DSM IV para o V mudanças significativas aconteceram, como a retirada dos subtipos de esquizofrenia (paranóide, desorganizada, catatônica, indiferenciada e residual), existe uma lista de sintomas do grupo das psicoses: delírios, alucinações, fala desorganizada, comportamento desorganizado ou catatônico, sintomas negativas. Para o diagnóstico é preciso que o sujeito exiba 2 desses sintomas e pelo menos um deles deve ser um dentre esses 3: delírio, alucinação, fala desorganizada.